Acórdão nº 0131/21.3BEBJA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional pela sociedade comercial “S..., S.A.”, melhor identificada nos autos, visando a revogação da sentença de 04-04-2022, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que não concedeu provimento ao recurso das decisões proferidas pelo Chefe do Serviço de Finanças de Estremoz, e que a condenou em coimas nos processos de contraordenação com os números 09062020060000018947 e 09062020060000013805, por falta da apresentação do documento que titulava a mercadoria transportada.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente “S..., S.A.”, as seguintes conclusões: 1. Contrariamente ao que refere o Tribunal recorrido, a recorrente cumpriu com todas as suas obrigações legais, tendo emitido as guias de transporte antes de efetuar o transporte de mercadorias em causa, e apresentou esses documentos no ato de fiscalização, não tendo, assim, cometido qualquer infração, QUE, POR ISSO, NÃO ACEITA.

  1. O Tribunal recorrido, dando como certo que a recorrente, de acordo com as suas alegações e defesas apresentadas, em ambas as situações referiu ter apresentado o documento de transporte de bens, considerou ter ficado demonstrado que a fiscalização a cargo da GNR apurou que tal não acontecia, e, uma vez que o Auto de Notícia faz fé em juízo até prova em contrário, entendeu que a infração teria efetivamente sido cometida (invocando para o efeito de fé pública dessa prova, o Ac. da RE proferido no âmbito do processo n.º 467/13.7TBLGS.E1).

  2. Ignorou o Tribunal recorrido, que, impediu a recorrente de demonstrar esta factualidade através de uma decisão “peregrina” de considerar que era inútil a inquirição de quem não era o motorista interveniente na prática dos factos. Ou seja, o Tribunal recorrido ignorou qualquer testemunha que não fosse o motorista, independentemente da testemunha apresentada ser o respetivo superior hierárquico que lhe deu instruções rigorosas sobre a circulação de mercadorias, designadamente que nenhuma viatura poderia sair das instalações da empresa sem que primeiro lhe fosse entregue a guia de transporte dos bens que iria transportar….

  3. V. Ex.as, Venerandos Desembargadores, dirão certamente, mas essa decisão “peregrina” não foi impugnada……Certo, não foi, pois, o efeito útil seria um rotundo ZERO (0), sabido, como é sabido, que o Tribunal recorrido dispunha do poder de decidir daquela forma! 5. Acontece que, ainda que assim não fosse, SEMPRE o Tribunal recorrido deveria ter considerado que a nova redação do art.º 32.º A do RGIT, veio, justamente, a dispensar a regularização da situação tributária, nas situações em que a mesma já não seja possível! 6. Nestas situações, e atendendo à nova redação do art.º 29.º n.º 2 do mesmo RGIT, a dispensa de coima passa a estar dependente, apenas, de a infração não causar prejuízo efetivo à receita tributária.

  4. Ora, a falta de emissão de documento de transporte, ou a falta de acompanhamento da mercadoria em circulação do documento, eventualmente, emitido, nenhum prejuízo, efetivo, pode causar à receita tributária, da mesma forma que o cumprimento dessas obrigações não causa qualquer incremento direto para a receita tributária.

  5. Veja-se, por exemplo, que os bens podem sair das instalações do sujeito passivo com destino a um ou a vários clientes, ou, como se disse já, com destino a ser incorporados numa obra, e não chegarem a ser transmitidos nem incorporados nessa obra, regressando, intactos, ao seu local de origem.

  6. Numa situação como esta, os bens circularam em infração ao regime dos bens em circulação por não serem acompanhados dos documentos de transporte, mas não deram origem a nenhuma operação tributável em sede de IVA ou em sede de impostos sobre o rendimento, ou mesmo, em sede de qualquer outro imposto.

  7. Assim, mesmo que tivesse sido infringida uma obrigação, e apesar dessa obrigação se destinar a aumentar a eficácia do controlo das obrigações principais do sujeito passivo do IVA, essa infração não provocou por si só nenhuma quebra de receitas tributárias.

  8. Também isso se verifica nos dois processos de contraordenação em apreço! 12. A recorrente poderá ter cometido duas infrações ao disposto no regime de bens em circulação, as quais são insuscetíveis de regularização, mas são também insuscetíveis de causar prejuízo efetivo à receita tributária! 13. Estaria por isso verificado o único requisito exigido para a dispensa de coima, nos termos do atual art.º 29.º n.º 2 a) do RGIT, uma vez que o que se encontra previsto na alínea b) do mesmo artigo se encontra afastado, nos termos do art.º 32.º A do mesmo diploma, dado estarem em faltas em que a não é possível a regularização da situação tributária.

  9. Mas sucede também que, tanto em abstrato como em concreto, o regime da dispensa de coima introduzido pela Lei 7/2021, de 26 de fevereiro, é mais favorável do que aquele que se encontrava previsto anteriormente no art.º 32.º do RGIT.

    Desde logo, pelo número de requisitos exigidos, que agora passam a dois, e, em situações como a dos autos, poderão passar a um, em virtude da impossibilidade de regularização da situação.

  10. Além disso, a lei prescinde daquele que poderia ser o requisito de maior dificuldade de verificação, sobretudo numa situação como a dos autos, em que dada a frequência com que faz circular bens cuja transmissão se encontra sujeita a IVA, e dada a sua organização era exigível à recorrente que cumprisse todas as obrigações previstas no CIVA e no RBC.

  11. Por outro lado, ao passo que o anterior artigo 32.º do RGIT conferia alguma margem de liberdade da Administração e do próprio tribunal na ponderação e na apreciação da adequação da dispensa de coima às finalidades de prevenção subjacentes à previsão daqueles comportamentos como contraordenação, ao prever que a coima podia não ser aplicada, a atual redação do art.º 29.º n.º 2 do RGIT determina, sem qualquer margem de livre apreciação que, uma vez verificados os requisitos previstos nas suas alínea a) e b), ou, tal como se explicou, apenas na a), não é aplicada coima.

  12. O atual regime é, pois, claramente mais favorável à recorrente. Ora, como se determina no art.º 3.º n.º 2 do RGCO, subsidiariamente aplicável ao RGIT, que quando a lei vigente à data da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á aquela que for mais favorável ao arguido, salvo quando a decisão condenatória tenha transitado em julgado e já tenha sido executada.

  13. Neste quadro, e ainda que alguma das infrações em causa tenha efetivamente sido cometida, e por ela a recorrente devesse ser condenada, as coimas respetivas terão que ser dispensadas.

  14. Ao assim não considerar, não concedendo provimento ao recurso, errou o Tribunal recorrido, violando o que ora se dispõe no art.º 29 da nova redação conferida à Lei 7/2021, de 26 de fevereiro, pelo que, a sua sentença é NULA.

  15. Por fim, mas não menos importante, a recorrente também não foi condenada por decisão transitada em julgado nos últimos cinco anos em processo de contraordenação ou por infração tributária! 21. O que significa que, a sociedade arguida deveria ter sido dispensada da aplicação de qualquer coima.

    Nestes termos, nos demais de Direito que V. Ex.ª doutamente suprirão, deverá o presente recurso proceder por provado, ser anulada a sentença recorrida e a recorrente dispensada de aplicação de qualquer coima.

    Só assim, Venerandos Desembargadores, será feita...

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