Acórdão nº 42/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 42/2023

Processo n.º 1059/2022

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério da Administração Interna - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 27 de maio de 2022.

2. Através da Decisão Sumária n.º 715/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A, n.º 1 da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«[…]

4. O recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos funda-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tendo por objeto os «arts. 14.º, 16. º, n.º 1, 17. º, 18. º, n.º 1, 24. º, 29. º, 33. º, 33. º-B, 37. º, 43. º, 49. º, n.º 1, als. a) e f) e n.º 7, e 66.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06», « [n]a interpretação conjugada que lhes foi dada, no sentido de que: Se considera assegurado o acesso ao direito (e, designadamente, o acesso a informação sobre direitos e deveres, como o direito ao apoio e assistência jurídica gratuitos) a um Requerente de asilo analfabeto, que apenas fala o seu dialeto indígena local (ganês), que não sabe falar, ler nem escrever claramente em português (nem em nenhuma outra língua estrangeira), não tendo sido assistido em nenhuma fase do procedimento administrativo nem por advogado nem por jurista (ou outro colaborador) do Conselho Português para os Refugiados (CPR); pela mera presença de intérprete de inglês, sem a identificação do mesmo, a confirmação do seu nível de conhecimento da língua, nem a prestação de qualquer compromisso de honra nos termos legais; pela mera assinatura de documentos pelo Requerente, redigidos em português, designadamente de uma suposta "declaração" de que não tem advogado e de que a entrevista pode, ainda assim, prosseguir».

De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 70.º da LTC, os recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo da alínea b) do respetivo n.º 1 apenas cabem de «decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência».

Conforme reiteradamente afirmado na jurisprudência deste Tribunal, a exigência de exaustão dos recursos ordinários associa a sua razão de ser à natureza hierarquizada do sistema judiciário e à possibilidade de reação facultada no interior de cada ordem jurisdicional, com a mesma se tendo pretendido assegurar que o Tribunal Constitucional seja somente chamado a reapreciar, no âmbito da fiscalização concreta, «as questões de constitucionalidade abordadas em decisões judiciais que constituam a última palavra dentro da ordem jurisdicional a que pertence o tribunal que proferiu a decisão recorrida» (v. o Acórdão n.º 489/2015).

Mesmo antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, sempre se entendeu que o conceito de recurso ordinário tem, no n.º 2 do artigo 70.º da LTC, uma «amplíssima significação» (v. o Acórdão n.º 2/1987), abrangendo todos os meios impugnatórios facultados pela lei processual aplicável ao processo-base, desde que efetivamente previstos ou admitidos na respetiva lei do processo e suscetíveis, por isso, de obstar ao trânsito em julgado da decisão que aplicou a norma que o recorrente pretende sindicar no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade — aqui se incluindo a arguição de nulidades, como resulta da jurisprudência constante deste Tribunal, (v. os Acórdãos n.ºs 476/2014, 620/2014, 732/2014 e 287/2015).

5. A decisão recorrida para o Tribunal Constitucional é o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 27 de maio de 2022, que concedeu provimento ao recurso interposto pelo ora recorrido, revogando a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e julgando improcedente a ação administrativa proposta pelo aqui recorrente, na qual este peticionara, nomeadamente, a anulação da decisão do Diretor Nacional Adjunto do SEF, de 11 de novembro de 2021, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional, ordenando a sua transferência para Itália.

Conforme relatado supra, o recorrente arguiu a nulidade do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte em 14 de junho de 2022. Três dias depois ¾ em 17 de junho de 2022 — interpôs desse acórdão recurso para o Tribunal Constitucional e, decorridos mais três dias ¾ em 20 de junho de 2022 ¾, recorreu do mesmo aresto para o Supremo Tribunal Administrativo («STA»), nos termos e ao abrigo do artigo 150.º do CPTA. Subsequentemente, o Tribunal Central Administrativo Norte, por acórdão de 1 de julho de 2022, rejeitou conhecer das nulidades suscitadas, considerando que, sendo admissível recurso da decisão, e tendo este inclusive sido interposto, tais vícios deveriam ser suscitados e apreciados no âmbito do mesmo. Posteriormente, em 8 de setembro de 2022, a formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo do STA acordou não admitir o recurso de revista.

É, assim, a todos os títulos manifesto que, no momento em que o recurso de constitucionalidade foi interposto, a decisão recorrida não constituía, na ordem jurisdicional em que se insere o Tribunal recorrido, o pronunciamento final sobre a matéria a que respeitam as questões de constitucionalidade enunciadas pelo recorrente.

5.1. Desde logo, anteriormente, o recorrente tinha imputado diversas nulidades ao acórdão recorrido, vícios que só após a interposição do recurso de constitucionalidade o Tribunal Central Administrativo Norte decidiu não conhecer, por entender deverem ser arguidas no recurso já então interposto para o STA. Tribunal este que, na decisão de 8 de setembro de 2022, proferida pela formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso, notou não «descortina[r] nulidades de decisão, nem erros lógicos ou jurídicos manifestos, dado [o] discurso e segmento decisor mostrarem-se, no seu essencial, fundamentados numa interpretação coerente e razoável das regras e direito aplicáveis e invocado».

Ora, de acordo com a orientação dominante na jurisprudência constitucional, o momento relevante para a apreciação dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade é o da respetiva interposição, pelo que, arguida a nulidade da decisão recorrida com base em fundamentos incindíveis das questões que integram o objeto deste, tal recurso não pode ser admitido pelo facto de, naquele momento, a decisão recorrida para o Tribunal Constitucional não constituir ainda, na ordem dos tribunais comuns, uma decisão definitiva, no sentido pressuposto pelo n.º 2 do artigo 70.º da LTC (neste sentido, v., entre outros, os Acórdãos n.ºs 534/2004, 24/2006, 286/2008, 331/2008, 377/2011, 117/2012, 426/2013, 620/2014, 735/2014 e 622/2017; em sentido contrário, v. os Acórdãos n.ºs 329/2015 e 811/2021).

À face de tal orientação, a conclusão de que o presente recurso é inadmissível resultará da própria alegação que serviu de base à arguição das nulidades, da qual resulta que a eventual procedência deste incidente pós-decisório implicaria que o acórdão recorrido deixasse de constituir a última palavra da ordem jurisdicional respetiva sobre a matéria a que respeitam as questões de constitucionalidade enunciadas no requerimento de interposição. O que, à face da orientação jurisprudencial dominante, torna o presente recurso processualmente inadmissível.

É certo que, no momento em que o recurso de constitucionalidade foi admitido pelo Tribunal a quo, o incidente pós-decisório deduzido pelo recorrente já havia sido apreciado. Tal circunstância é insuscetível, porém, de afetar a conclusão de que o recurso de constitucionalidade é legalmente inadmissível, se se entender, como aqui se faz, que o momento relevante para a apreciação dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade é o da respetiva interposição e não o da sua admissão pelo tribunal a quo.

Como se escreveu no Acórdão n.º 735/2014:

«A existência dos pressupostos de admissibilidade do recurso deve ser aferida à data da respetiva interposição, não sendo admissível, nem justo, que os requerimentos de interposição de recurso sejam distinguidos em função de uma álea quanto ao tempo de resolução das pretensões deduzidas pelos recorrentes. Dito de outro modo, não seria...

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