Acórdão nº 0937/13.7BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO VERGUEIRO
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Processo n.º 937/13.7BESNT (Recurso Jurisdicional) Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO “Brisa - Auto-Estradas de Portugal, S.A.” e a Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificadas nos autos, inconformadas, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 31-03-2019, que julgou parcialmente procedente, na parte que respeita às correcções aos contratos de swap de taxa de inflação, mantendo-se quanto ao mais, a pretensão deduzida por “Brisa - Auto-Estradas de Portugal, S.A.” no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com o indeferimento do recurso Hierárquico por si deduzido contra o deferimento parcial de Reclamação Graciosa, apresentada contra a liquidação de retenção na fonte de IR nº 20116420001394, referente ao ano de 2008, no valor a pagar de € 3.726.320,41.

A Recorrente “Brisa - Auto-Estradas de Portugal, S.A.” formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…) A. Está em causa no presente recurso a caracterização e regime de tributação dos rendimentos provenientes de contratos de swap de taxa de juro, celebrados entre a ora Recorrente e instituições financeiras não residentes, com referência ao ano de 2008, à luz (i) das CDT celebradas por Portugal com o Reino Unido, a França e os Estados Unidos da América e (ii) do disposto no n.º 10 do artigo 5.º do Código do IRS, introduzido pela LOE 2008 e logo revogado pela LOE 2009.

  1. Entendeu o Tribunal a quo, na esteira do defendido pela AT, que os rendimentos dos swaps de taxa de juro em causa nos autos devem ser qualificados como Juros para efeitos das CDT aplicáveis, por força do n.º 10 do artigo 5.º do Código do IRS introduzido pela LOE 2008, sendo, por conseguinte, sujeitos a retenção na fonte à taxa de 20%.

  2. Os swaps de taxa de juro, sendo instrumentos financeiros derivados, caracterizam-se por constituir instrumentos de cobertura de risco que não importam uma troca efetiva de ativos financeiros, a qual é meramente hipotética (podendo, mesmo, não vir a ser geradora de qualquer rendimento), e não têm por base qualquer quantia financeira efetiva, visto que o valor que serve de base aos pagamentos é meramente nocional.

  3. Destas características dos swaps de taxa de juro resulta que os pagamentos emergentes destes não têm por base qualquer empréstimo ou, mesmo, transferência de capital, mas somente o mero risco subjacente ao contrato de swap.

  4. A quanto acresce que a própria natureza económica dos juros é absolutamente diversa da natureza económica dos rendimentos emergentes dos swaps de taxa de juro: se nos primeiros há lugar a um efetivo aumento de capacidade contributiva, já nos segundos, o valor líquido só pode ser determinado a final (visto que até então só existem pagamentos cruzados que podem não redundar em efetivo rendimento).

  5. Adicionalmente, existe nos swaps de taxa de juro um carácter aleatório que os distingue e afasta dos contratos de crédito, pois se nos swaps não é certo se vai ou não haver rendimento e de qual das partes será (visto que os pagamentos podem ser feitos por uma ou outra parte), já nos contratos de crédito os juros são certos para cada um dos contratantes.

  6. Assim, os rendimentos emergentes dos swaps de taxa de juro (como da generalidade dos derivados financeiros) não são de qualificar como Juros para efeitos das CDT, tal como reconhecido unanimemente pela doutrina a este respeito.

  7. Pelo contrário, devem os mesmos ser qualificados como “lucros das empresas” (artigo 7.º das CDT) ou como “outros rendimentos” (artigo 21.º das CDT), consoante a atividade exercida pela entidade beneficiária se enquadre no sector financeiro (como é o caso dos autos) ou não.

    I. Porém, a LOE para 2008 aditou o n.º 10 ao artigo 5.º do Código do IRS, através do qual se estabeleceu que “os rendimentos a que se refere a alínea q) [onde se incluem os swap de taxa de juro] do n.º 2 são, para todos os efeitos, assimilados a juros”.

  8. Por força desta alteração legislativa, a AT defende que os rendimentos emergentes de swaps de taxa de juro, os quais, anteriormente (e também a partir de 1 de janeiro de 2009), eram qualificados para efeitos de aplicação das CDT como “Outros rendimentos” ou “Lucros de Empresas”, deixam de assim ser qualificados para passarem a ser tratados como Juros durante 2008.

  9. Este entendimento (que foi seguido pelo Tribunal a quo), não merece provimento por ser contrário ao Direito Internacional e, por conseguinte, também inconstitucional por violação do disposto no artigo 8.º, n.º 1 e n.º 2 da CRP.

    L. Apesar de algumas CDT (como as aqui em causa) efetuarem uma remissão para a legislação interna na definição do conceito de Juros a que respeita o artigo 11.º das Convenções (solução entretanto abandonada pela Convenção Modelo da OCDE), tal remissão é restrita, impedindo a qualificação arbitrária dos rendimentos como Juros, conforme resulta da própria letra da norma convencional.

  10. Na verdade, a remissão só permite abranger rendimentos que, embora distintos dos Juros, sejam similares a estes, e a pedra de toque de tal similitude (o “elemento referencial da remissão”, como refere GUSTAVO LOPES COURINHA e ALBERTO XAVIER) é estarem em causa quantias dadas em empréstimo.

  11. Não há qualquer semelhança entre os pagamentos emergentes dos swaps (quaisquer, incluindo os de taxa de juro como os em apreço in casu) e os pagamentos de juros, pois que nos swaps, diferentemente do que sucede nos juros, não há empréstimo e nem há sequer capital.

  12. Assim, diferentemente do sustentado na sentença recorrida, poderá haver rendimento qualificados como “juros “que não se reconduzem a “rendimentos de quantias emprestadas”, mas só as realidades que se assemelhem a “rendimentos de quantias emprestadas” poderão ser qualificadas como juros para efeitos da remissão operada pelo n.º 3 do artigo 11.º da Convenção Modelo da OCDE de 1963 e pelos artigos 11.º, n.º 3 da CDT Portugal-Reino Unido, 12.º, n.º 3 da CDT Portugal-França e 11.º, n.º 5 da CDT Portugal-Estados Unidos.

  13. Deste modo, a qualificação dos rendimentos de Swaps como juros na legislação nacional portuguesa não produz quaisquer efeitos quanto à aplicação das CDT, incluindo aquelas que adotem a solução remissiva no artigo 11.º para a definição de tais rendimentos.

  14. Tal decorre, quer da natureza jurídica dos swaps, quer ainda da solução remissiva condicionada das CDT e do conceito de juros para efeitos de CDT, sendo este último, reforçado pelo texto dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE de 1963, pelo disposto no artigo 3.º, n.º 2 das CDT e pelos Comentários à Convenção Modelo EUA que, apesar de conterem a remissão para o direito interno, expressamente recusam essa qualificação aos rendimentos decorrentes de swaps, sendo estes Comentários diretamente aplicáveis, pelo menos, aos pagamentos efetuados pela Recorrente ao abrigo da CDT celebrada com os EUA em causa nos autos.

  15. Acresce que CDTs celebradas por Portugal com a Áustria, Finlândia, Noruega (1.ª Convenção) e Suíça, e apesar de dotadas de uma solução remissiva para a legislação interna do Estado da Fonte em tudo idêntica àquela aqui em análise, pode, apesar disso, ler-se (exclusivamente quanto a Portugal) que se consideram ainda como Juros as "importâncias atribuídas a título de indemnização pela suspensão ou redução da atividade".

  16. Conforme refere o doutamente GUSTAVO LOPES COURINHA, se o artigo 11.º de tais CDTs já previa a remissão para a legislação portuguesa, então não haveria razão para os negociadores convencionais a promoverem o aditamento expresso deste tipo de rendimento à redação remissiva das ditas Convenções, sendo certo que Portugal já negociou mais de uma dezena de convenções após 2008 sem que tal aditamento fosse incluído com respeito a swaps.

  17. Acresce que a reserva adotou face ao artigo 11.º da Convenção Modelo da OCDE de 1963 não permite, também, sustentar a inaplicabilidade dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE de 1963 ao caso em apreço, sob pena de se considerar que Portugal desconsiderava por completo a evolução interpretativa da Convenção (i.e.

    dos Comentários), a qual foi por si ratificada.

  18. Acresce que, na medida em que a interpretação que a AT fez do direito - in casu do n.º 10 do artigo 5.º do Código do IRS, introduzido pela LOE 2008 - e que subjazeu às correções que redundaram no ato de liquidação nesta sede posto em crise, atenta frontalmente contra as CDT, consubstanciando mesmo um caso de treaty override que não é admitido pela Constituição da República Portuguesa, é a mesma, não só ilegal, na medida em que as normas de direito internacional são de hierarquia superior às normas de direito interno ordinário, como inconstitucional, por violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 8.º da Lei Fundamental.

    V. Como refere GUSTAVO LOPES COURINHA, a alteração na lei fiscal que vigorou no ano fiscal de 2008 foi uma norma feita à perfeita medida dos interesses recaudatórios nacionais, tratando-se de um caso ainda mais grave por ser unidirecional, configurando “um caso académico de fraude à Convenção de Dupla Tributação”.

  19. Por último, ainda que se admitisse que o n.º 10 do artigo 5.º do Código do IRS podia, afinal, alterar a qualificação jurídica dos rendimentos em causa nos autos para efeitos das CDT (o que apenas se equaciona, sem conceder, por mero dever de patrocínio), o facto de aquela norma apenas ter vigorado durante um ano faz com que o resultado pretendido pela AT viole o disposto no artigo 31.º da Convenção de Viena Sobre o Direito dos Tratados.

    X. De quanto resulta que a interpretação do n.º 10 do artigo 5.º do Código do IRS na versão introduzida pela LOE 2008 no sentido de que os rendimentos emergentes de swaps de taxa de juro devem, por efeito unilateral da legislação ordinária interna, ser qualificados como Juros para efeitos das CDT celebradas por Portugal com o Reino Unido, a França e os Estados Unidos da América...

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