Acórdão nº 12502/18.8T8SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça As Partes, o Pedido e o Objecto do Processo IHRU-Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P., propôs, em 29/6/2018, contra o Município de Cascais, acção com processo de declaração e forma comum.

Pediu a condenação do R. a reconhecer a propriedade do A. sobre 30 fracções autónomas que identifica bem como a restituí-las ao A. e, ainda, a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de € 176.309,68 acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal desde 30.11.2016 e o valor mensal respeitante a rendas de cada uma das 30 fracções reivindicadas, até entrega efetiva.

Alegou ser o único e legítimo proprietário das 30 fracções, que adquiriu, em 19/11/2014, no âmbito do processo judicial nº 756/12...., do ... Juízo de Comércio de ..., à massa insolvente de J..., Lda, e cuja construção financiou ao abrigo do D-L nº 165/93, de 7/5, constituindo sobre as mesmas hipoteca a seu favor.

O R. tinha promovido a construção das ditas fracções com vista à respectiva aquisição para realojamento de populações residentes em barracas, tendo celebrado com a referida sociedade o correspondente contrato promessa de compra e venda, mas aquela construtora foi declarada insolvente sem que a transmissão tivesse sido concretizada.

Em 7/3/2013, A. e R. celebraram acordo nos termos do qual o A. apresentava, no processo de insolvência, proposta de compra das 30 fracções em causa, comprometendo-se o R. a adquirir depois ao A. as mesmas, fixando-se o preço de acordo com a fórmula constante do Anexo I do referido acordo, para o que celebrariam antes contrato promessa de compra e venda após a obtenção do visto prévio favorável do Tribunal de Contas.

Tendo o A. adquirido as mencionadas frações, como se obrigou, e tendo o Tribunal de Contas considerado não haver lugar à emissão de visto, o R. não cumpriu o acordo firmado, não subscrevendo o contrato promessa respeitante às 30 fracções conforme minuta remetida pelo A., nem restituindo as fracções como reclamado.

Por sua vez, tendo o R. recebido da sociedade J..., Lda, as chaves daquelas fracções, entregou-as a munícipes que nas mesmas residem e cuja identidade o A. desconhece, ao abrigo de contratos de arrendamento que o R. não tinha legitimidade para celebrar.

Tal conduta do R. vem causando prejuízo ao A., que estima em € 176.309,68, correspondente ao número de meses desde o pedido de entrega (30.11.2016) multiplicado pela renda mensal condicionada, bem como as correspondentes rendas mensais até entrega efetiva.

O R. arguiu a incompetência do tribunal em razão da matéria, por ser esta da competência dos Tribunais Administrativos, e a respetiva ilegitimidade passiva, defendendo, neste tocante, que as mencionadas fracções se encontram na posse ou detenção de terceiros de boa-fé pelo que, quando muito, deveriam ter sido estes os demandados e não o Município R.

Mais impugnou a factualidade alegada, sustentando que pagou a J..., Lda, no âmbito do contrato promessa de compra e venda para aquisição das 30 frações celebrado em 22.4.2004, a quantia de € 521.060,00 a título de sinal, o que reforçou em 9.6.2004, em aditamento ao mencionado contrato promessa de compra e venda, no montante de € 694.747,00.

Tendo recebido as chaves dessas fracções, entregou-as a agregados recenseados no PER, de acordo com o fim de habitação a custos controlados a que as fracções estavam destinadas, passando estas a estar ocupadas desde 2005, com conhecimento e acordo da então proprietária.

Para cumprimento do acordado entre A. e R., aquele propôs um valor de aquisição de € 2.262.723,69, como consta da minuta, que excedia o estipulado e que tinha estado na base da dispensa do visto prévio do Tribunal de Contas (€ 1.202.225,00).

Desta forma, não incumpriu o acordado e, mesmo que assim se entendesse, jamais o A. teria direito a receber os montantes peticionados, uma vez que estes são superiores aos montantes atualmente pagos, agindo em abuso de direito ao reclamar indemnização por danos a que deu azo. O A. tem conhecimento, desde antes da aquisição das fracções, de que estas se encontram cedidas a terceiros, a título precário ou por contratos de renda apoiada.

Concluiu pela procedência das excepções e pela improcedência da causa, devendo, subsidiariamente, ser o montante indemnizatório reduzido, por não ter adesão à realidade a sua forma de cálculo, e subtraídas as despesas incorridas pelo R. no montante de € 13.210,82, até Maio de 2018.

Foram oportunamente julgadas improcedentes as excepções de incompetência do tribunal em razão da matéria e de ilegitimidade passiva. Foi ainda proferido despacho saneador que fixou o valor da causa em € 176.309,68.

As Decisões Judiciais Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 14.9.2021, nos seguintes termos: “(...) julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e em consequência, decide o Tribunal: A. Declarar que o A. é o legítimo proprietário das fracções melhor descritas nos pontos A) a DD) da factualidade provada; B. Condenar o R. a reconhecer tal direito de propriedade; C. Absolver o R. do demais contra si peticionado; Tendo o Autor recorrido de apelação, na Relação foi decidido: - Condenar o R. Município de Cascais, a entregar ao A., IHRU-Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P., as fracções identificadas nos autos (referidas no ponto A. do segmento decisório), conforme reclamado na petição inicial; e - Condenar o R., Município de Cascais, a pagar ao A., IHRU-Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P., uma indemnização pela privação do uso das mesmas fracções, desde 30.11.2016, a liquidar nos moldes indicados; - No mais, manter-se o decidido.

A Revista Recorre agora o Réu de revista, formulando as seguintes conclusões: Das Nulidades A. O Acórdão é nulo, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, por oposição entre os respetivos fundamentos e decisão, nulidade que se deixa expressamente invocada para todos os efeitos legais.

  1. Isto porque o Tribunal a quo defende que o contrato promessa de compra e venda com tradição da coisa só atribui uma posse efetiva ao promitente comprador se já tiver sido paga a totalidade do preço da compra e venda, o que não se verificou, e, não obstante, entendeu que o Recorrente tinha a posse das frações, C. Mas também porque o Tribunal sustenta que aquele que recebe o bem prometido comprar/vender deverá ser considerado detentor desse bem, mas, sendo esta a situação do Recorrente, conclui que ele é possuidor, ao invés de detentor.

  2. O Tribunal a quo desrespeitou o artigo 608.º, n.º 2 do CPC, porque se ocupou de questões não suscitadas pelas partes, o que consubstancia uma nulidade do Acórdão ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, a qual se deixa expressamente invocada para todos os efeitos legais.

  3. Com efeito, o Recorrido pediu ao Tribunal que valorasse o depoimento da testemunha AA, que havia sido desconsiderado pela 1.ª instância com base no artigo 496.º do CPC, uma vez que este não poderia ter prestado declarações como parte.

  4. Era esta a questão que balizava o poder de cognição do Tribunal a quo quanto a este tema, mas o Tribunal acabou por valorar este depoimento ao considerar que a inabilidade do artigo 496.º do CPC se havia sanado, apesar de nenhuma das partes ter suscitado a questão da sanação.

  5. Nada na lei permitia ou impunha ao Tribunal a quo que, através da valoração do depoimento desta testemunha, desse como provados dois novos factos (cfr. Factos provados TT) e UU) da lista de factos provados constante do Acórdão), como se retira do artigo 662.º, a contrario do CPC.

    Dos erros de julgamento do acórdão Da não restituição das frações H. A decisão de improcedência do Tribunal a quo relativamente ao pedido de restituição das frações deve ser mantida.

    I. Isto porque o facto de o Tribunal ter, erradamente, assumido que o Recorrente é o possuidor das frações, foi determinante para a condenação deste na restituição das mesmas. Nunca o tendo sido, a condenação na restituição das frações não se pode manter.

    L. Ademais, numa ação de reivindicação deve figurar como parte passiva quem detém materialmente a coisa que está a ser reivindicada, quer este seja possuidor ou um mero detentor (cfr. artigo 1311.º, n.º 1 do CC).

  6. O pedido de restituição numa ação de restituição deve ser considerado improcedente, nos casos em que o réu consiga demonstrar que tem um direito que o legitima a ter materialmente a coisa consigo.

  7. Se assim o é, então na ação de reivindicação tem de figurar quem tem materialmente a coisa consigo, visto que tem de ser sempre este sujeito a demonstrar que detém materialmente a coisa, com base num título válido (neste sentido, vide Ac. do STJ, de 28.01.2021).

  8. Se o Recorrente não é nem possuidor nem detentor das frações, inclusivamente tendo sido dado como provado pelo Tribunal a quo que atualmente o Recorrente não detém materialmente as frações que o Recorrido vem reivindicar (cfr. factos RR) e SS) da lista de factos provados constante da Sentença e do Acórdão), não poderá ser este condenado na entrega das frações.

  9. A juntar a isto, ao contrário do que o Tribunal a quo entendeu, caso os munícipes logrem fazer prova de que são titulares de um direito que lhes permite não terem de restituir as frações ao Recorrido, e obtenham uma decisão nos termos da qual possam permanecer no gozo das frações, essa decisão será praticamente inconciliável com a decisão de condenação do Recorrente na restituição das frações.

  10. Ora, os munícipes são, precisamente, titulares de um direito que lhes permite recusar a entrega das frações ao Recorrido, uma vez que, como o Recorrido bem sabe, ocupam as frações com base em determinados contratos.

  11. Estamos, como tal, perante uma ilegitimidade substancial ou substantiva do Recorrente, e não processual, uma vez que a causa de pedir da presente ação não inclui os contratos de arrendamento que seriam necessários analisar para decidir da procedência do pedido em causa...

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