Acórdão nº 29/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. José Eduardo Figueiredo Dias
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 29/2023

Processo n.º 1117/2022

2.ª Secção

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. veio apresentar reclamação, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante designada por LTC), da decisão proferida naquele tribunal que, em 5 de novembro de 2022, não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional (cf. fls. 99-106).

No âmbito do processo a quo, em 12 de setembro de 2022, o arguido reclamou para o referido Supremo Tribunal de Justiça do despacho de 14 de julho de 2022, que não admitiu o recurso interposto para aquele Tribunal (cf. fls. 36). Por despacho datado de 29 de setembro de 2022, foi indeferida a aludida reclamação (cf. fls. 50-56). Notificado desta decisão, veio o recorrente apresentar requerimento onde invoca a nulidade do despacho, com fundamento em incompetência jurisdicional do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e requer a apreciação de um conjunto de questões de constitucionalidade; pretensões indeferidas por acórdão de 13 de outubro de 2022 (cf. fls. 80-82).

2. Inconformado uma vez mais com este posicionamento, o recorrente apresentou recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, nos seguintes termos:

«A., arguido e recorrente nos autos à margem referenciados, vem, nos termos da alínea b) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 280.° da Constituição da República Portuguesa, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.°, do n.º 1 do artigo 75.°, e do artigo 75.°-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, interpor Recurso de Fiscalização Concreta Junto do Tribunal Constitucional das interpretações normativas suscetíveis de estarem feridas de inconstitucionalidade material, suscitadas a devido tempo ao longo do processo e expressas no despacho referente à reclamação de inadmissibilidade de recurso e no despacho do conhecimento das nulidades arguidas em requerimento respetivo.

I. NORMAS APLICADAS CUJA INCONSTITUCIONALIDADE SE PRETENDE QUE O TRIBUNAL APRECIE

a) O Recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 405.°, n.º 1, conjugado com o artigo 11.°, n.º 2, alínea c) ambos do CPP e com o artigo 62.°, n.º 1, alínea h) da LOSJ, na dimensão interpretativa normativa de que é admissível e lícito a/o Vice-presidente decidir da reclamação, competência própria específica jurisdicional material e funcional do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, sem que haja previsão legal de delegação e sem que do ato processual resulte que o exercício daquelas se enquadre no âmbito de um impedimento ou falta do presidente do STJ.

b) O Recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 432.°, n.º 1, alínea a) do CPP, na dimensão interpretativa normativa de que é admissível e lícito o Tribunal considerar que uma decisão em primeira instância, proferida pelo tribunal da Relação, mesmo que por despacho singular de juiz-desembargador, relator, não é fundamento de admissibilidade de recurso para o STJ por a mesma configurar uma questão incidental e por considerar que os tribunais superiores não proferem decisões em primeira instância, mormente quanto a segmentos específicos suscitados respeitantes à tutela efetiva de direitos, liberdades e garantias fundamentais pessoais.

c) O Recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 432.°, n.º 1, alínea b), esta conjugada com o artigo 400.°, n.º 1, alínea a), do CPP, na dimensão interpretativa normativa de que é admissível e lícito o Tribunal considerar que só é admissível recorrer apenas de decisões de conteúdo condenatório e não de decisões, mesmo que singulares, que conhecem de arguição de nulidades por inexistência de fundamentação e que restringem direitos, liberdades e garantias fundamentais.

d) O Recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma alínea a) do n.º 1 do artigo 432.° do CPP, na dimensão interpretativa de que é admissível e lícito o Tribunal considerar que não é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões proferidas pela Relação em primeira instância que vise o reexame da matéria de direito: ausência e sentido de fundamentação.

e) O Recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 432.° do CPP, na dimensão interpretativa de que é admissível e lícito o Tribunal considerar que não é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão proferida pela Relação que conhece de requerimento de arguição de nulidades de um despacho por vicio de ausência de fundamentação nos termos constitucionalmente impostos.

f) O Recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 432.° em conjugação com a alínea a) do n.º 1 do artigo 400.°, a contrario, ambos do CPP, na dimensão interpretativa de que é admissível e lícito o Tribunal considerar que, estando-se perante um ato decisório proferido em primeira instância jurisdicional pelo Tribunal da Relação, não é admissível o duplo grau de jurisdição com o reexame da matéria de direito.

g) O Recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 432.° em conjugação com a alínea a) do n.º 1 do artigo 400.°, a contrario, ambos do CPP, na dimensão interpretativa de que é admissível e lícito o Tribunal considerar que não é admissível recorrer de decisões proferidas por decisão singular de um juiz desembargador, relator, por considerar que, não obstante ser uma ato decisório, não é uma decisão da Relação.

h) O Recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 432.°, n.º 1, do CPP, na dimensão interpretativa de que é admissível e lícito o Tribunal considerar que não é admissível recorrer de decisões proferidas por um juiz desembargador, enquanto relator, por ser uma decisão singular e não um «acórdão» da Relação, mesmo configurando um ato decisório restritivo do direito fundamental a uma decisão fundamentada.

II. DAS NORMAS OU PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE SE CONSIDERAM VIOLADOS

a) O Recorrente considera que a interpretação normativa do artigo 405.°, n.º 1, conjugado com o artigo 11.°, n.º 2, alínea c) ambos do CPP e com o artigo 62.°, n.º 1, alínea h) da LOSJ, no sentido de que, mesmo estando-se perante competências próprias específicas jurisdicionais materiais e funcionais do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, sem previsão legal de delegação, nem de coadjuvação, e sem que do ato processual resulte que o exercício daquelas se enquadre no âmbito de um impedimento ou falta do Presidente do STJ, o Vice-presidente pode exercê-la e decidir da reclamação deduzida, é suscetível de ser materialmente inconstitucional por violação do princípio do juiz natural, consagrado pelo artigo 32.°, n.º 9 da CRP.

b) O Recorrente considera que a interpretação normativa do artigo 432.°, n.º 1, alínea a) do CPP, no sentido de que uma primeira decisão proferida em 1.ª instância por um Tribunal da Relação, sobre o sentido normativo-constitucional de fundamentação e de que uma decisão singular, proferida por Juiz-desembargador relator, não é fundamento de admissibilidade de recurso para o STJ por a mesma configurar uma questão incidental e de que, em sede de recurso, os Tribunais da Relação não decidem em 1.ª instância, é suscetível de configurar uma inconstitucionalidade material por violação do princípio e direito ao duplo grau de jurisdição das decisões judiciais, consagrado no artigo 32.°, n.º 1 da CRP e artigos 2.° e 4.° do Protocolo n.º 7 Adicional à CEDH.

c) O Recorrente considera que a interpretação normativa da alínea b) do n.º 1 do artigo 432.° em conjugação com a alínea a) do n.º 1 do artigo 400.°, ambos do CPP, no sentido de que só é admissível recorrer apenas de decisões de conteúdo condenatório e não de decisões, mesmo que singulares, que conhecem de arguição de nulidades por inexistência de fundamentação e restrinjam direitos, liberdades e garantias fundamentais contraria, em toda a dimensão jurídica, o direito de acesso ao Mais Alto Tribunal para que proceda ao reexame da matéria de direito - sentido efetivo e concreto de fundamentação de um ato decisório proferido em primeira instância pela Relação - e nega a efetividade do Direito no caso concreto, objetivo final de todo o itinerário do processo penal [realização da Justiça e do Direito], sendo suscetível de configurar uma inconstitucionalidade material por violação do artigo 20.°, n.°s 1 e 4 da CRP.

d) O Recorrente considera que a interpretação normativa da alínea a) do n.º 1 do artigo 432.° do CPP, na dimensão de que não é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões proferidas pela Relação em primeira instância que vise o reexame da matéria de direito - ausência e sentido de fundamentação - é suscetível de estar ferida de inconstitucionalidade material por violação do direito ao recurso e ao duplo grau de jurisdição de uma decisão judicial, consagrado no artigo 32.°, n.º 1, da CRP e no artigo 2.° do Protocolo n.º 7 Adicional à CEDH, e do princípio da proibição do excesso das restrições do direito ao recurso e do princípio odiosa sunt restringenda, consagrados no n.°s 2 e 3 do artigo 18.° conjugado com o n.º 1 do artigo 32.° da CRP.

e) O Recorrente considera que a interpretação normativa da alínea a) do n.° 1 do artigo 432.° do CPP, na dimensão normativas de que não é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão proferida pela Relação que conhece de requerimento de arguição de nulidades de um despacho por vicio de ausência de fundamentação nos...

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