Acórdão nº 17505/20.0T8LSB-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

No âmbito de um processo especial para regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor AA, nascido a .../.../2020, proposto pela progenitora BB, de nacionalidade brasileira, contra CC, de nacionalidade espanhola, foi proferido pela 1.ª instância, em .../02/2022, despacho no qual foi afirmado que, «por internacionalmente competente para conhecer dos termos da ação, designa-se, para conferência de pais, o próximo dia 30/03/2022, pelas 09h00.».

Inconformado com a decisão da afirmação da competência internacional do tribunal português para a acção, o progenitor interpôs recurso de apelação que, por acórdão de 15/09/2022, foi julgado improcedente pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que manteve a decisão da 1.ª instância.

  1. Novamente inconformado com tal decisão, o progenitor interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a atribuição de efeito suspensivo.

    O recurso foi admitido por despacho do relator do tribunal a quo, que, porém, determinou a atribuição de efeito meramente devolutivo.

  2. Os autos foram apresentados neste Supremo Tribunal em 05/12/2022.

  3. Formulou o Recorrente as seguintes conclusões recursórias: «I. A título introdutório, importa concluir pela admissibilidade do presente recurso, pese embora as limitações processualmente estabelecidas em matéria de Revista, considerando que tal limitação não se coloca nos casos em que o recurso é sempre admissível, cfr. art. 671.º, n.º 3 CPC, sendo este sempre admissível nas hipóteses em que o mesmo tenha como fundamento a violação das regras de competência internacional aplicáveis, cfr. art. 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, o que aqui sucede.

    1. O presente recurso versa sobre a douta decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, alicerçando a sua razão de ciência no manifesto erro de aplicação do direito aos factos, concretamente da Convenção Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças e do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro, e que conduziram à errónea conclusão de competência internacional dos Tribunais Portugueses.

    2. Nestes termos impõe-se a revogação da decisão prolatada e a sua substituição por decisão que proceda a uma correta aplicação dos ditames legais aplicáveis, sendo o fundamento da presente Revista a errada aplicação da lei de processo, cfr. art. 674.º, n.º 1, al. b) do CPC, o que se invoca para todos os efeitos legais.

      Vejamos: IV. Na decisão proferida, na parte objeto de recurso, decidiu o Tribunal a quo que ao tempo da instauração da presente ação, em 31/08/2020, a residência do menor se fixava em Portugal, por apelo ao critério do seu superior interesse, motivo pelo qual seriam competentes os Tribunais Portugueses, o que, todavia, se afigura erróneo.

    3. Para ajuizar da adequação do decidido, importa tomar em consideração os factos conhecidos nestes autos e os únicos levados ao conhecimento do Tribunal da Relação de Lisboa e por este sopesados na sua decisão: 1 - Em .../02/2020 nasce o menor AA, em ... Córdoba, sendo o menor de nacionalidade Espanhola, filho de CC, de nacionalidade Espanhola, e BB, então de nacionalidade Brasileira.

      2 - Entre .../02/2020 e .../08/2020 (durante cerca de 6 meses) o menor e os seus Progenitores residiram habitualmente em Espanha.

      3 - Em .../08/2020 a Progenitora subtraiu e reteve ilicitamente o Menor, tendo viajado com o mesmo para Portugal, sem a autorização e consentimento do Progenitor.

      4 - Em 31/08/2020 (6 dias após a deslocação ilícita) a Progenitora dá início à presente ação.

      5 - Em outubro de 2020 é intentada ação especial para entrega judicial da criança, o que deu origem ao processo n.º 6810/20.5T8ALM, que correu termos no Tribunal ....

      6 - Em 07/01/2021 foi proferida sentença no âmbito do referido processo, tendo aí sido demonstrado que ao tempo da deslocação para Portugal, em .../08/2020, o menor residia habitualmente em Espanha com ambos os progenitores, tendo sido trazido ilicitamente para Portugal, sem autorização ou consentimento do Progenitor, tendo sido determinado o regresso do menor ao Estado da sua residência habitual, Espanha, o que sucedeu imediatamente e onde o menor se encontra até ao presente.

      7 - A referida decisão foi confirmada pela Relação.

      8 - Em 08/09/2021, na sequência do Recurso de Revista apresentado pela Progenitora, é proferido acórdão por parte do Digníssimo Supremo Tribunal de Justiça, do qual resulta o seguinte: «No caso dos autos, não vemos razão para negar a conclusão relativa à deslocação ilícita. Decisiva é a constatação do local onde a criança nasceu e onde se encontrava, quando de lá foi retirada pela mãe, que se ausentou para Portugal, sem conhecimento ou autorização do pai.

      (…) Condições existem porém nas quais o regresso imediato da criança em situação de deslocação ilícita pode conduzir a uma situação de recusa do regresso da criança – são elas as circunstâncias aludidas nos artºs 12.º, 13.º e 20.º da Convenção de Haia.

      (…) Para uma criança com 16 meses de idade (à data do acórdão) ou 11 meses (à data da sentença), que privou permanentemente com a mãe, que assim se constituiu como figura afetiva de referência para a criança, a separação física operada pelo regresso a Espanha (que foi executada após a prolação da sentença) só pode considerar-se uma violência, susceptível de afectar o equilíbrio psíquico dessa criança, constituindo uma situação intolerável».

      9 - Assim, interpretando o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sua decisão de 08/09/2021, da mesma não resulta que o menor não residisse até à data da decisão em Espanha, mas sim que, apesar de o menor residir habitualmente àquela data (08/09/2021) em Espanha, qualificando-se a sua deslocação para Portugal como ilícita ou indevida, não ordenou o regresso do menor para Espanha por aplicação da exceção enunciada no art. 13.º, al. b) da Convenção e Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças – conclusão que se extirpa do texto da decisão prolatada e sem se tecer nesta sede considerações quanto ao mérito ou adequação quanto ao decidido, 10 - Por conseguinte, o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.º 6810/20.5T8ALM, não nega a residência habitual do menor em Espanha, simplesmente considera que, em prol do seu superior interesse, não deveria ser ordenado o seu regresso para Espanha, sendo que tal decisão tem, naturaliter, efeitos ex tunc.

    4. Por conseguinte, a considerar-se que a Residência Habitual do Menor é em Portugal – o que nem se concede considerada a factualidade atual, mas em relação à qual não é objeto de apreciação nesta sede - tal apenas ocorrerá, maxime, a partir do momento em que o Supremo Tribunal de Justiça determina que o seu regresso a Espanha não era devido, isto é, em 08/09/2021, sendo que até então encontrava-se o menor fática e legitimamente a residir em Espanha, junto do seu Progenitor, ao abrigo das anteriores decisões proferidas no âmbito do processo 6810/20.5T8ALM.

    5. Com efeito, não se concede razão ao decidido pelo Tribunal a quo ao concluir que a Residência Habitual do Menor ao tempo da propositura da presente ação (31/08/2020) era em Portugal por referência a uma interpretação do critério do superior interesse do Menor.

    6. Neste ponto, dispõe o art. 8.º, n.º 1 do Regulamento (CE) n.º 2201/2013 que os Tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de Responsabilidade Parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que seja instaurada a ação em Tribunal, considerando-se como tal “a data da apresentação ao Tribunal do ato introdutório da instância ou ato equivalente”, cfr. art. 16.º, n.º 1, al. a) Regulamento (CE) n.º 2201/2003.

    7. Por seu turno, dispõe o artigo 10.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 que “em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança os Tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado Membro”, devendo, ademais, verificar-se cumulativamente alguma das hipóteses das diversas alíneas do referido artigo 10.º.

    8. In casu, sem prejuízo [de] nem sequer se verificar nenhuma das alíneas do artigo 10.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2013, que permitiria a alteração da Residência Habitual do Menor, a entender-se que menor AA passou a ter residência em Portugal – o que, considerada a factualidade em causa atualmente nem sequer se concede, mas apenas se equaciona por mero dever de patrocínio - tal apenas veio a correr em 08/09/2021, na sequência do decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo 6810/20.5T8ALM, o qual decidiu que, apesar da residência habitual do menor até então ser em Espanha e da sua reconhecida deslocação ilícita, o seu superior interesse ditavam que não fosse ordenado o seu regresso a Espanha.

    9. Conclusão que se extirpa do facto de a deslocação do menor de Espanha para Portugal, em .../08/2020 ter sido qualificada como ilícita e, nesses termos, imprestável para a alteração da residência do menor e, consequentemente para a alteração do Tribunal competente, cfr. art. 10.º in fine do Regulamento, sendo que apenas com a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/09/2021, é que se poderia equacionar que existiria fundamento para a alteração da residência habitual do menor – isto já no limite das hipóteses académicas porquanto o menor nunca sequer deixou de residir faticamente em Espanha até ao presente – posto que até então o menor residia legitimamente em Espanha com o Progenitor ao abrigo das anteriores decisões judiciais proferidas pelos Tribunais Portugueses.

    10. O Tribunal a quo, apesar de identificar corretamente a necessidade de aplicação de tais normativos (art. 8.º, n.º 1 e art. 10.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2013, de 27 de novembro), faz dos mesmos uma errada aplicação prática, fazendo tábua rasa de toda a factualidade acima...

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