Acórdão nº 1439/16.5T8PTG.E2.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO 1. AA e BB intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Caixa Geral de Depósitos S.A.

, e CC e mulher, DD, peticionando o seguinte:

  1. Que sejam “anuladas as hipotecas voluntárias realizadas pelas escrituras públicas, juntas como docs. 3 e 4, lavradas entre a Ré Caixa Geral de Depósitos SA e o irmão das Autoras, o aqui Réu, CC e EE no Cartório Notarial ..., respeitantes ao prédio melhor identificado supra, com as devidas e legais consequências e ser determinado o cancelamento, na Conservatória do Registo Predial ..., das inscrições C-1 e C-2 referentes a esse mesmo prédio descrito sob o n.º ...70 – ..., lavradas a favor da Ré Caixa Geral de Depósitos SA.

    ”.

  2. Que seja “anulada a hipoteca voluntária realizada pela escritura pública, junta como doc. 4, pelos factos alegados nos artigos 31.º a 39.º da presente petição inicial, lavrada entre a Ré Caixa Geral de Depósitos SA e o irmão das Autoras, o aqui Réu, CC e EE no Cartório Notarial ..., respeitantes ao prédio melhor identificado supra, com as devidas e legais consequências e ser determinado o cancelamento, na Conservatória do Registo Predial ..., da inscrição C-2 referente a esse mesmo prédio descrito sob o n.º ...70 – ..., lavrada a favor da Ré Caixa Geral de Depósitos SA”.

    Para tanto alegam as autoras que são irmãs do réu CC e filhas de FF e de EE, que foram executados no processo executivo que identificam e no qual a ré Caixa Geral de Depósitos (CGD) peticiona o pagamento da quantia de € 736.942,86.

    No âmbito dessa acção executiva, da qual as autoras tiveram conhecimento através dos editais de venda do prédio denominado Herdade ..., constituem títulos executivos as escrituras de hipoteca que serviram de base ao registo de duas hipotecas voluntárias sobre o referido prédio.

    As autoras são herdeira legitimárias dos seus pais, os quais são proprietários do imóvel penhorado referido e que constitui cerca de 90% do seu património.

    As hipotecas serviram de garantia a mútuos de que o 2.º réu foi o único beneficiário. Assim, tal oneração foi efectuada em prejuízo dos restantes filhos, as ora autoras.

    O direito dos filhos à herança é um direito próprio, que deriva do nascimento, não dependendo da abertura da herança, pelo que aqueles têm o direito de fazer garantir a sua legítima, nomeadamente quando os actos em vida dos pais são feitos com intenção de os prejudicar.

    Neste entendimento, trazem à colação o artigo 877.º do CC, que, na compra e venda, exige o consentimento dos restantes descendentes em venda a um deles. Assim como o disposto no artigo 939.º do CC, que determina a aplicação das normas da compra e venda a outros contratos onerosos pelos quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos sobre eles.

    Assim, alegam que, para a constituição das hipotecas em causa, necessário seria o consentimento das autoras, sendo que a ré CGD tinha perfeito conhecimento da sua existência, tendo exigido a sua intervenção em outros actos.

    Em consequência, entendem que devem ser anuladas as hipotecas voluntárias que identificam.

    Por outro lado, alegam que as procurações que o réu CC utilizou para a constituição da primeira hipoteca, em 16.07.2001, foram outorgadas pelos seus pais três dias antes, pelo que, no momento em que aquele réu constituiu a segunda hipoteca, sete meses depois, já não se encontrava habilitado para o efeito, porque só lhe foram atribuídos poderes para constituir a primeira.

    Não tendo poderes de representação, o seu acto, nos termos do disposto no artigo 268.º, n.º 1, do CC, teria de ser ratificado sob pena de ser ineficaz relativamente ao representado.

    Tal negócio não foi ratificado.

    Assim, também com este fundamento, deve ser anulada a segunda das hipotecas realizadas.

    Em conclusão, pronunciam-se pela procedência da acção, peticionando a anulação das hipotecas que identificam e o cancelamento da sua inscrição.

    1. A ré CGD apresentou contestação. Por excepção invocou a preterição de litisconsórcio passivo necessário por não intervirem na acção os proprietários do prédio hipotecado. Por impugnação, alega que as hipotecas foram constituídas livremente pelos proprietários do prédio em causa, impugnando a proporção do valor do bem em causa no acervo hereditário, e alegando que o direito a herdar não recai sobre nenhum bem específico, nem existe expectativa jurídica nos moldes expostos pelas autoras.

      Da mesma forma, conclui pela validade das procurações e pela improcedência da acção.

    2. Respondendo a convite do tribunal para sanação de excepção dilatória de ilegitimidade, foi requerida e deferida, em 29.06.2017, a intervenção principal provocada “como associada dos Réus” de EE, mãe das autoras. Tendo vindos aos autos informação do falecimento de FF, pai das autoras, em ... .01.2017.

    3. A autora BB apresentou desistência do pedido. Homologada tal desistência, foi a instância declarada extinta nessa parte.

    4. Em 7.11.2017, a ré CGD apresentou articulado superveniente, invocando a improcedência da acção com fundamento na renúncia da autora AA à herança de seu pai (em benefício de sua mãe), FF, por escritura de 6.09.2017.

    5. Por saneador-sentença de 30.01.2018, com fundamento na verificação das excepções inominadas de ilegitimidade activa superveniente e de falta de interesse em agir, foram os réus absolvidos da instância.

    6. Inconformada, a autora AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, o qual, por acórdão de 24.05.2018, foi julgado procedente – com fundamento em que, não obstante ter renunciado à herança do seu pai, a autora mantivera a expectativa jurídica relativamente à legítima na herança da mãe, interveniente principal na presente acção – determinando-se o prosseguimento dos autos.

    7. Remetidos os autos à 1.ª instância, foi efectuado julgamento e proferida sentença, em 9.01.2020, pela qual se decidiu o seguinte: “Pelo exposto julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção, e consequentemente, anula-se a hipoteca voluntária constituída por escritura pública outorgada em 26 de Fevereiro de 2002 entre a Caixa Geral de Depósitos, S.A. e CC e EE, no Cartório Notarial ..., a fls. 27 a 29, do Livº 26-C, determinando-se o cancelamento do registo da hipoteca inscrita pela inscrição C-2, Ap. 4 de 2002/02/20, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob o nº ...06, improcedendo o demais peticionado”.

    8. Inconformada, por sua vez, com tal decisão, a ré CGD interpôs recurso de apelação, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito. Por acórdão de 11.03.2021 foi proferida a seguinte decisão: “Pelo acima exposto, decide-se:

  3. Na procedência do Recurso Principal, revoga-se a Sentença recorrida, na parte em que decidiu anular “a hipoteca voluntária constituída por escritura pública outorgada em 26 de Fevereiro de 2002 entre a caixa Geral de Depósitos, S.A. e CC e EE, no Cartório Notarial ..., a fls. 27 a 29, do Livº 26-C, determinando-se o cancelamento do registo da hipoteca inscrita pela inscrição C-2, Ap. 4 de 2002/02/20, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob o nº ...06”, absolvendo-se os Réus desse pedido; b) Declarar improcedente o Recurso Subordinado”.

    1. Interpôs a autora AA recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, vindo a ser proferido, em 27.01.2022, Acórdão com a seguinte decisão: “Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para apreciação da questão objecto do recurso subordinado de apelação tal como enunciada no ponto 14. do presente acórdão»; questão esta assim enunciada: 'tendo as hipotecas em causa sido constituídas para garantir empréstimos bancários contraídos pelo seu irmão da A., tal exigiria o consentimento desta última, na qualidade de herdeira legitimária nos termos do art. 877.º do Código Civil, aplicável à constituição de hipotecas voluntárias ex vi art. 939.º do mesmo Código'”.

    2. Dando cumprimento ao determinado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, foram os autos remetidos ao Tribunal da Relação, o qual proferiu, em 24.03.2022, Acórdão com a seguinte decisão: “Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto [nota 22: Revoga-se a Sentença recorrida, na parte em que decidiu anular “a hipoteca voluntária constituída por escritura pública outorgada em 26 de Fevereiro de 2002 entre a caixa Geral de Depósitos, S.A. e CC e EE, no Cartório Notarial ..., a fls. 27 a 29, do Livº 26-C, determinando-se o cancelamento do registo da hipoteca inscrita pela inscrição C-2, Ap. 4 de 2002/02/20, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob o nº ...06”, absolvendo-se os Réus desse pedido] e improcedente o recurso subordinado [nota 23: A necessidade de autorização da herdeira legitimária para a constituição da hipoteca]”.

    3. Desta decisão vem a autora AA interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: “

  4. O Colendo STJ ordenou a descida dos autos à Relação para pronúncia sobre a seguinte questão: - Tendo as hipotecas em causa sido constituídas para garantir empréstimos bancários pelo irmão da A, tal exigiria o seu consentimento, na qualidade de herdeira legitimária nos termos do Artigo 877º do CC, aplicável à constituição de hipotecas ex vi Artigo 939º do mesmo Código? b) Sobre tal matéria decidiu o Tribunal da Relação o seguinte: “Assim, fora dos casos excepcionados por lei, permanece válido o posicionamento teórico de Nuno Espinosa que defende que «o designado legitimário, enquanto tal, em vida do “de cuius” não tem qualquer meio de tutela ou conservação do que seria a sua expectativa jurídica».

    Entre as excepções à regra emergem a legitimidade para arguir a simulação ao abrigo do disposto no artigo 242º do Código Civil e o...

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