Acórdão nº 2575/21.1T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelJAIME PESTANA
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 2575/21.1T8FAR.E1 – 2.ª secção Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora O Ministério Público, em representação do Estado Português/Direcção Geral de Reinserção Social (DGRS), ao abrigo do disposto nos artigos 4.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto do Ministério Público, 1.º, alíneas a) e b), 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, alínea a), 6.º, 7.º, 11.º, 12.º, 13.º e 14.º, da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia a 25 de Outubro de 1980, veio propor contra (…), residente em (…), Portugal, uma Acção Tutelar Comum, de natureza urgente com vista ao regresso a França das crianças (…) e (…)

Alegou, em síntese, que as crianças nasceram em França, filhos de pais portugueses não casados entre si, que viviam em união de facto, residindo em França desde 2011. A Requerida, mãe dos menores, acordou com o pai destes em viajar para Portugal com as crianças entre 24 de Maio e 5 de Junho de 2021

Contudo, em vez de regressar a França com as crianças na data prevista, permaneceu em Portugal com os filhos, residindo na Rua (…), Lote 3, Fracção 3E-B, em (…), retendo-os cá contra a vontade do progenitor

O progenitor formulou pedido de regresso dos menores junto da Autoridade Central francesa. A DGRS (Autoridade Central portuguesa para a Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças) recebeu da sua congénere francesa a pretensão apresentada pelo progenitor do regresso dos filhos a França, Estado da sua residência habitual

A Autoridade Central portuguesa deu cumprimento ao disposto no artigo 7.º, alínea c), da Convenção de Haia de 1980, solicitando à mãe dos menores que se pronunciasse quanto à possibilidade de assegurar o regresso voluntário dos filhos a França, tendo a mesma respondido desfavoravelmente

Citada para contestar a progenitora apresentou as alegações de fls. 38 e segs., opondo-se ao regresso das crianças a França, invocando que tal regresso poderá pôr seriamente em risco o bem-estar das mesmas, expondo-as a perigos psicológicos e físicos

Juntou os documentos de fls. 45 a 50 (certidões de nascimento e de matrícula em escolas portuguesas). A progenitora apresentou ainda o articulado de fls. 53 e segs., manifestando a sua oposição em levar os filhos para França alegando factos graves e perturbadores da sua vida e das crianças em casa, em França, perpetrados pelo progenitor das crianças. Seguidamente, houve uma verdadeira movimentação da sociedade civil onde as crianças se inserem, vindo aos autos solicitar ao tribunal que não ordene o regresso destas crianças para junto do pai, invocando que isso será lesivo ao superior interesse destas crianças. Assim, a fls. 61, consta uma petição contendo 35 assinaturas pedindo o não regresso das crianças, e ainda, foram juntas as declarações abonatórias de … (fls. 59), … (fls. 60), … (fls. 63), … (fls. 66) e … (fls. 67 verso)

Foi apresentada uma declaração do Presidente da Junta de Freguesia da residência da progenitora e dos menores (fls. 70), onde atesta que as crianças quando chegaram eram introvertidos e assustados e que actualmente são crianças “alegres, educadas, desinibidas … enfim crianças felizes!” A progenitora veio juntar a cópia de uma participação criminal que apresentou junto da justiça francesa contra o progenitor das crianças por maus tratos, datada de 21.12.21

Em 5.2.22, foram juntos relatórios da escola da (…) e do (…) a dar conta de que os mesmos se encontram a integrar-se no sistema de ensino (fls. 84 e 85). O progenitor veio apresentar alegações escritas em 26.7.22 (fls. 112 e segs.) e posteriormente juntar cópias de mensagens trocadas com a progenitora das crianças (fls. 120) e ainda uma declaração emitida por um médico francês que seguia a saúde das crianças e a declará-las saudáveis, datado de 21.6.22

O Ministério Público pronunciou-se nos termos de fls. 74, no sentido de se informar, “com urgência, via Autoridade Central, a congénere francesa, esclarecendo que a progenitora informou que foi vítima de violência doméstica por parte do progenitor, e que alegou que este era também agressivo emocionalmente para com as crianças, razão pela qual se encontram em curso diligências no sentido de apurar se as crianças se encontrariam em perigo caso regressassem para junto do progenitor, tanto mais que a progenitora alega não poder regressar a França em segurança, pois que não teria outro sítio onde permanecer que não na casa do progenitor, temendo pela sua vida caso o fizesse

Os progenitores e a criança (…) prestaram declarações perante o tribunal em 17 de Outubro de 2022 e o (…) na data designada para a continuação, em 28.10.2022, tendo as crianças sido ouvidas sem a presença dos I. mandatários dos progenitores e devidamente acompanhado por técnica especialmente habilitada para o efeito. Os Ilustres mandatários das partes proferiram alegações orais e a Digna Procuradora da República pugnou pelo não regresso das crianças a França

Foi proferida decisão de não ordenar o regresso das crianças (…) e (…), a França, país da sua residência habitual antes da retenção ilícita, com fundamento no artigo 13.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 2, da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia a 25 de Outubro de 1980

Inconformado recorreu o progenitor tendo concluído nos seguintes termos: I- O ora Recorrente não se conforma com a decisão proferida sobre a matéria de fato; II- Com efeito, salvo o devido respeito, atento o objeto dos presentes autos, o alegado pelas partes e a globalidade da prova produzida nos presentes autos, verifica-se que na decisão sobre a matéria de fato, a Meritíssima Juiz a quo dá como provados fatos alegados que não têm qualquer assento probatório, nem documental, nem testemunhal; III- O ponto 10 da matéria de facto dada como provada na douta sentença não apresenta o suporte probatório necessário para ser dado como provado; IV- Tal ponto resulta apenas provado com base nas declarações da progenitora, sem qualquer apoio documental ou sem outras declarações, depoimento esse completamente imparcial, infundado e falso; V- Impondo-se assim que o ponto 10 da matéria de facto não fosse considerado como provado; VI- O ponto 11 da matéria de facto, dada como provada na douta sentença, não apresenta o suporte probatório necessário para ser dado como provado; VII- Mais uma vez, tal ponto foi considerado provado pelas declarações da Progenitora e da menor (…); VIII- Não tendo sido considerado a parte das declarações da menor (…), onde em instâncias do Digníssimo Magistrado do Ministério Público (sessão de dia 17/10/2022, minutos 00:24.12 – 00:24.23), sem que ninguém tivesse perguntado, a mesma rapidamente utiliza a expressão “A mãe não gosta dele, mas ela não quer outro homem...”; IX- Demonstrando claramente foi uma expressão que a Progenitora instruiu a menor (…) para dizer; X- Assim sendo, impunha-se que o ponto 11 da matéria de facto não fosse considerado como provado; XI- O ponto 14 da matéria de facto dada como provada na douta sentença não apresenta o suporte probatório necessário para ser dado como provado, não tendo sido considerada a parte da audição da menor (…) em que a Meritíssima Juiz (sessão de dia 17/10/2022, minutos 00:03.59 – 00:04.14), faz referência ao facto de irem amigos lá a casa; XII- Ou seja, é falso que os menores “não tinham contactos com crianças da sua idade fora do estabelecimento escolar”, pois a própria menor diz “(…) quando tinha um amigo meu que ia à minha casa (…)”; XIII- Assim, no ponto 14 impunha-se que apenas fosse dado como provado que “Os menores frequentavam a escola” não se verificando o resto do ponto como provado; XIV- O ponto 15 da matéria de facto dada como provada na douta sentença não apresenta o suporte probatório necessário para ser dado como provado, sendo que os menores também brincavam com o Progenitor, conforme refere o menor (…), na sua audição, em instâncias da Sra. Psicóloga (sessão de dia 28/10/2022, minutos 00:19.45 – 00:20.33): XV- Pelo que deveria ter sido dado como provado, no ponto 15 que o Progenitor, para além da Progenitora, também brincava com os menores; XVI- Em relação ao ponto 25 da matéria de facto provada, mais uma vez importa referir que os menores se encontram há 17 meses a residir apenas com a...

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