Acórdão nº 41/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 41/2023

Processo n.º 1051/2022

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 11 de outubro de 2022, que julgou improcedente a apelação interposta pelo aqui recorrente, mantendo, assim, a decisão de indeferimento liminar da oposição mediante embargos e oposição à penhora que o ora recorrente deduziu por apenso à execução movida pelo Ministério Público, para pagamento coercivo de uma coima única no valor de 520.000,00€, que foi condenado judicialmente a pagar.

2. Através da Decisão Sumária n.º 706/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«[…]

3. Incidindo sobre o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 11 de outubro de 2022, o recurso interposto no âmbito dos presentes autos funda-se na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, norma segundo a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) [q]ue apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Conforme reiteradamente afirmado por este Tribunal, os recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, não obstante incidirem sobre decisões dos tribunais, apenas podem visar a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas e não, sequer também, das decisões judiciais em si mesmo consideradas, ou dos termos em que nestas haja sido levada a cabo a concreta aplicação dos preceitos de direito infraconstitucional (v. Acórdãos n.º 466/2016 e 469/2016). Quer isto significar que, contrariamente ao que sucede com as figuras do recurso de amparo e da queixa constitucional, o acesso à jurisdição constitucional no âmbito da fiscalização concreta, tal como perspetivado no artigo 280.º da Constituição, não se destina à sindicância «da possível e direta violação de direitos fundamentais, especificamente tutelados pela Constituição, por concretos atos ou decisões, “máxime” do poder jurisdicional» (v. Carlos Lopes do Rego, Os recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra: Almedina, 2010, p. 26).

4. Segundo se extrai do requerimento de interposição do recurso, o recorrente, sob a epígrafe […] «Enquadramento sintético da questão», elencou um conjunto de argumentos pelos quais procura demonstrar que as instâncias não decidiram bem ao considerarem admissível o indeferimento liminar dos embargos à execução e oposição à penhora, evidenciando a sua discordância em relação à decisão judicial a cujo trânsito se atentou para efeito de contagem da prescrição. Os vícios que o recorrente pretende ver reconhecidos são atribuídos diretamente à decisão recorrida (e também à decisão de primeira instância), relevando exclusivamente da crítica ao juízo decisório formulado pelo Tribunal a quo no estrito plano da aplicação do direito ordinário.

Sucede que, por força do caráter estritamente normativo do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, encontra-se vedada a este Tribunal a apreciação dos concretos atos de julgamento expressos nas decisões dos outros órgãos jurisdicionais, ainda que questionados na perspetiva da sua conformidade a regras e princípios constitucionais (v. Decisão Sumária n.º 23/2017). Nestes termos, o objeto do recurso nos presentes autos interposto é manifestamente inidóneo, o que obsta à respetiva admissibilidade.

5. Acresce que a suscitação da questão de inconstitucionalidade, conforme decorre do n.º 2 do artigo 72.º, da LTC, carece de ser feita «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer». Para além de vincular o recorrente à antecipação da questão de constitucionalidade, exigindo-lhe que a defina antes de esgotado o poder jurisdicional da instância recorrida, o requisito da suscitação atempada tem uma evidente dimensão formal, impondo ao recorrente um ónus de delimitação e especificação, perante o tribunal a quo, do objeto do recurso. Isto é, a identificação da norma que entende conflituar com a Constituição, individualizando de forma clara o preceito ou preceitosarco legal ou bloco normativo — que a suportam, e, quando esteja em causa a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação, enunciando «esse sentido (dimensão normativa)» «de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão, em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito, ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, desse modo, afrontar a Constituição» (v., o Acórdão n.º 367/1994). Só assim se poderá considerar que a questão de constitucionalidade foi suscitada «de modo processualmente adequado» perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.

O recorrente refere no requerimento que suscitou, nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Lisboa, a questão de inconstitucionalidade que pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional. E que o fez nos seguintes termos: «[d]e igual modo ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo procedeu a uma aplicação da norma constante da alínea c) do n.º 1, ao artigo 732 do CPC, que a torna inconstitucional, por violação do disposto, nomeadamente, nos artigos 20 (n.º 1) e 32 (n.º 10). Com efeito, mediante esta decisão, o Tribunal a quo ceifou, salvo o devido respeito, de uma forma precoce e ilegal, o direito do Recorrente a ver decidido o fundamento da sua pretensão».

Conforme resulta da alegação sinalizada pelo recorrente, este não identificou perante o Tribunal a quo qualquer norma cuja aplicação devesse ser recusada com fundamento em inconstitucionalidade. A violação da Constituição foi, ao invés, imputada diretamente ao julgamento levado a cabo pelo Tribunal então recorrido, por “ceifar” «de uma forma precoce e ilegal, o direito do Recorrente a ver decidido o fundamento da sua pretensão», o que não corresponde à suscitação processualmente adequada de uma questão de constitucionalidade normativa, única suscetível de constituir objeto de um ulterior recurso para este Tribunal.

Não tendo sido identificado perante o Tribunal recorrido qualquer enunciado normativo suscetível de vir a constituir objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade, este também não pode ser admitido por insuprível inobservância do ónus imposto pelos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, ambos da LTC.

Justifica-se, assim, a prolação da presente decisão sumária, sabido, como é, que o despacho que admite o recurso não é vinculativo para este Tribunal (cf. artigo 76.º, n.º 3, da LTC)».

3. Inconformado com tal decisão, o recorrente reclamou para a Conferência, invocando para o efeito o seguinte:

«A., que é recorrente nos autos com processo à margem referenciado, tendo sido notificado do teor da decisão sumária n.° 706/2022, proferida pelo Senhora Conselheira Relatora nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 78-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), vem apresentar reclamação para a conferência, em conformidade com o disposto no n.° 3 do mesmo artigo, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

Nota de enquadramento:

A decisão sumária agora reclamada foi tomada na sequência do recurso interposto pelo Recorrente do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (ACÓRDÃO), de 11 de outubro de 2022, que julgou improcedente a apelação interposta também pelo agora recorrente, mantendo a decisão de indeferimento liminar da oposição mediante embargos e oposição à penhora, que aquele deduzira em tempo oportuno.

O recurso então interposto pelo Recorrente teve a seguinte fundamentação.

Por decisão de 16 de março de 2022 o Tribunal de Primeira Instância indeferiu liminarmente a oposição à execução mediante embargos de executado e a oposição à penhora oportunamente apresentados pelo agora Recorrente, por as ter considerado manifestamente improcedentes nos termos do disposto no artigo 732.°/1/c) do CPC.

Para o efeito, o Tribunal a quo considerou, em termos sumários, que:

a) A invocação na oposição deduzida face à execução e como seu fundamento, da prescrição da coima, ocorrida em 22.06.2020, enquanto facto extintivo da obrigação exequenda, ex vi artigo 729.°/g) do CPC, não procede, por não se mostrar esgotado o referido prazo de prescrição da coima aplicável, que é de cinco anos, nos termos do disposto no artigo 418.°/5 do Código dos Valores Mobiliários (doravante "CdVM");

b) O início da contagem do prazo prescricional em apreço e aqui relevante, deverá situar-se em 05 de novembro de 2020, data que foi a do trânsito em julgado da sentença de 08.06.2018 (fls. 44506 a 44858, Vol. 127 dos autos principais), decisão essa que, em cúmulo jurídico das três coimas parcelares a que fora sentenciado, condenou o Recorrente na coima única, ora executada, de €520.000,00 (quinhentos e vinte mil euros). Por isso o prazo de prescrição em apreço (5 anos) ainda não havia decorrido à data da penhora efetuada nestes autos (ou seja em 31 de janeiro do corrente), interrompendo-se, ademais, com esta diligência, nos termos do disposto no artigo 30.°-A/1 do Regime Geral das Contraordenações e Coimas (doravante "RGCO"); c) De acordo com a decisão recorrida é nítida a inexistência do facto extintivo da obrigação exequenda, tal como alegado pelo Recorrente, sendo que a pretensão deste nunca poderá proceder por "não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT