Acórdão nº 27/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. José Eduardo Figueiredo Dias
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 27/2023

Processo n.º 781/2022

2.ª Secção

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. veio apresentar reclamação, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante designada por LTC), do despacho proferido por aquele Tribunal que, em 9 de maio de 2022, não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

No processo a quo, a aqui reclamante interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão de procedência parcial do pedido, proferida em primeira instância, tendo-lhe sido negado provimento pelo acórdão de 7 de outubro de 2021 (cfr. fls. 164-179). Inconformada, apresentou recurso de revista normal e, subsidiariamente, excecional daquela decisão, mas viu negada a admissão do recurso de revista ordinária, por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferida em 18 de novembro de 2021, com fundamento em “dupla conforme”. Seguidamente, foi ordenada a subida dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, com vista à sua apreciação sobre o preenchimento dos pressupostos da revista excecional (cfr. fl. 199). Em 19 de janeiro de 2022, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu decisão de indeferimento do recurso de revista ordinária e excecional, com fundamento na falta de preenchimento do pressuposto legal relativo ao valor da causa (cfr. fls. 217-221). Notificada desta decisão, a aqui reclamante requereu que fosse proferido acórdão sobre a decisão singular de não admissibilidade do recurso. Chamado a pronunciar-se coletivamente, o Supremo Tribunal de Justiça determinou a rejeição da mencionada reclamação, por acórdão proferido em 30 de março de 2022 (cfr. fls. 232-238).

2. Inconformada, uma vez mais, com este posicionamento, recorreu para o Tribunal Constitucional da decisão singular de 19 de janeiro de 2022 e do acórdão de 30 de março de 2022, ambos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, tendo delimitado o respetivo objeto nos seguintes termos:

«(…)

13.°

A norma aplicada pela decisão singular proferida em 19-01-2022 e pelo Acórdão proferido em 30-03-2022 é a seguinte:

- 629°, n.º 1, do CPC

(…)

15.°

Em primeiro lugar, a recorrente pretende questionar a norma do art. 629°, n.º 1, do CPC°, porquanto deve ser desaplicada por materialmente inconstitucional. (art.° 204.° da CRP).

16.°

O critério da dupla conforme e o entendimento de que se o recurso de revista for inadmissível em função do valor da causa e da socumbência, sempre será inadmissível a revista excepcional, é um obstáculo arbitrário, desrazoávcl e desproporcional e, nessa medida, materialmente inconstitucional, que deve ser desaplicado (art.° 204.° da CRP), sendo inconcebível no confronto com o art.° 20.° da CRP por vedar o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva.

17. °

A recorrente pretende ainda questionar a interpretação dada pela Relação de Lisboa à norma do art.° 763.°, n.º 1 do Código Civil, que é materialmente inconstitucional, porque não tem em consideração as vicissitudes negociais, os acordos estabelecidos entre as partes, quando concordam com o pagamento parcial da renda fixado nos sucessivos recibos, sendo que a mesma inconstitucionalidade vicia a norma do art.° 804.° do Código Civil e os subsequentes arts.° 1038.° e 1039.° do mesmo diploma legal.

18.°

Face às inconstitucionalidades invocadas das normas objecto deste recurso, verifica-se que o resultado daí gerado é o de decisões/deliberações surpresa vedadas pela Lei Fundamental porque contrárias ao Estado de Direito Democrático e Social que integra os princípios da dignidade da pessoa e a exigência de uma justiça elementar.»

3. Por despacho datado de 9 de maio de 2022, o Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, explicitando sumariamente o seguinte (cfr. fls. 256-282):

«(…)

Sustenta o recorrido, ao exercer o contraditório quanto ao requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, que “In casu constata-se que não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade durante o processo nem de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer - cfr. art. 70° n° 1 al. b) e 72° n° 2 ambos da LTC”, “Ou seja, encontrava-se a Recorrente vinculada a definir, antes de esgotado o poder jurisdicional da instância recorrida, ao requisito de suscitação antecipada da questão de inconstitucionalidade por imposição do ónus de delimitação e especificação perante o Tribunal a quo do objeto do recurso. Acontece que tal ónus não foi cumprido o que determina o indeferimento do recurso por força do disposto no n° 2 do art. 75° da LTC. Termos em que deve rejeitar-se o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por força do disposto no n° 2 do art. 75° da LTC.”

Impondo-se-nos a ponderação da questão, tendemos a acompanhar a sensibilidade do recorrido, no sentido de que, ante os termos das alegações formuladas pelo recorrente, a questão de inconstitucionalidade fora apenas colocada em sede de revista nas apontadas conclusões (7 a 10), não ponderando aqui o apontamento feito no requerimento de reclamação para a conferência.

(…)

Ora, seguindo esta linha de exigência interpretativa do procedimento do recorrente, diríamos que o presente recurso deveria ser admitido, pese embora a escassez de argumentos aduzidos pelo recorrente no sentido da(s) inconstitucionalidade(s) que invoca, não nos sendo autorizado afirmar que o recorrente não identifica de forma expressa, directa e clara, a norma ou um seu segmento ou uma dada interpretação que se qualifique como violadora da Lei Fundamental, isto porque o faz directa e expressamente nos transcritos pontos das conclusões das suas alegações, máxime nas conclusões 8 e 9, onde invoca a inconstitucionalidade da interpretação dada...

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