Acórdão nº 01965/04.9BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Fevereiro de 2023
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 08 de Fevereiro de 2023 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 1965/04.9BEPRT Recorrente: “M... S.A.” Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada, inconformada com o acórdão de 5 de Novembro de 2020, complementado pelo acórdão de 15 de Abril de 2021, do Tribunal Central Administrativo Norte – que, negando provimento ao recurso por ela interposto, manteve a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação judicial contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) respeitante ao ano de 2000 –, dele recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, mediante a invocação do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando a respectiva motivação, com conclusões do seguinte teor: «1. Segundo o douto Acórdão recorrido (sumário), “II – 2. Inexistindo, na contabilidade da Recorrente, facturas ou documentos equivalentes (nos termos do artigo 35.º n.º 5 do CIVA, na versão aplicável) com menção de IVA por ela pago ou devido a terceiro em determinado período, não podia haver lugar à dedução, pela Recorrente, de IVA a pagar, ou reporte de IVA a haver, ainda que tal inexistência se devesse a um lapso que consistiu em as facturas quejandas terem transitado, na execução de um negócio de cisão-fusão entre sociedades comerciais do mesmo grupo, não para o balanço da recorrente, nascida daquele negócio, como era intenção das partes, mas para o balanço de outra sociedade, também nascida do mesmo negócio, e fosse intenção de ambas as empresas repararem o tal lapso.
”.
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Para assim concluir, o douto Acórdão em apreço parte do pressuposto (designadamente a fls. 25) que as facturas cujo IVA dedutível está em discussão não foram emitidas em nome e NIF da Recorrente.
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Ora, essa asserção/pressuposto, que influencia indelevelmente o sentido decisório, padece, salvo o devido respeito, de lapso manifesto – como é patente em face dos sinais dos autos.
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Como bem se afirma no douto Acórdão recorrido, as facturas em questão, não impugnadas pela FP, foram juntas aos autos pela Recorrente em sede de inquirição de testemunhas – como resulta dos sinais dos autos, designadamente da acta de inquirição de testemunhas.
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Por isso, como também bem julgou o douto Acórdão recorrido, foi aditado à matéria de facto provada, com o n.º 22, que “Durante 1999 foram emitidas à então “A..., S.A.” as facturas e nota de débito cujas cópias integram fs. 161 a 189 e 191 a fs. 207 dos autos em papel, relativas a serviços de projectos e obras de construção em seus imóveis (hipermercados) situados em Faro, Paredes e Olhão (…).
”.
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Segundo o douto Acórdão recorrido, “Este facto está documentalmente provado pelas fotocópias que formam as sobreditas folhas do processo, juntas aquando da inquirição de testemunhas a pedido da recorrente, sem oposição da Fazenda Pública e não impugnadas enquanto documento.
”.
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Tendo aqueles imóveis permanecido na titularidade da Recorrente, conforme resulta dos sinais dos autos.
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Ora, e é aqui que reside o lapso manifesto, que influencia decisivamente o julgamento final: aquela “A..., SA” é simplesmente a anterior designação da Recorrente/Recorrente, 9. conforme se retira de forma evidente dos sinais dos autos, designadamente do projecto de cisão-fusão junto aos autos com as alegações pré-sentenciais e do facto do NIF ser sempre o mesmo, ...59.
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Aliás, que a “A..., SA”, NIF ..., alterou a sua firma/designação para “M... SA”, NIF ..., é inclusivamente matéria do conhecimento oficioso da AT (cfr. artigo 74.º n.º 2 da LGT) – resultando certamente do PA.
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Essa mera alteração de firma/designação, mantendo-se precisamente a mesma sociedade/entidade jurídica, operou-se no âmbito daquela cisão-fusão, como resulta do respectivo projecto de cisão-fusão (cfr. artigo 124.º n.º 1 b) do CSC), 12. precisamente porque a “A..., SA”, deixou desde então de exercer a actividade retalhista (exploração de supermercados/hipermercados) – que passou para a “B..., SA” (B...), por via da cisão/fusão –, 13. passando, desde então, a ter por objecto e actividade a actividade imobiliária, pelo que alterou, concomitantemente, a sua designação para “M... SA” – tratando-se, contudo, de uma e a mesma sociedade.
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Tudo conforme resulta do sobredito projecto de cisão-fusão, também ele não impugnado pela FP.
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As facturas em questão, acima referidas, foram emitidas em nome da A..., SA, porque, naturalmente, à data, esta ainda tinha essa designação.
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Simplesmente, entretanto, no âmbito da cisão-fusão, a firma da “A..., SA”, foi alterada para “M... SA”.
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Por conseguinte, ao contrário do pressuposto no douto Acórdão, as facturas cujo IVA dedutível está em discussão foram emitidas em nome (à data das mesmas) e NIF da Recorrente.
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Como é notório e resulta dos sinais dos autos, essas facturas integravam e sempre integraram a contabilidade da Recorrente.
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O que, por lapso, transitou indevidamente para a B... (no âmbito da cisão-fusão em questão e a par de muitos outros saldos contabilísticos), foi um mero saldo contabilístico – parte do saldo de uma subconta “268 – Devedores e Credores Diversos”, de IVA a recuperar/deduzir perante o Estado, relativo a IVA suportado em obras de construção dos sobreditos imóveis de Faro, Paredes e Olhão, 20. e que as partes procuraram repor na esfera da Recorrente, por respeitar a esta e não à B... – já que relacionado com imóveis que permaneceram na titularidade da Recorrente.
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Com efeito, como resulta, designadamente, do relatório inspectivo, o que se passou foi simplesmente que as partes acordaram rectificar o dito erro contabilístico mediante operações contabilísticas internas, feitas em cada uma das duas sociedades – na B..., crédito da dita conta 268; na Recorrente débito da conta 268; em ambas as situações por contrapartida da conta 25 [“Accionistas (Sócios) – Empr. Grupo – O/ Operações”] e exactamente pelo mesmo valor.
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Com estes lançamentos contabilísticos internos, em cada sociedade, repôs-se a legalidade e o registo contabilístico do referido saldo de IVA a recuperar na esfera do ente jurídico de onde nunca deveria/poderia ter saído – a Recorrente.
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Com efeito, tratou-se do mero estorno contabilístico interno em cada sociedade, por forma a repor a situação inicial.
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Aquele lapso contabilístico inicial e a sua correcção são de todo inócuas – daí não decorreu qualquer imposto a favor do contribuinte ou do Estado, não tendo sido minimamente beliscados os interesses da Fazenda Pública.
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Como é notório e do senso comum, obviamente que as facturas em causa, relacionadas com a actividade imobiliária e não com a exploração de supermercados/hipermercados (cfr. 22. da factualidade provada), não “andaram” de um lado para o outro.
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Simplesmente, por lapso, o correspondente saldo contabilístico, porque relacionado com a actividade imobiliária, deveria ter permanecido na Recorrente – e não ter transitado para a B..., como se referiu.
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Como é óbvio/lógico, jamais teria transitado (erradamente) para a contabilidade da B... (no âmbito da cisão-fusão) o que quer que fosse se não constasse já da contabilidade da Recorrente.
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Não houve qualquer intenção ou passagem/trânsito do saldo de uma conta de IVA a recuperar da Recorrente para a B... ou desta para aquela, fosse antes da fusão, fosse depois.
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Muito pelo contrário, a intenção foi sempre que esse saldo contabilístico permanecesse na esfera da Recorrente.
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O que se passou foi simplesmente que as partes acordaram rectificar o dito erro contabilístico mediante operações contabilísticas internas, feitas em cada uma das duas sociedades.
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Com estes lançamentos contabilísticos internos, em cada uma das sociedades, repôs-se o registo contabilístico do referido saldo contabilístico de IVA a recuperar na esfera da contabilidade da Recorrente.
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Aliás, é sabido que em direito tributário vigora o princípio da indisponibilidade, ou seja, os créditos e obrigações tributárias dos agentes económicos não são susceptíveis de transmissão a terceiros (cfr. artigos 29.º e 30.º n.º 1 c) e n.º 2 da LGT).
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E se não era intenção das partes, tão pouco legalmente possível, transferir este saldo contabilístico da Recorrente para a B..., logicamente que não pode estar em causa a dedução de IVA importado da B...
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Anote-se ainda um princípio contabilístico fundamental – o princípio da prevalência da substância sobre a forma, segundo o qual "as operações devem ser contabilizadas atendendo à sua substância e à realidade financeira e não apenas à sua forma legal" (cfr. POC, aprovado pelo DL n.º 410/89, de 21/11, al. f) do capítulo 4 - Princípios Contabilísticos), 35. com plena aplicação no Direito Tributário, como decorre, designadamente, dos artigos 11.º n.º 3 e 38.º n.º 1 da LGT.
Atento este enquadramento, 36. NÃO SE PODE RECUSAR A UM CONTRIBUINTE, A RECORRENTE, O DIREITO DE DEDUZIR IVA DE FACTURAS EMITIDAS EM SEU NOME E NIF, COM TODOS OS FORMALISMOS LEGAIS.
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Quem nunca poderia deduzir este IVA era a B..., pois respeita, como se disse, a IVA LIQUIDADO EM FACTURAS EMITIDAS À RECORRENTE E A MAIS NINGUÉM.
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Com efeito, está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica, se reveste de importância fundamental, 39. designadamente por razões de certeza e segurança jurídica e para uma melhor aplicação do Direito (cfr. artigo 285.º n.º 1 do CPPT), 40. nomeadamente em razão da sua necessária uniformidade, atento o primado da unidade do sistema jurídico e da uniformidade das decisões judiciais, designadamente em relação às decisões do TJUE, dado tratar-se de imposto comunitário (IVA).
Vejamos: 41. O direito de dedução do IVA não pode ser prejudicado por razões meramente formais ou declarativas, conforme é Jurisprudência uniforme do TJUE, e mesmo dos Tribunais nacionais, designadamente deste Venerando STA.
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No mesmo sentido, o preâmbulo do CIVA, para além das disposições legais internas e...
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