Acórdão nº 20/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 20/2023

Processo n.º 1139/21

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A., foi, no âmbito do processo de insolvência da sociedade B., S.A., da qual era presidente do conselho de administração, aberto incidente de qualificação da insolvência como culposa.

Por sentença proferida a 29 de junho de 2019, foi qualificada a insolvência como culposa e determinado, entre o mais, que o ora recorrente fosse afetado por essa qualificação, decretando a sua inibição para administrar patrimónios de terceiros por um período de cinco anos, conforme artigo 189.º, n.º 2, alínea b), do CIRE, bem como para o exercício de o comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de cinco anos, conforme artigo 189.º, n.º 2, alíneas b) e c), do CIRE.

Inconformado, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que foi julgado improcedente, por acórdão de 24 de março de 2020.

Novamente inconformado, deduziu revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando contradição jurisprudencial, no que respeita à interpretação e aplicação do disposto no artigo 189.º n.º 2, alínea e), do CIRE, e, simultaneamente, arguiu nulidades do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão prolatado a 30 de junho de 2020, indeferiu a arguição de nulidades invocada.

Por acórdão de 13 de abril de 2021, a Formação do Supremo Tribunal de Justiça rejeitou a revista excecional.

2. Notificado deste acórdão, vem interpor o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC), com o seguinte teor (cf. fls. 836 a 838):

«1. O Tribunal de Primeira Instância qualificou como culposa a insolvência da sociedade B., S.A., nos termos do artigo 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), do CIRE e determinou que o Recorrente fosse afetado pela mencionada qualificação de acordo com a alínea a) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE.

2. Assim, veio o Tribunal de Primeira Instância condenar o Recorrente a indemnizar os credores da devedora B., S.A. no montante dos créditos não satisfeitos, até à força do respetivo património, conforme estabelece a alínea e) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE.

3. No entanto, o Tribunal de Primeira Instância relegou a determinação do montante da indemnização devida aos credores para incidente de liquidação, com início após o encerramento do processo de insolvência, nos termos do artigo 230.º do CIRE, por considerar que somente após o mencionado encerramento do processo ser possível determinar o montante concreto dos créditos sobre a insolvência que não lograram pagamento integral em virtude da insuficiência da massa insolvente.

4. De acordo com a Sentença proferida, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que a dação em pagamento dos imóveis da Insolvente B., S.A. (doravante "C.") no âmbito de um Processo Especial de Revitalização (doravante "PER") veio frustrar a possibilidade dos restantes credores verem satisfeitos os seus créditos e agravou objetivamente o estado de insolvência da B., beneficiando, assim, um único credor - o C. -, em troca da extinção das garantias que o mesmo beneficiava, nomeadamente avales prestados pelo Recorrente e sua mulher, sem acautelar os créditos laborais que beneficiavam de privilégio imobiliário especial.

5. O Recorrente interpôs recurso da decisão proferida por entender que a situação de insolvência foi criada pela posição irrascível do C. de inviabilizar a venda dos do Hotel, dos apartamentos e do D., impedindo, assim, a insolvente B.de gerar fluxos financeiros e de prosseguir o seu objeto social.

6. Assim, defendeu o Recorrente que se revela extremamente gravosa e desproporcional a aplicação das inibições constantes do artigo 189.º, n.º 2, alíneas b) e c) do CIRE de que foi objeto por um período de 5 anos a um cidadão de 70 anos, sem que a decisão justifica/fundamenta devidamente a aplicação de tal inibição, aplicando apenas os 5 anos sem mais.

7. Mais referiu o Recorrente que o artigo 189.º, n.º 2 alínea e) do CIRE constitui uma violação grave do princípio da proporcionalidade constante do artigo 18.º, n.º 2 da CRP, na vertente de proibição do excesso, ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da CRP.

8. Mais referiu o Recorrente que a Sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância considera como questão central o facto de o Recorrente ter prejudicado os credores da insolvente, em particular os credores detentores de créditos laborais que beneficiavam de privilégio imobiliário especial sobre os imóveis da insolvente objeto de dação em pagamento ao C. nos termos do artigo 333.º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. b) do Código de Trabalho e que teriam preferência sobre os créditos hipotecários do C. num cenário de insolvência da B., pelo que, de acordo com o princípio da proporcionalidade na vertente de proibição do excesso, a condenação do Recorrente no pagamento da indemnização deveria ter em consideração a medida da sua culpa, ou seja, os trabalhadores da insolvente detentores de créditos com privilégio imobiliário especial que tivessem preferência sobre os créditos hipotecários do C. no âmbito da insolvência e que viram os seus créditos frustrados por insuficiência da massa insolvente.

9. Dito de outro modo, entende o Recorrente que, de acordo com o princípio da proporcionalidade na vertente de proibição do excesso, a condenação do pagamento da indemnização deveria afetar o Recorrente apenas na medida da sua culpa, ou seja, quanto aos credores da insolvente detentores de créditos privilegiados que tivessem preferência sobre os créditos hipotecários do C. no âmbito da insolvência, o que não se verifica.

10. Nesta sequência, interpôs recurso da mencionada decisão, o qual veio o a ser julgado improcedente, por ter sido entendido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que "O princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade fica acautelado na interpretação (...) que tem subjacente o entendimento de que a pessoa afetada pela qualificação deve ser condenada a indemnizar os credores do insolvente pela diferença que existe entre aquilo que cada um deles recebe em pagamento pelas forças da massa insolvente, após liquidação, e o valor do seu crédito, não podendo a indemnização ser superior ao valor do prejuízo causado à massa com a prática dos factos fundamentadores da qualificação. concluindo ainda que "(...) não ocorre qualquer inconstitucionalidade, sendo que, como resulta da decisão recorrida, a quantia indemnizatória há-de apurar-se em incidente de liquidação."

11. O Recorrente interpôs ainda recurso de revista excecional, nos termos do disposto nos artigos 671.º, n.º 3, 672.º, n.º 1, al. c) do CPC aplicável ex vi artigo 17.º, n.º 1 do CIRE, por considerar que o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa encontra-se em contradição com outros Acórdãos proferidos e transitados em julgado.

12. Não obstante, o recurso interposto foi rejeitado pela Formação nos termos do n.º 3 do artigo 672.º do CPC, por ser entender que os Acórdãos fundamento correspondem a situações diferentes ao Acórdão recorrido e que, em virtude de relegar a decisão de liquidação para momento ulterior de acordo com o artigo 230.º do CIRE, encontra-se ainda em aberto a ponderação concreta a ter lugar em incidente de liquidação.

13. O Acórdão proferido pela Formação do Supremo Tribunal de Justiça não admite recurso, conforme resulta do n.º 4 do artigo 672.º do CPC, pelo que a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância já não admite recurso ordinário (n.º 2 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro).

14. O Recorrente discorda frontalmente de tal entendimento, peticionando, nesta sede, que seja considerada inconstitucional a interpretação segundo a qual se considera que não existe violação do princípio da proporcionalidade a condenação do afetado pela qualificação da insolvência como culposa das inibições constantes do artigo 189.º, n.º 2, alíneas b) e c) do CIRE, sem que a decisão justifique/fundamente devidamente a aplicação de tal "moldura" de inibição, bem como a condenação no pagamento de uma indemnização aos credores da insolvente, sem que a mesma seja restrita ou limitada aos credores efetivamente prejudicados com os factos que fundamentam a qualificação da insolvência como culposa, no montante dos créditos não satisfeitos a tais credores, isto é, que a condenação tenha como limite superior o valor do prejuízo causado à massa insolvente com os factos praticados que fundamentam a qualificação da insolvência como culposa, e que in casu seria o prejuízo causado aos credores da insolvente B. detentores de créditos laborais que beneficiavam de privilégio imobiliário especial sobre os imóveis da insolvente objeto de dação em pagamento ao C. nos termos do artigo 333 º, n.ºs 1, al. b) e 2, al. b) do Código de Trabalho, de acordo com as disposições conjugadas do artigos 2.º e 18.º, n.º 2 da CRP.

15. Assim, considera o Recorrente que se encontram verificados os requisitos de que a Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, faz depender os recursos das decisões negativas de inconstitucionalidade, nos termos da alínea b) do n.º 1 do seu artigo 70.º.

16. Peticiona-se que seja considerada inconstitucional a interpretação segundo a qual se considera de acordo com o princípio da proporcionalidade constante do 18.º, n.º 2 da CRP a condenação do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT