Acórdão nº 775/15.2T8OLH-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrente / Reclamada: Massa Insolvente de (…), SA Recorrida / Reclamante: Administração das Partes Comuns do Aldeamento (…), NIPC (…), representada por (…) dos Condomínios, Lda.

Fazendo apelo ao regime inserto nos artigos 141.º e seguintes do CIRE, foi apresentada reclamação com vista a ser declarada a exclusão da massa insolvente do lote de terreno composto de zonas ajardinadas, parques de estacionamento, passeios e arruamentos, com a área de 52.861 m2, denominado “(…), Sub-Zona 4.3.1.”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), da freguesia de Quarteira, já que são espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias, de natureza privada, dos prédios sucessivamente desanexados dos prédios descritos na mesma Conservatória sob os números (…) e (…), os quais constituem no seu conjunto o loteamento denominado “(…)”, Sub-Zona 4.3.1. Mais foi peticionado o cancelamento do registo de apreensão em favor da massa insolvente.

Para tanto, a Reclamante invocou ter sido constituído o aldeamento denominado “(…)” por via da operação de loteamento s/n de 22 de novembro de 1967 da qual resultou, entre muitos outros, o prédio descrito sob o n.º (…), na Conservatória do Registo Predial de Loulé, freguesia de Quarteira, cujo registo de aquisição consta em favor da Insolvente (…), SA e que foi apreendido para a massa insolvente. Trata-se de lote de terreno com a área de 52.861 m2, composto de zonas ajardinadas, parques de estacionamento, passeios e arruamentos, integralmente afeto a uso comum do aldeamento, que vem sendo administrado pela Reclamante mediante comparticipação dos proprietários dos lotes que compõem o aldeamento. Os referidos proprietários dos prédios são donos, em comum, do mencionado prédio, na medida em que este constitui área de utilização coletiva dos mesmos, tendo aplicação o regime atinente à propriedade horizontal, nomeadamente o disposto no artigo 1420.º, n.º 1, do CC. Por conseguinte, não pode a Insolvente ter-se como proprietária desse prédio, não podendo o mesmo ser apreendido para a massa.

Subsidiariamente, pretende a Reclamante que se reconheça que o mencionado prédio foi adquirido por usucapião por aqueles proprietários das frações imobiliárias que integram o denominado “(…)”, atenta a ocupação por mais de vinte anos, mantendo-se sempre a utilização como partes comuns daqueles prédios.

Em sede de contestação, a Reclamada invocou a falta de legitimidade da Reclamante porquanto não existe propriedade horizontal, nem forma de os vários proprietários de edifícios integrados na denominada “(…)” mandatarem uma administradora das partes comuns. Pugnou pela improcedência da reclamação, já que o direito de propriedade sobre o mencionado lote se encontra inscrito a favor da Insolvente, tendo esta realizado melhorias nesse prédio e suportado os respetivos impostos, pelo que seria a Insolvente quem poderia ter adquirido por usucapião.

II – O Objeto do Recurso Foi proferido despacho saneador no âmbito do qual foi julgada improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade da Reclamante.

Decorridas as pertinentes diligências, veio a ser proferida sentença julgando totalmente procedente a reclamação, determinando a separação da massa insolvente do lote de terreno composto de zonas ajardinadas, parques de estacionamento, passeios e arruamentos, com a área de 52.861 metros quadrados, denominado “(…), Sub-Zona 4.3.1”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), da freguesia de Quarteira, por constituir espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias, de natureza privada, dos prédios sucessivamente desanexados dos prédios descritos na mesma Conservatória sob os números (…) e (…), os quais constituem no seu conjunto o loteamento denominado “(…)”, Sub-Zona 4.3.1, ordenando o consequentemente cancelamento do registo de apreensão.

Inconformada, a Reclamada apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que julgue improcedente a reclamação. Concluiu a alegação de recurso nos seguintes termos: «1ª - A A. não tem legitimidade substantiva para propor esta ação.

  1. - Onde não existe uma propriedade horizontal não pode haver uma sua administradora.

  2. - A A. também não tem legitimidade substantiva para reclamar o prédio apreendido pela Massa em nome de todos os proprietários a título de usucapião, já que isso implicaria a intervenção de todos os proprietários de todos os lotes.

  3. - Dessa ilegitimidade deve decorrer a absolvição da Massa aqui Ré.

  4. - Estando o prédio dos autos registado a favor da insolvente, o registo faz presumir a sua propriedade a favor daquela.

  5. - Ainda que assim não fosse, resulta dos factos provados que a insolvente adquiriu o prédio pela usucapião, pois soma a sua posse à das anteriores proprietárias, sendo que todas foram públicas, pacíficas, em boa fé, na convicção de serem proprietárias do prédio apreendido e se prolongaram, consecutivamente, por bem mais de 20 ou 30 anos.

  6. - A existência desse direito de propriedade a favor da insolvente afasta o direito invocado pela A.

  7. - O loteamento não é um modo de constituição de Propriedade Horizontal e esta só pode constituir-se nos termos do artigo 1417.º do Código Civil.

  8. - Mesmo aceitando o princípio de que, na resolução dos conflitos entre particulares relacionados com o aproveitamento das zonas comuns, se deve lançar mão das regras da PH, daí não resulta que o legislador do DL 448/91 ou do DL 555/99, tenha querido criar um novo modo de constituição de propriedade horizontal para além dos que a lei civil já consagrava.

  9. – De qualquer modo, atenta a data em que ocorreu o loteamento dos autos, em 24 de março de 1972, não pode dizer-se que lhe são aplicáveis as regras do DL 448/91 ou do DL 555/99.

  10. - Entre 1965 e 1973, vigorou o DL 466673, de 29 de novembro, que não tinha qualquer regra semelhante.

  11. - Não existindo a norma, não pode dizer-se que foi por força do loteamento que aquelas parcelas ficaram sujeitas ao regime da Propriedade Horizontal.

  12. - Considerar que o DL 448/91 e/ou o DL 555/99 se aplicam aos loteamentos concluídos vinte anos antes de serem publicados seria atropelar a previsão do artigo 12.º/1, do Código Civil que estabelece que a lei só dispõe para o futuro.

  13. - A situação não se alterou por força da existência de um Alvará do turismo, ou de um regulamento interno que disciplinava o funcionamento do estabelecimento hoteleiro que aquele autorizou a funcionar.

  14. - Nenhum desses instrumentos é um modo legal de transmissão de propriedade imobiliária, ou de constituição de Propriedade horizontal.

  15. - Nada justifica a apropriação do prédio apreendido – e a dos demais elementos nele introduzidos e propriedade da insolvente – pela A. ou pelos proprietários dos demais lotes que se veriam enriquecidos injustificadamente à custa dos credores que a Massa representa.

  16. - Violou a decisão recorrida, na interpretação e aplicação que deles fez ao caso, as normas dos artigos 7.º do Código de Registo Predial, 1256.º/1, 1316.º e 1417.º do Código Civil, 73.º do DL 448/91 e 128.º do DL 555/99.» A Recorrida apresentou contra-alegações sustentando que a legitimidade processual foi já objeto de decisão e que a legitimidade substantiva contende com a decisão de mérito. Quanto aos mais, invoca que o prédio em causa, atenta a finalidade das parcelas que o compõem, não pode ser objeto de propriedade singular, separado dos prédios que constituem o aldeamento.

Cumpre conhecer das seguintes questões: - da ilegitimidade da Reclamante; - do direito de propriedade da Insolvente sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…).

III – Fundamentos A – Os factos provados em 1.ª Instância: 1.º A sociedade (…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), S. A. desenvolveu, a partir de 1967, o projeto de urbanização de Vilamoura, composto por vários setores, com projetos urbanísticos autónomos, no qual se incluía a zona 3, do Sector 4.

  1. Da memória descritiva e justificativa do projeto urbanístico referido em 1.º resultava que se pretendia construir no Sector 4.3 um conjunto de aldeamentos do tipo vulgarmente chamado de “aldeamento turístico”, constituído por um conjunto habitacional, envolvido por área arborizada, associado a equipamentos, como piscina de recreio, restaurante e supermercado, prevendo-se ainda que a Zona 3, constasse de duas sub-zonas 3.1 e 3.2.

  2. A Zona 3 teria uma área total de 108.010 m2, com uma área total de lotes de 39.812 m2, 29.712 m2 da Sub-Zona 4.31 e 10.100 m2, da Sub-Zona 4.32, sendo as restantes, áreas comuns próprias das sub-zonas e áreas públicas exteriores às sub-zonas.

  3. Foi realizado o loteamento do Sector 4, Zona 3, Subzona 1, inserido no alvará de loteamento n.º 67, de 22 de novembro, emitido em nome da dita (…), S. A., que constituiu o aldeamento turístico denominado “(…)”.

  4. A (…), SA cedeu os respetivos lotes que constituíam o Sector 4.31 a “(…), Portugal, Urbanização (…) do Algarve, Limitada”.

  5. Esta última veio a requerer diversas alterações ao projeto de licenciamento na (…), em 1972, nomeadamente, procedendo à reorganização da distribuição das moradias, suprimindo os respetivos logradouros, de forma a obter um espaço arborizado homogéneo de utilização coletiva e piscina.

  6. Previu-se expressamente que “Beneficiações Propostas I) Supressão da delimitação de logradouros...

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