Acórdão nº 0718/09.2BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO BB, residente na Avenida ..., ..., Furadouro, Ovar, e Outros, devidamente identificados nos autos, intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (TAF), acção administrativa especial contra o MUNICÍPIO DE OVAR, peticionando:

  1. Nulidade/anulação das deliberações da Câmara Municipal de Ovar nº 267/2009 e 270/2009, ambas de 4 de junho de 2009, que indeferiram pedido de licenciamento/legalização apresentados pelos AA. atinentes às alterações efectuadas ou a efectuar nos arrumos das suas fracções sitas nos últimos pisos do “Condomínio ...” [substituição das janelas por portas e o aproveitamento do vão de cobertura em terraço], por falta de fundamentação, falta de audiência prévia, violação de lei, errada interpretação do artigo 61º a 63º do RJUE e artigos 1422º e 1425.º do CC; subsidiariamente b) Anulação das deliberações por violação do princípio da segurança jurídica e artigo 68.º/4 do RJUE; c) Condenação da ré a emitir acto de deferimento dos pedidos de licenciamento/legalização das obras, nos termos do artigo 66.º e segs do CPTA.

    *Por sentença de 17 de Fevereiro de 2018 o TAF de Aveiro julgou a acção improcedente.

    *Os Autores apelaram para o TCA Norte, e este, por acórdão proferido em 19 de Fevereiro de 2021, julgou o recurso parcialmente procedente, anulando a sentença recorrida na parte afectada, e, conhecendo em substituição, com a fundamentação que lhe subjaz, manteve, com diversa fundamentação, o decidido na sentença proferida em 1ª instância, ou seja, a improcedência da acção.

    *Os AA., inconformados, interpuseram o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «I.

    Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte na parte em que, embora com diversa fundamentação, mantém o decido na sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, julgando a ação improcedente, o qual muito embora tenha acolhido a argumentação expendida nas alegações dos Recorrentes e, em consequência, tenha revogado grande parte da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, a verdade é que, admitiu que apesar da preterição do direito de audiência prévia, sempre a decisão do Município Recorrido seria idêntica, na medida em que a pretensão dos mesmos contraria o nº 2 da Resolução do Conselho de Ministros nº 66/95 (que ratificou o PDM de Ovar).

    II.

    Porém, não se conformam os Recorrentes com o sentido do acórdão recorrido, na medida em que o mesmo, além de incorrer em manifesto erro de julgamento de Direito, denota uma errada interpretação e aplicação das normas legais aqui convocadas, bem como a subversão de princípios basilares de Direito Administrativo, com a consequente afetação de direitos e interesses legítimos de particulares, o que, pela sua relevância jurídica e social, impõe a sua apreciação por parte do Supremo Tribunal Administrativo para uma melhor aplicação do Direito.

    Vejamos: A. DA FUNDAMENTAÇÃO PARA A ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXCECIONAL DE REVISTA III.

    Conforme supra se aflorou, vem o presente recurso interposto do douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, notificado em 22.02.2021, o qual manteve a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância na parte em que julgou a ação improcedente, por considerar que há lugar ao aproveitamento das Deliberações impugnadas, sem prejuízo da preterição do direito de audiência prévia dos Recorrentes por parte do Município Recorrido, ou seja, entendeu aquela instância que as intervenções realizadas pelos Recorrentes integram o conceito de construção, colidindo com o nº 2 da RCM 66/95, razão pela qual estava o Município Recorrido vinculado à decisão de indeferimento das pretensões formuladas.

    IV.

    Sendo certo que o Recurso de Revista no processo administrativo não foi consagrado com a intenção de configurar um triplo grau de recurso jurisdicional, e atenta a excecionalidade do recurso em questão, entendem os Recorrentes que a intervenção do STA é necessária para garantir, in casu, a melhor aplicação do direito, e que a mesma reveste uma importância de primeiro plano em razão da sua relevância jurídica e social – veja-se, para o efeito, o disposto no nº 1 do artigo 150º do CPTA.

    V.

    No caso em concreto, é clara a necessidade de uma melhor aplicação do direito, na medida em que se afigura manifesto que o Tribunal a quo incorreu em erro na tarefa de interpretar e aplicar o dispositivo ínsito no nº 2 da RCM 66/95, mormente no que respeita ao conceito de “construção”, por outro lado, assiste-se no acórdão recorrido a uma errada aplicação do instituto do aproveitamento do ato, na medida em que olvida o sancionamento do sacrifício do exercício do direito de audiência prévia na atuação do Município Recorrido, ignorando que o mesmo consubstancia um verdadeiro direito análogo aos direitos, liberdades e garantias por respeito ao nº 5 do artigo 267.º da Constituição.

    VI.

    De acordo com o nº 2 da RCM nº 66/95 (que ratificou o PDM de Ovar), foi determinado “Excluir de ratificação, nos designados espaços praia existentes e espaços praias potenciais, a possibilidade de construção numa faixa de 100m, a contar da linha de máxima praia-mar de águas vivas e equinociais”, ou seja, na referida faixa de 100 metros (onde se inserem as frações dos Recorrentes), encontra-se vedada a possibilidade de realizar construções.

    VII.

    Sucede que, as intervenções realizadas pelos Recorrentes não consubstanciam uma verdadeira “construção” para efeitos de aplicação do referido dispositivo, conquanto, à data do pedido apresentado pelos Recorrentes se encontrava em vigor o Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de novembro, com a redação conferida pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de outubro, o qual estabelecia no nº 1 do artigo 1º do mencionado diploma que “[Estavam] sujeitas a licenciamento municipal:

  2. Todas as obras de construção civil, designadamente novos edifícios e reconstrução, ampliação, alteração, reparação ou demolição de edificações, e ainda os trabalhos que impliquem alteração da topografia local”.

    VIII.

    Pois bem, no caso vertente, pretendem os Recorrentes a transformação de janelas em portas e aproveitamento do vão de cobertura em terraço, tal como, aliás, constava já do projeto inicial do edifício, pelo que, estão em causa intervenções sem visibilidade do exterior e que não implicam qualquer aumento da área de construção, da volumetria ou da cércea do edifício.

    IX.

    Por outro lado, considerando que a exposição física das mencionadas intervenções é praticamente inexistente, as mesmas não importam qualquer modificação do arranjo estético do edifício, nem a alteração da forma original da cobertura do prédio, sendo ainda de referir que as mencionadas intervenções foram aprovadas pela maioria dos condóminos, representativa de pelo menos dois terços do valor total do prédio.

    X.

    Ora, estando em causa intervenções que, pelas suas características e pelo impacto que têm no imóvel, se revelam de escassa relevância urbanística, forçoso é concluir que as mesmas não se enquadram no conceito de “construção” para efeitos do disposto no nº 2 da RCM 66/95, pois note-se bem que a ratio que subjaz à referida proibição pretende evitar a realização de novas construções com impacto na costa litoral e, em particular, na faixa costeira, visando preservar a paisagem e o espaço natural envolvente das praias e, bem assim, evitar desequilíbrios na costa.

    XI.

    Nestes termos, bem se compreende que a intenção do legislador com o normativo não visava proibir toda e qualquer operação urbanística, mas tão-somente as obras que implicassem uma alteração da paisagem e do espaço natural, nas quais não se insere a operação realizada pelos Recorrentes, uma vez que as mesma em nada afetam os bens jurídicos que por via da referida proibição se pretendem proteger, conquanto não importam qualquer alteração com impacto no edificado, nem sequer afetam a paisagem e o espaço natural envolvente.

    XII.

    No acórdão recorrido, propugna-se que, efetivamente, o mencionado direito dos Recorrentes foi cerceado, mas que tal circunstância não tem efeito invalidante dos atos impugnados, na medida em que, neste concreto parâmetro, o Município Recorrido atua no âmbito de poderes vinculados e que, à luz do nº 2 da RCM 66/95, nunca a sua posição poderia ser outra, porém, não podem os Recorrentes conformar-se com tal entendimento.

    XIII.

    Caso o Município Recorrido tivesse concedido aos Recorrentes a oportunidade de se pronunciarem sobre a sua intenção de indeferir os pedidos apresentados pelo facto de os mesmos contrariarem o vertido no nº 2 da RCM 66/95, sempre os mesmos poderiam ter carreado para o procedimento elementos demonstrativos de que as intervenções realizadas/a realizar não consubstanciavam o conceito de “construção”, dadas as suas características, ou seja, teriam a oportunidade de demonstrar junto do Recorrido que as mesmas, tendo em conta o espaço físico em que se inserem, não têm visibilidade exterior, não afetando o arranjo estético do prédio e, muito menos, a sua envolvente, ou seja, poderia a decisão final do Recorrido ser, efetivamente, distinta.

    XIV.

    No entanto, o acórdão recorrido faz tábua rasa do direito de audiência prévia dos Recorrentes, ao concluir pela falta do efeito invalidante da sua preterição, o que coloca em causa, de forma grosseira, um dos mais basilares direitos dos particulares no âmbito da relação jurídico-administrativa, uma vez que o presente direito traduz uma manifestação acentuada do princípio da participação no procedimento administrativo que, num Estado de Direito Democrático, não pode ser dispensada sem fundamento para o efeito, na medida em que figura como o expoente máximo de preocupação garantística do legislador ordinário, em cumprimento de uma imposição jus constitucional, sendo que a sua preterição ou falta traduz-se num vício procedimental exterior ao próprio ato administrativo, mas que o...

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