Acórdão nº 262/19.0T8ALB.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO 1.

Lápis & Ângulos – Comércio de Madeiras, Lda.

, intentou a presente ação declarativa com processo comum contra Ângulo Corajoso Unipessoal, Lda.

, alegando ter vendido à ré um veículo automóvel pesado, pelo preço de € 35.000,00, acrescido de IVA à taxa legal, veículo esse que esta passou imediatamente a utilizar na sua atividade comercial.

Acrescenta que foi acordado entre as partes que só depois de o preço ser integralmente pago é que “seria alterado do vendedor para o comprador o registo da propriedade do veículo”.

Alega ainda que para liquidação do preço a ré emitiu sete cheques no valor de € 5.000,00 cada um, sendo que dois deles, quando apresentados a pagamento, foram devolvidos por falta de provisão.

Refere, por último, que em virtude da falta de pagamento do preço o registo da propriedade do veículo não foi alterado, o que motivou que tivesse de pagar a quantia de € 351,41 a título de taxas de portagem que, apesar de serem da responsabilidade da ré, esta não liquidou, bem como a importância de € 1.242,50 referente a uma coima, igualmente da responsabilidade da demandada, que teve de pagar por indevido uso e instalação do tacógrafo e ainda a quantia de € 238,00 relativa ao imposto único de circulação.

Conclui pedindo a condenação da ré a pagar-lhe: a) a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescido de IVA à taxa legal pela venda do camião, importância essa correspondente ao remanescente do preço ainda não liquidado; b) a quantia de 351,41 €, (trezentos e cinquenta e um euros e quarenta e um cêntimos) das taxas de portagens; c) a quantia de € 1.242,50 (mil duzentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos) da coima cometida pela Ré; d) a quantia de € 238,00 (duzentos e trinta e oito euros) pelo IUC; e) os juros vencidos no total de € 441,42, (quatrocentos e quarenta e um euros e quarenta e dois cêntimos) e vincendos até efetivo pagamento.

  1. Devidamente citada, a ré apresentou contestação sustentando, desde logo, que o preço efectivamente acordado para a venda do veículo automóvel foi de € 35.000,00, aí se incluindo os impostos, os juros pelo facto de o pagamento se efectuar em prestações e todas as despesas de legalização e de transferência do registo para a compradora.

    Alega que a autora se obrigou a fazer de imediato o registo do veículo automóvel a favor da ré, para que esta pudesse usufruir plenamente do mesmo, o que, todavia, não satisfez, nem entregou os documentos da viatura (designadamente a declaração de venda e o livrete) para que a demandada o fizesse.

    Acrescenta que o aparelho tacógrafo do veículo já estava fora do prazo de validade aquando da celebração da compra e venda, sendo que em resultado da falta de entrega dos mencionados documentos estava impedida de renovar a validade do tacógrafo e bem assim de poder circular com o veículo. Por via disso invoca a excepção do não cumprimento do contrato no concernente ao preço ainda não liquidado enquanto a autora não lhe entregar tais documentos.

    Sustenta ainda que, em virtude de a autora não ter procedido à entrega da documentação para registar a seu favor a propriedade do veículo, não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade pelo não pagamento das taxas de portagem, pela coima motivada pelo uso indevido do tacógrafo e bem assim pela não liquidação do imposto único de circulação.

    Formulou pedido reconvencional, sendo que para substanciar tal pretensão alega que pelo facto de a autora/reconvinda não ter procedido ao registo da propriedade do veículo em seu (dela, ré) favor, nem lhe ter entregado o livrete do mesmo ficou impedida de poder utilizá-lo, o que lhe ocasionou um prejuízo que computa em € 19.900,00.

    Adianta igualmente que, apesar de ter solicitado à autora documentos comprovativos dos pagamentos que realizou, esta não lhe entregou qualquer documento que permitisse justificar contabilisticamente esse pagamento, razão pela qual deixou de poder ter um benefício fiscal de, pelo menos, € 5.250,00.

    Conclui pedindo a condenação da autora/reconvinda a pagar-lhe a quantia de € 25.150,00, a que acresce o montante que se vencer à razão diária de € 100,00 desde 21 de Junho de 2019 até ao efectivo cumprimento da obrigação da autora de entrega de todos os documentos do veículo e de concretizar o seu registo a favor da reconvinte.

  2. Replicou a autora que, reiterando que a entrega dos documentos do veículo e do seu registo a favor da ré só não aconteceram pelo facto de não ter sido feito o pagamento integral do preço, pugna pela improcedência do pedido reconvencional.

  3. Teve lugar audiência prévia, no âmbito da qual se proferiu despacho saneador em termos tabelares, definiu-se o objeto do litígio e fixaram-se os temas da prova.

  4. Realizou-se audiência final e, em 23.12.2021, foi proferida sentença na qual pode ler-se: “Em face de tudo o exposto, decido: Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente ação e, consequentemente: 1.º condenar a Ré Ângulo Corajoso Unipessoal, Lda. a pagar à Autora Lápis & Ângulos – Comércio de Madeiras, Lda. a quantia de 351,41€, relativa a portagens; 2.º condenar a Ré Ângulo Corajoso Unipessoal, Lda. a pagar à Autora Lápis & Ângulos – Comércio de Madeiras, Lda. a quantia de 1.242,50€ relativa à coima; 3.º condenar a Ré Ângulo Corajoso Unipessoal, Lda. a pagar à Autora Lápis & Ângulos – Comércio de Madeiras, Lda. a quantia de 238,00€ relativa ao pagamento do IUC.

    1. Às referidas quantias acresce a obrigação da Ré pagar juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.

    2. Absolvo a Ré do demais peticionado pela Autora.

    3. Absolvo a Autora Lápis & Ângulos – Comércio de Madeiras, Lda. do pedido reconvencional formulado pela Ré Ângulo Corajoso Unipessoal, Lda”.

  5. Não se conformando com o assim decidido, veio a ré/reconvinte interpor recuso de apelação.

  6. Em 27.06.2022 foi proferido Acórdão no Tribunal da Relação do Porto em que se decidiu: “Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em: I) - julgar a apelação parcialmente procedente, em consequência do que: (i) se revoga a sentença no segmento em que condenou a ré a pagar à autora as quantias de €238,00 (a título de imposto único de circulação referente ao ajuizado camião) e de € 1.242,50 (relativo ao montante da coima aplicada por falta de inspeção do tacógrafo instalado nesse veículo); (ii) se condena a autora/reconvinda a pagar à ré/reconvinte o montante diário de €15,00 (quinze euros), contado desde janeiro de 2019 até 16 de fevereiro de 2022, a título de indemnização pelo dano de privação do uso do ajuizado veículo automóvel; (iii) se confirma, no mais, a decisão recorrida.

    II) - julgar improcedente a ampliação do âmbito do recurso aduzida pela autora/apelada”.

  7. Não se conformando, é agora a autora Lápis & Ângulos – Comércio de Madeiras, Lda.

    , que vem interpor recurso de revista, pugnando pela revogação do Acórdão.

    Conclui a sua alegação formulando as seguintes conclusões: “1º Visa-se com o presente recurso, discutir a bondade da interpretação que, do artigo 473º, nº 1 do Cód. Civil e sua consequente aplicação aos factos dados como provados, é feita pelo Venerando Tribunal a quo, nos termos do qual se entendeu que, não sendo aplicável o instituto do enriquecimento sem causa aos factos, improcede o pedido de pagamento de IUC peticionado pela Autora/Recorrente.

    1. Visa-se, ainda, discutir a interpretação que foi dada ao direito de indemnização pela privação do uso, tendo o Venerando Tribunal a quo determinado o direito à indemnização por esta via, independentemente da alegação e prova dos danos e o modo de fixação do seu quantum, com recurso à equidade.

    2. No douto acórdão proferido, conclui-se pela “ausência de título que legitime e suporte a condenação da ré no reembolso da quantia de € 238,00.” devido a título de restituição do IUC pago pela Recorrente porquanto, não se pode afirmar a inexistência de causa justificativa, neste caso, entenda-se, para o enriquecimento da ré, premissa que a Recorrente considera errada.

    3. Para o efeito, discorre-se sobre o critério da incidência subjetiva deste tributo, prevista no artigo 3º do Código do Imposto Único de Circulação, que dispõe que é responsável pelo pagamento do tributo o proprietário, inscrito no registo enquanto tal, bastando este elemento para aferir da responsabilidade do pagamento.

    4. Com base neste normativo e interpretação e, no considerando que a falta de atualização do registo se ficou a dever a um comportamento omissivo da Recorrente, concluiu-se, no fundo, pela existência de causa justificativa de enriquecimento por parte da Recorrida, conclusão com a qual a Recorrente não concorda.

    5. Salvo o devido respeito, que é muito, pela posição firmada no acórdão proferido, não podemos deixar de refutar a lógica do raciocínio seguido assim como, o facto de que o âmbito da incidência subjetiva do imposto, a propriedade do veículo e a obrigação de restituir o montante pago não são elementos absolutamente coincidentes.

    6. Quanto à incidência subjetiva do imposto e à responsabilidade direta do seu pagamento perante a fazenda pública, a Recorrente nada tem a dizer ou discordar, tanto que, procedeu de imediato ao seu pagamento, sabendo que estava em curso o prazo para tal, o que difere da obrigação de pagamento por parte da Recorrida.

    7. Ficou assente nos presentes autos, sem qualquer margem para dúvidas, que a Recorrida, usou e fruiu do veículo automóvel, a partir da data da sua entrega, Junho de 2018 assim como, o fez com total liberdade e imbuída do ânimo de proprietária, o que resulta do próprio acórdão do Venerando Tribunal recorrido. 9º Assim sendo, se é a Recorrida proprietária, se utilizou o veículo em seu proveito, se a Recorrente ficou, por isso, privada da sua utilização, desprovida da sua posse, e retirada da sua esfera a propriedade do veículo, não se vislumbra como possa concluir-se que não exista locupletamento injustificado da Recorrida ao não pagar o imposto de...

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