Acórdão nº 22/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. José Eduardo Figueiredo Dias
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 22/2023

Processo n.º 559/2022

2.ª Secção

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante LTC), da decisão proferida, em 29 de março de 2022, pela Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa que indeferiu a reclamação apresentada contra o despacho proferido pelo Juízo Local Criminal de Santa Cruz, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, que não admitiu, por extemporâneo, o recurso interposto pelo ora recorrente da sentença condenatória proferida por este este tribunal; e bem assim do despacho da Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28 de abril de 2022, que indeferiu a pretensão do ora recorrente de ver recair sobre a decisão da reclamação uma decisão colegial.

2. Pela Decisão Sumária n.º 732/2022, decidiu-se, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer do objeto do recurso interposto, pelos seguintes motivos:

«3. O recurso interposto no âmbito dos presentes autos funda-se na previsão das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

O recurso para o Tribunal Constitucional interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC é aquele que cabe das decisões dos tribunais que «recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade.».

Verifica-se, todavia, que o Tribunal da Relação de Lisboa, não recusou, em nenhuma das decisões recorridas, a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade, o que obsta ao conhecimento do objeto do recurso (cfr. artigo 78.º-A da LTC), nesta parte.

Resta, assim, apreciar o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

4. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

Nestes termos, cabe discernir se, no presente caso, se verificam os requisitos enunciados. Faltando um destes, o Tribunal não pode conhecer do recurso, ainda que este tenha sido admitido pelo tribunal a quo. Conforme resulta do n.º 3 do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, pelo que se deve antes de mais apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade. Caso o Relator verifique que algum deles não se encontra preenchido, proferirá decisão sumária de não conhecimento, consoante o n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

5. Estando em causa duas decisões recorridas, a apreciação relativa ao preenchimento dos pressupostos de admissibilidade será feita por referência a ambas, adiantando-se, desde já, que ambas padecem das mesmas deficiências.

Com efeito, analisado o recurso interposto, cumpre referir, em primeiro lugar, que no requerimento de interposição de recurso, o recorrente, quer quanto à decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 29 de março de 2022, quer quanto ao despacho do mesmo Tribunal de 28 de abril de 2022, não enunciou qualquer critério normativo que pudesse constituir objeto idóneo do presente recurso. Na verdade, resulta expressamente do teor da referida peça processual que o recorrente, para além do enquadramento processual que faz das decisões recorridas e bem assim da exposição quanto ao sentido decisório que entende ser o correto, face ao modo próprio como interpreta o direito aplicável ao concreto caso, limita-se a imputar às próprias decisões recorridas as inconstitucionalidades que invoca, mobilizando as concretas características que assaca à decisão.

Concretamente, quanto à primeira decisão, invoca que «a primeira decisão da Venerando Presidente do Tribunal da Relação ou seja o Despacho que indeferiu a Reclamação apresentada pelo ora recorrente contra a retenção do recurso apresentado da sentença condenatória por ter sido entendido que foi extemporâneo ao confirmar a extemporaneidade do recurso apresentado constitui uma decisão que viola preceitos constitucionais», acrescentando, mais adiante, que «[o] entendimento vertido na decisão singular viola o direito efetivo ao recurso e as garantias de defesa do arguido, contrariando assim as disposições conjugadas dos artigos 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e a citada disposição da Convenção Europeia dos direitos do Homem, como se invocou na reclamação apresentada.».

Por seu turno, quanto à segunda decisão recorrida, argumenta que «[o] primeiro Despacho ao ter interpretado que a norma do artigo 405º n.º 4 do CPP impede a reclamação para a conferência, ou seja considera inapelável a decisão singular do Juiz Presidente do Tribunal de indeferimento para o qual se reclamou contra a retenção de um recurso mesmo quando essa decisão não se tenha pronunciado ou não se tenha fundamentado quanto a todos motivos da reclamação apresentada, constitui uma inconstitucionalidade por violação do que dispõem os artigos 20º nº 1 e 4 , 32º n.º 1 e 3 , 205º n.º 1, da Constituição da Republica.».

Sucede que, no âmbito do recurso de constitucionalidade, cabe apenas, como se sabe, o escrutínio da constitucionalidade de normas e não de quaisquer outras operações, designadamente o modo como o tribunal recorrido interpretou ou aplicou o direito infraconstitucional.

O sistema português de fiscalização da constitucionalidade confere ao Tribunal Constitucional competência para exercer um controlo de constitucionalidade de natureza estritamente normativa – que exclui a apreciação da constitucionalidade de decisões, incluindo as decisões administrativas e judiciais – sob pena de inadmissibilidade.

Como se afirma no Acórdão n.º 526/98 deste Tribunal, «[a]competência para apreciar a constitucionalidade das decisões judiciais, consideradas em si mesmas - que é própria de sistemas que consagram o recurso de amparo - não a detém, entre nós, o Tribunal Constitucional.».

Nesta conformidade, o recorrente visa a sindicância das decisões jurisdicionais concretas, na vertente de interpretação e aplicação do direito infraconstitucional e de apreciação casuística – dimensões que se encontram, legal e constitucionalmente, subtraídas à esfera de competências do Tribunal Constitucional.

Em suma, o recorrente insurge-se contra os particulares sentidos decisórios e não verdadeiramente contra uma qualquer conceção normativa que lhes subjaza.

A este propósito, pode ler-se, no Acórdão n.º 633/08 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), o seguinte:

«(…) sendo o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação direta de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correção do juízo subsuntivo).

Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de “aplicação” a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efetuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida (…)».

Deste modo, afigura-se evidente que esta matéria se enquadra no âmbito de competências dos tribunais comuns...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT