Acórdão nº 01064/08.4BEVIS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO1.

“MASSA INSOLVENTE DE A..., S.A”, Autora na presente ação administrativa, proposta como “ação administrativa comum” (em 18/7/2008), interpôs o presente recurso de revista do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 31/1/2020 (cfr. fls. 1207 e segs. SITAF), que concedeu provimento ao recurso de apelação que o Réu demandado “MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DA MADEIRA” interpusera da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (TAF/Aveiro), de 19/4/2018 (cfr. fls. 1088 e segs. SITAF), e, revogando esta sentença, julgou a ação improcedente.

2.1.

Na p.i., a Autora pediu, a final, «a condenação do Réu a: A) Desocupar e restituir à Autora o imóvel referido no artigo 1º, livre de pessoas e bens, e a repor esse prédio no estado em que se encontrava anteriormente, destruindo para tal a rua que nele ilicitamente abriu; B) A pagar à Autora uma sanção pecuniária compulsória de € 5.000,00 (cinco mil euros) por cada mês ou fração de atraso no cumprimento da ordem de restituição e reposição acima referida; C) A pagar à A., a título de danos patrimoniais, a quantia de € 500.000,00 (quinhentos e setenta mil euros), a título de indemnização pela desvalorização do prédio e pela perda de oportunidades de negócio, acrescida de € 5.000,00 (cinco mil euros) por cada ano ou fração de ocupação indevida do mesmo, a contar de 1994 até à desocupação definitiva do mesmo».

2.2.

Por saneador-sentença proferido em 1/4/2010 (a fls. 150 e segs. SITAF), o TAF/Aveiro declarou-se materialmente incompetente para conhecer dos pedidos A) e B) – por se encontrarem excluídos do âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos - e julgou procedente a exceção perentória, invocada pelo Réu, de prescrição do direito de indemnização integrante do pedido C).

2.3.

A recurso de apelação da Autora – que expressamente o cingiu à parte da sentença que se debruçou sobre o pedido C), julgando prescrito o direito de indemnização ali invocado -, o TCAN, por acórdão de 27/5/2011 (cfr. fls. 229 e segs. SITAF) entendeu que haveria que desligar tal pedido indemnizatório da data do início da alegada ocupação ilícita do terreno (1994), já que, diferentemente de uma responsabilidade civil emergente de tal ocupação, o pedido C) refere-se a responsabilidade por não cumprimento da permuta acordada, pelo que foi concedido provimento ao recurso, revogada a sentença e ordenada a baixa dos autos ao TAF para aí prosseguir a sua normal tramitação.

Referiu esse acórdão do TCAN: «(…) O TAF, no saneador, declarou-se materialmente incompetente para apreciar os pedidos deduzidos sob as alíneas A) e B), e quanto a eles absolveu o réu da instância. Relativamente ao pedido C), julgou procedente a prescrição do direito de indemnização que foi deduzido pela autora, e absolveu o réu do pedido.

A autora, agora como recorrente, apenas vem discordar desta última decisão, sobre a questão da prescrição do seu direito a obter uma indemnização do réu, pelo que as demais decisões transitaram em julgado.

E imputa-lhe, exclusivamente, erro de julgamento de direito.

Ao conhecimento deste erro de julgamento de direito se reduz, pois, o objeto do presente recurso jurisdicional.

(…) se exclusivamente baseada em responsabilidade civil extracontratual do réu, tout court [2° nº 1 e 5º n° 1 do DL nº 48051 de 21.11.67], certamente que o direito da autora estaria prescrito. E neste sentido assiste razão à sentença recorrida, porque, embora a ocupação seja facto que se prolonga no tempo, e portanto um facto duradouro, não deixa de se concretizar numa atuação localizada no espaço e tempo a partir da qual, se conhecida pelo interessado, deverá ser contado o prazo de prescrição [ver, entre várias outros, AC do STA de 24.04.2002, Rº 47368; e AC do STA de 03.02.2004, Rº 2032/03].

(…) Todavia, como a responsabilização do município réu, na versão da autora, também se baseará em responsabilidade pré-contratual, é certo, assim o cremos, que em face dos dados factuais disponíveis o seu direito a ser indemnizada não se mostra prescrito.

Deverá, pois, ser concedido provimento ao recurso jurisdicional, ser revogada a sentença recorrida, e a acção baixar ao TAF para aí prosseguir a sua normal tramitação, caso nada mais obste a tal».

2.4.

Foi, então, pelo TAF/Aveiro proferido, em 13/1/2012, novo despacho saneador (cfr. fls. 268 e segs. SITAF) onde, em consequência, se consignou que: «Prosseguem os autos para apreciação do pedido formulado na alínea C) da petição inicial (cfr. Despacho proferido a fls. 153 e ss. e Acórdão proferido a fls. 218 e ss)».

2.5.

Após os competentes trâmites processuais, o TAF/Aveiro proferiu sentença, em 21/1/2017 (cfr. fls. 914 e segs. SITAF) em que decidiu julgar procedente a ação, condenado o Réu a: «1. Pagar à autora pela privação do uso do bem desde o ano de 1994, o valor global de €75.900, acrescido de mais €275 mensais enquanto durar a ocupação do mesmo; 2. Pagar à autora o valor de €179.567,24 pelo dano de perda de chance».

2.6.

Esta sentença do TAF/Aveiro veio a ser revogada pelo TCAN por acórdão de 3/11/2017 (cfr. fls. 1036 e segs. SITAF), concedendo provimento a arguição, por parte do Réu, de nulidade processual por omissão, após a audiência final, de oportunidade para as “alegações orais” das partes e, também, de oportunidade para as partes se pronunciarem sobre os factos instrumentais carreados para os autos na sentença.

2.7.

Voltando os autos, de novo, ao TAF/Aveiro, e aí cumprido o trâmite processual declarado omitido pelo TCAN, foi proferida nova sentença, em 19/4/2018 (cfr. fls. 1088 e segs. SITAF), com decisão idêntica à da sentença anterior (proferida em 21/1/2017), atrás referida.

2.8.

Perante novo recurso de apelação por parte do Réu “Município”, veio o TCAN a proferir, em 31/1/2020, o Acórdão ora recorrido (cfr. fls. 1207 e segs. SITAF), que revogou a sentença do TAF/Aveiro e julgou improcedente a ação.

A Autora “Massa Insolvente” não se conforma com este Acórdão do TCAN, absolutório, pelo que interpôs do mesmo o presente recurso de revista.

  1. A Recorrente/Autora “MASSA INSOLVENTE” concluiu do seguinte modo as suas alegações do presente recurso de revista (cfr. fls. 1259 e segs. SITAF): «A - Tendo a Recorrente sido vítima de uma ocupação ilícita do seu terreno, durante 21 anos, que além de a privar do uso do mesmo, lhe frustrou a oportunidade de o vender pelo preço de € 600.000, é chocante ler-se, no acórdão recorrido, não “ter como seguro a existência do suposto dano”...

    B - O presente recurso de revista excecional, ao abrigo do n.º 1 do art. 150.º do CPTA, justifica-se a vários títulos: - está em causa uma questão de importância fundamental, atenta a sua relevância jurídica e social: em que medida e com que pressupostos estará uma entidade pública (uma autarquia local) obrigada a compensar danos causados por atuações em vias de facto, nomeadamente a ocupação ilícita de bens imóveis alheios; - a admissão deste recurso mostra-se claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, no que concerne à ressarcibilidade dos danos da privação do uso e da perda da chance, que tem sido objeto de uma jurisprudência contraditória e algo imprevisível, mostrando-se desejável uma clarificação destas matérias e a uniformização da jurisprudência.

    C - O proprietário de um terreno situado numa zona urbana, que se vê desapossado de uma parte dele devido à implantação de uma estrada que o divide em duas partes, sofre evidentemente um dano, passível de tutela do direito — pois fica amputado de uma parte do seu património.

    D - Nesses casos, não faz sentido condicionar a indemnização pela privação de uso à prova de que o lesado tinha um “propósito real - concreto e efetivo - de proceder à sua utilização”, pois quem está privado do uso nem sequer pode fazer planos para a futura utilização da coisa.

    E - Ou seja, o dano causado é de tal forma radical que impede mesmo que tal “propósito” se possa formar: o uso de que a vítima fica privada não é só aquele que já tinha previsto, antes da ocupação, mas também aquele que podia vir a ter, no futuro, e que a ocupação impediu.

    F - Por isso, a doutrina e jurisprudência maioritárias consideram que o dano da privação do uso resulta automaticamente do facto ilícito e culposo, pelo que, enquanto esse facto subsistir, há sempre dano. Daí que a mera privação do uso, ainda que desacompanhada da alegação e prova de danos dela decorrentes, constitua, só por si, um dano indemnizável.

    G - O dano decorrente da ocupação ilícita de um imóvel, pela sua natureza, “não é suscetível de uma fixação exata, pelo que o montante da indemnização deverá ser determinado com recurso à equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3 do CC” (ac. do STJ de 29.03.2001, dgsi.pt).

    H - Mesmo que assim não se entendesse, não pode o Direito ficar indiferente à situação de alguém que beneficia de bens alheios à custa e contra a vontade do respetivo dono.

    I - Como bem decidiu o ac. STJ de 3.10.2013 (P. 1261/07.0TBOLHE, dgsi.pt), sendo inquestionável que a ocupação e o uso do prédio implicou um enriquecimento injustificado do réu à custa do autor, a consequência jurídica é a imposição àquele da obrigação de restituir o enriquecimento, ao abrigo do disposto no art. 473º nº1 do Código Civil.

    J - O dano da perda de oportunidade - por natureza -, não corresponde a uma perda exata e concretamente definida, pois uma chance é diferente de uma certeza.

    K - O que se compensa, nesses casos, é a perda da possibilidade de vir a ter um benefício, sem que haja certezas de que ele seria obtido, na ausência do facto danoso.

    L - De qualquer modo, os factos provados nos autos demonstram - com elevado grau de probabilidade - que, na ausência do facto danoso (a conduta ilícita do Réu), a Autora teria conseguido vender o seu terreno pelo preço de 120.000 contos (€ 600.000).

    M - O acórdão recorrido confunde a probabilidade com a certeza.

    N - O que a Autora tinha que provar...

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