Acórdão nº 02628/17.0BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional pelo Representante da Fazenda Pública (de Viana do Castelo), visando a revogação da sentença de 17-06-2022, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou totalmente procedente a impugnação intentada por BB, AA, CC, DD, EE e FF, com os sinais dos autos, contra os actos de liquidação de IRS n.ºs 2017 5005424140, 2017 5005424141 e 2017 5005424139, todos referentes ao ano de 2013, no montante, respectivamente, de 6.291,07 €, 6.099,29 € e 8.387,65 €.

Irresignado, nas suas alegações, formulou o recorrente Representante da Fazenda Pública de Viana do Castelo, as seguintes conclusões: I - O presente recurso tem por objeto a douta sentença recorrida, proferida em 2022.06.11 no processo supra referenciado, que julgou totalmente procedente a presente impugnação judicial e, consequentemente, a final: a) Anulou “os actos de liquidação de IRS n.ºs 2017 5005424140, 2017 5005424141 e 2017 5005424139, todos referentes ao ano de 2013, no montante, respectivamente, de 6.291,07 €, 6.099,29 € e 8.387,65 €, na parte em que não se atendeu, para o cálculo da mais valia sujeita a imposto, à consideração das dívidas do Autor da Herança;” e, b) Condenou “a Administração Fiscal ao pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido até à data do processamento da respectiva nota de crédito, relativamente ao montante de imposto cuja anulação aqui se mostra determinada.

”.

II - Douta sentença essa que, a nosso ver, e salvaguardado o devido respeito que a mesma nos merece, bem como salvaguardado o devido respeito por (eventual) melhor entendimento, padece de erro de julgamento, exclusivamente em matéria de Direito, nomeadamente ao violar o disposto nos artigos 9.º, nº 1, alínea a); 10.º, nº 1, alínea a), e 51.º, nº 1, alínea a), todos do Código do IRS, bem como o disposto no artigo 8.º, nº 3 do Código Civil.

III - Entendeu o M. mo Juiz do Tribunal “a quo” que “a questão que se coloca é a de saber se a venda de um bem imóvel do Autor da Herança (entretanto partilhado pelos seus herdeiros), no âmbito de processo de execução instaurado contra o falecido para cobrança coerciva de livrança por ele avalizada (e prosseguindo seus termos contra os herdeiros habilitados para o efeito) é, ou não, susceptível de gerar uma mais-valia dos herdeiros, sujeita a tributação em sede de IRS.”.

IV – O M. mo Juiz do Tribunal “a quo” fundamentou a sua decisão, em sentido negativo, respeitante a esta questão jurídica nos seguintes termos: “Com efeito, e pese embora os normativos aplicáveis possam pressupor, na sua literalidade, arrimo legal à tributação efectuada, importa atender que no caso em apreço estamos perante venda de bem da herança, para pagamento de dívidas da exclusiva responsabilidade do Autor da herança, que não dos seus herdeiros, que não poderão ser, directa e/ou indirectamente, responsabilizados/atingidos pessoalmente por aquelas atento, desde logo, a responsabilização dos herdeiros pelas dívidas do «de cujus», na medida do valor dos bens herdados, estabelecida no art.º 2071º do C.C.

De igual modo, e não se desconhecendo a jurisprudência do STA atinente à sujeição a mais valias das vendas de imóveis no âmbito de acções executivas e falimentares (e demais questões com aquelas relacionadas, de que é exemplo o Acórdão citado pela Fazenda Pública na contestação apresentada nos autos), considera este Tribunal que no caso de acções executivas instauradas contra terceiros, com referência a dívidas anteriores à partilha dos bens, e, como tal, com afectação em exclusivo, no património daquele terceiro, ainda que entretanto partilhado pelos seus herdeiros, não há lugar a incidência do imposto de mais valias, que apenas logra aplicação partindo do errado pressuposto que aquele património ingressou na esfera jurídica destes sem aquela oneração.

Quanto a este ponto, importa salientar ser indefensável a tese da «formação do ganho sujeito a tributação» e/ou da «efectividade da vantagem patrimonial», rectius, de manifestação da «capacidade contributiva» de que depende a incidência daquele imposto (de mais valias).

Inexistindo, quanto aos herdeiros alienantes, o incremento patrimonial que subjaz ao cômputo da mais valia aqui objecto de impugnação, inexistirá lugar ao correspondente imposto de mais valias (assente na obtenção daquela), em conformidade com os princípios do rendimento real efectivo e da capacidade contributiva, que caracterizam e enformam o imposto de mais valias.

Os actos de liquidação de IRS aqui em escrutínio, no segmento em que não atendem para o cálculo da mais valia sujeita a imposto, ao passivo do Autor da herança (seja enquanto valor de aquisição, seja enquanto despesas e encargos dedutíveis), enfermam da ilegalidade (errónea quantificação) que os Impugnantes lhes assacam, importando, consequentemente, a sua anulação correspondente, o que aqui vai decidido.” V – Contudo, salvaguardado o devido respeito pela douta sentença aqui posta em crise, afigura-se-nos que o M. mo Juíz do Tribunal “a quo” decidiu mal, e desde logo, olvidou o M. mo Juíz do Tribunal “a quo”, de forma ostensiva, o comando ínsito no o artigo 8.º, nº 3 do Código Civil, o qual determina que “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.

VI – Importa ter presente que no douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2016.09.21, proferido no processo nº 0582/15, disponível em www.dgsi.pt – a propósito de uma questão análoga aquela aqui em discussão - vem referido, no sumário, o seguinte (sublinhado e “negrito” nosso): “I - O ganho correspondente à diferença positiva entre o valor pelo qual um imóvel foi transmitido ao credor mediante dação em pagamento e o valor da sua aquisição, corrigido e acrescido nos termos legais, constitui mais-valia sujeita a tributação nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS, pois essa dação, constituindo uma «alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis», é subsumível à previsão desta norma de incidência.

II - Para o efeito, é irrelevante que a dação tenha sido efectuada para pagamento de dívidas de terceiro, pois o que importa é o valor por que o bem foi alienado, uma vez que o ganho tributado é o que decorre da diferença entre os valores de aquisição e de realização, ou seja, entre o valor por que o bem ingressou no património do sujeito passivo e o valor por que dele saiu.

III - Esta interpretação da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS em nada contende com os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da tributação do rendimento efectivo.”.

VII – No referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2016.09.21, proferido no processo nº 0582/15, disponível em www.dgsi.pt, é ainda possível ler-se o seguinte (sublinhado e “negrito” nosso): “(…..) É inequívoco, para efeitos de tributação em IRS, que se considera mais-valia sujeita a imposto a diferença positiva entre o valor de transmissão e o valor de aquisição resultante da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis [art. 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS].

A finalidade dessa alienação onerosa, designadamente, no caso da mesma consistir em dação em pagamento, ser a extinção de responsabilidades próprias ou alheias, é de todo irrelevante para a sujeição a IRS, categoria mais-valias. A vantagem patrimonial em causa refere-se, exclusivamente, à diferença entre os valores de realização e de aquisição, sendo totalmente irrelevantes, para efeitos da incidência do IRS, outras circunstâncias da alienação onerosa dos imóveis, designadamente o destino ou finalidade dada ao valor de realização.

(…)”.

VIII – No mesmo sentido veja-se, igualmente, o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2010.12.16, proferido no processo nº 0578/10, e o recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2021.09.08, proferido no processo nº 0108/17.3BEBRG, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

IX – Ora, aqui chegados, impera concluir, à luz da Jurisprudência do Venerando Supremo Tribunal Administrativo acima referida, e à luz do comando ínsito no o artigo 8.º, nº 3 do Código Civil, que a sentença aqui posta em crise padece de errónea aplicação do direito aos factos dados como provados, na medida em que nela se decidiu que a venda do imóvel melhor identificado no ponto 4. do probatório, ao tempo pertencente (já há muito tempo pertencente) aos herdeiros do Autor da Herança, no âmbito do processo executivo melhor identificado nos pontos 5. e 6. do probatório, previamente instaurado contra o Autor da Herança, mas prosseguindo seus termos contra os herdeiros habilitados para o efeito, não é suscetível de gerar uma mais-valia na esfera jurídica dos herdeiros do Autor da Herança, sujeita a tributação em sede de IRS.

X - Com efeito, tal como decorre, de modo que não deixa margem para qualquer dúvida interpretativa, do douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2016.09.21, proferido no processo nº 0582/15, disponível em www.dgsi.pt, acima referido, a finalidade da alienação onerosa, ou o destino dado ao valor da realização, é de todo irrelevante para a sujeição da mesma a IRS, categoria mais-valias, nomeadamente no caso de tal alienação onerosa se destinar à extinção de responsabilidades próprias ou alheias.

XI – No caso concreto importa ainda não olvidar que os impugnantes não usaram da faculdade legal de repudiar a herança (cfr. artigos 2062.º a 2067.º do Código Civil) tendo, outrossim, aceitado incondicionalmente a mesma (cfr. artigos 2050.º a 2061.º do Código Civil), respondendo, desta forma, pelo pagamento das dívidas do falecido (cfr. artigo 2068.º do Código Civil).

XII - Bem como, importa não olvidar que, tal como consta do ponto 5. do probatório, por sentença de habilitação de herdeiros proferida em 2002.06.14 no âmbito do processo...

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