Acórdão nº 0824/17.0BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – AA, com os sinais dos autos, propôs Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela (a acção foi inicialmente proposta no TAC de Lisboa, que se julgou incompetente e remeteu os autos ao TAF de Mirandela), contra a Ordem dos Advogados, igualmente com os sinais dos autos, acção administrativa, na qual impugnou a deliberação tomada em Acórdão de 10.11.2016 da 3.ª Secção do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, que confirmou, em sede de recurso, a pena disciplinar de multa de 500,00 €, aplicada à autora pelo Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados, no âmbito de processo disciplinar, e formulando o seguinte pedido: “Nestes termos nos melhores de direito aplicáveis que V.ª Ex.ª Doutamente suprirá, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e consequentemente: - Ser o acto administrativo proferido pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, em 10.11.2016 notificado à A. em 04.01.2017, declarado nulo; - Ser eliminado do registo disciplinar da A., tal condenação.” 2 – Por sentença de 05.07.2021, o TAF de Mirandela julgou a acção procedente e anulou o acto impugnado.

3 – Inconformada, a Ordem dos Advogados recorreu daquela decisão para o TCA Norte, que, por acórdão de 27.05.2022, concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida e julgou a acção totalmente improcedente, mantendo o acto impugnado na ordem jurídica.

4 – É desta decisão que a A. interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 03.11.2022, a admitiu.

5 – A Recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões: «[…] 1º O presente recurso de revista tem por objeto o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, que doravante passaremos a designar por TCAN, de 27.05.2022 notificada à ora recorrente em 30.05.2022, o qual alterou a sentença recorrida e julgou a ação totalmente improcedente.

2º E em poucas palavras se consegue identificar e delimitar as questões jurídicas que, com a presente Revista, pretende a recorrente trazer à consideração e ao juízo desse Supremo Tribunal Administrativo, que doravante passaremos a designar por STA; 3º Tendo presentes (i) a regra de imutabilidade da matéria de facto em sede de Recurso de Revista postulada nos números 2 e 3 do artigo 150.º do CPTA e, em concreto, (ii) a circunstância de o tribunal a quo (TCAN) não ter alterado a matéria de facto dada como assente na primeira instância (Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que doravante passaremos a designar por TAFM), é precisamente com base nesse quadro factual já fixado que emerge a questão decidenda, nomeadamente quanto a considerar que a factualidade invocada pela Recorrida, Ordem dos Advogados no ato administrativo é suficiente e idónea para suportar a decisão assumida.

4º Como melhor se demonstrará adiante o TCAN erra na interpretação que realiza da lei utilizada pela Recorrida, para alterar a sentença do TAFM, uma vez que resulta evidente que tal decisão (da Recorrida) padece de vício de violação da lei, e deverá ser anulada, como o foi pelo TAFM; 5º Porquanto, uma das questões que se pretende ver apreciada pelo STA está intimamente relacionada com aquilo que deve entender-se como uma interpretação e aplicação adequadas da normatividade vigente, o que é deveras importante para a atividade administrativa em geral e para as decisões desfavoráveis ao particular, como seja o ato sub judice.

6º Ademais, a outra questão que se impõe abordar neste recurso é a de perceber, de uma vez por todas, se o facto de a A. aqui recorrente ter advogado contra um ex-cliente, o qual apenas lhe havia confiado assuntos relacionados com dois processos crimes, que o ligavam à sua ex-mulher BB, num processo de regulação do poder paternal movido por CC, a fez incorrer na violação prevista nos artigos 83º n.º 2 e 94º números 1 e 5 do Estatuto da Ordem dos Advogados, que doravante passaremos a designar por EOA.

7º Isto porque, na senda do propugnado pelo Tribunal a quo, o que releva para o caso é o facto de ter aceitado patrocinar a segunda cliente (CC) contra o primeiro cliente (DD) na regulação do poder paternal dos filhos de ambos, depois de ter patrocinado o pai das crianças (DD) em processos que envolviam ambos (DD e CC), um contra o outro; 8º Porém, tal não é verdade, porquanto resulta assente que o 1.º cliente (DD) e a 2.ª cliente (CC) não tiveram qualquer outro processo que os ligasse, para além da regulação do poder paternal dos filhos de ambos; 9º Veja-se, necessariamente, quando o TCAN sufraga que os factos essenciais para a punição são: “9. A arguida bem sabia que ao aceitar litigar contra o Participante em acção de regulação de poder paternal estaria a pôr em risco a preservação do segredo profissional relativamente a factos atinentes aos assuntos confiados pelo seu anterior cliente, ora Participante.

  1. Tal como bem sabia que o conhecimento que possuía sobre os assuntos de que o Participante a incumbiu de tratar, poderia acarretar para a sua nova patrocinada CC, vantagens ilegítimas ou injustificadas.

  2. Bem como sabia que se encontra impedido de intervir em acção conexa - inventário - com outra - divórcio - em que tenha representado a parte contraria.

  3. A arguida agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era, como é proibida.

    “Constata-se que, claramente, os factos dados como provados são suficientes e integram esta previsão normativa.

    Onde consta “inventário” e “divórcio” deveriam ter-se referido os processos descritos nos pontos 2 a 8 da acusação (ponto 3 dos factos provados na sentença). Onde consta, mais à frente, “ex-mulher”, poderia constar “ex-companheira” ou mãe dos filhos, de quem se separou. Ou até poderia não constar nada do ponto de vista do estado de civil.

    O acto punitivo manteria inalterada a sua validade do ponto de vista dos factos essenciais que o sustentam.” 10º Em face deste conspecto cuida-se evidente, assim, o relevo que este recurso assumirá, também, para casos futuros respeitantes a violações dos deveres deontológicos, por impedimentos/incompatibilidades que todos os dias afluem nos tribunais administrativos.

    11º Assim delineadas e delimitadas as questões jurídicas que constituem o objeto do presente Recurso, resta então compreender se as mesmas se revestem da dignidade que, nos termos do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, é exigida para a admissão de qualquer Revista.

    12º Da síntese acabada de efetuar compreende-se desde já que as questões que são aqui trazidas, e que estão subjacentes ao caso dos autos, não são, pois, uma discordância sobre os factos dados como provados.

    13º A questão não é essa, nem poderia ser! 14º Uma das questões que aqui é trazida é um problema de interpretação jurídica, mais exatamente um problema de determinar, com todo o rigor, qual o sentido e vinculação inerentes a certas normas jurídicas, de forma a que, a Recorrente – ou, diga-se, qualquer sujeito que, em abstrato, se veja perante uma situação semelhante – compreenda a normatividade que irá reger o seu caso.

    15º É que, no entender da Recorrente, está em causa um ato administrativo ilegal, que deve ser anulado, como o foi pelo TAFM, nos termos gerais, por padecer de nulidade e de uma aplicação desadequada da lei.

    16º E, por tudo isto, é da perspetiva da Recorrente que o Acórdão do TCAN objeto do presente recurso traduz, evidentemente, uma situação de violação de lei substantiva, tal como exigido pelo n.º 2 do artigo 150.º do CPTA, 17º Uma vez que procede a uma interpretação, a nosso ver, errónea, da normatividade aplicável in casu, mormente prevista no EOA, 18º Conspecto este que implica que o desfecho da lide tenha sido díspar daquele que a lei impõe, e que era o expectável.

    (…) 37º Conforme se vem referindo, a vexata quaestio dos presentes autos está relacionada com a apreciação e interpretação que é feita pelo tribunal a quo das normas legais constantes do EOA, que define e estipula, as regras e limitações do exercício da advocacia.

    38º Entendeu o Tribunal a quo que a sentença proferida nos presentes autos carecia de censura, porquanto o TAFM havia entendido, e a nosso ver, corretamente, que o vicio de violação da lei cometido pela recorrida Ordem dos Advogados, leva à procedência da ação e à consequente anulação do ato impugnado, 39º Porquanto entendeu (TCAN) que pese embora haja erro na fixação dos factos, o que importava aquilatar era do relevo desse erro e a sua repercussão na validade do ato impugnado, pois, segundo o mesmo, o que importava era saber se foram ou não elencados factos, que fossem suficientes e preenchessem a previsão normativa do disposto no n.º 2 do artigo 83º e artigo 94º nºs 1 e 5 do EOA, segundo o qual gira toda a discussão jurídica dos autos, 40º E nessa senda acabou por decidir que: “Não afecta a validade do acto punitivo aplicado a uma advogada, praticado pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, com fundamento na previsão do n.º 2 do artigo 83º e dos n.ºs 1 e 5, e no artigo 94º, n.ºs 1 e 5, do mesmo diploma, a circunstância de aí se ter referido que eram marido e mulher dois clientes sucessivos dessa advogada, o que não correspondia à verdade dos factos, pois aqueles nunca foram casados.

    Isto porque essencial para a punição – e demonstrou-se ter ocorrido – não foi a exacta relação que existiu entre os sucessivos clientes advogada punida, mas o conhecimento que esta teve de factos pessoais do primeiro cliente e que deveria guardar em segredo profissional, segredo este que evidentemente ficou em risco quando aceitou patrocinar a segunda cliente que tinha dois filhos do primeiro; estando em causa, precisamente, no processo em que aceitou patrocinar a segunda cliente contra o primeiro cliente, a regulação do poder paternal dos filhos de ambos; depois de ter patrocinado o pai das crianças em processos que envolviam ambos, um contra o outro.

    ” 41º Desde logo, e no que respeita a este entendimento, o busílis...

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