Acórdão nº 03047/04.4BELSB de Tribunal Central Administrativo Norte, 04 de Junho de 2009

Data04 Junho 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO SINDICATO..., em representação da sua associada L..., devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Coimbra, datada de 02/10/2008, que no âmbito da acção administrativa comum, sob forma ordinária instaurada contra o ESTADO PORTUGUÊS na qual se peticionava a condenação deste a pagar uma indemnização no montante de 13.835,88€ acrescida de juros de mora, julgou totalmente improcedente a pretensão e absolveu aquele R. do pedido.

Formula o recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 93 e segs. - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

1.ª Por força do disposto nos arts. 37.º e 42.º do CPTA, as acções administrativas comuns seguem os termos do processo civil de declaração, pelo que a tramitação de tais acções é a prevista no CPC e não nos arts. 78.º e segs. do CPTA (v., neste sentido, AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao CPTA, 2ª ed., pág. 455).

2.ª No caso sub judicie estava-se perante uma acção comum com processo ordinário, tendo o Tribunal a quo entendido, findo os articulados, conhecer de imediato do mérito do pedido.

Porém, 3.ª A realização da audiência preliminar é obrigatória sempre que o juiz pretenda, findos os articulados, conhecer de imediato do pedido (v., aliás, neste sentido, o próprio arts. 508.º-A e 509.º-A do CPC).

Consequentemente, 4.ª Ao conhecer do mérito da acção sem previamente marcar e realizar a audiência preliminar para permitir às partes discutir o aspecto fáctico e jurídico da causa, o aresto em recurso não só violou a lei - o art. 508.º-B/1/a), que apenas permite dispensar a audiência preliminar quando ela se destine exclusivamente a fixar a base instrutória -, como omitiu um acto e uma formalidade prevista na lei e que influencia a boa decisão da causa - a marcação e realização da audiência preliminar destinada a discutir o aspecto fáctico e jurídico da causa -, tanto mais que representa uma nítida violação do princípio fundamental do contraditório e uma verdadeira decisão-surpresa, pelo que é nulo todo o processado posterior à apresentação da contestação (v. art. 201.º do CPC).

Acresce que, 5.ª A nulidade de todo o processado posterior aos articulados decorre ainda do facto de o Tribunal a quo não ter elaborado, após debate entre as partes na audiência preliminar, a base instrutória com os factos que eram controvertidos - e que haviam sido alegados nos arts. 31.º, 32.º, 35.º a 37.º da p.i., -, o que representa a omissão de um acto e de uma formalidade prevista na lei, com importantes reflexos para a boa decisão da causa, uma vez que impediu uma das partes de demonstrar a veracidade de factos por si alegados e que eram essenciais para a procedência da sua pretensão.

Na verdade, 6.ª Ou o Tribunal a quo considerava que os factos alegados pelo A. nos arts. 31.º, 32.º e 35.º a 37.º estavam provados e, então, pretendendo conhecer do mérito do pedido, tinha que marcar a audiência preliminar para os fins da alínea b) do n.º 1 do art. 508.º-A do CPC, ou, caso considerasse que tais factos não estavam provados por acordo, poderia dispensar a audiência preliminar mas teria que elaborar a base instrutória e permitir às parte fazer prova sobre os mesmos, pelo que em ambos os casos é manifesta a nulidade do processado posterior à apresentação da contestação, tendo-se omitido um acto e uma formalidade que eram essenciais para a boa decisão da causa.

Por outro lado, 7.ª O aresto em recurso enferma de um claro erro de julgamento no tocante à matéria de facto dada por provada, uma vez que não deu por provados os factos constantes dos arts. 31.º, 32.º e 35º a 37.º da p.i., os quais estavam provados por acordo ex vi do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 490º do CPC - uma vez que não foram objecto de impugnação especificada por parte do réu - devendo, em consequência, ser modificada por este douto Tribunal aquela decisão por estarem preenchidos os requisitos para esse efeito exigidos pelo nº 1 do art. 712.º do CPC.

Acresce que, 8.ª O aresto em recurso enferma de um claro erro de julgamento ao julgar a acção improcedente com o argumento de o dano não ter sido invocado nem demonstrado, não só por a matéria de facto alegada nos arts. 31.º, 32.º e 35.º a 37.º integrarem e demonstrarem o prejuízo sofrido pela associada do A., mas, sobretudo, por a regra probatória enunciada no n.º 1 do art. 342.º do C. Civil determinar que o A. apenas tem de alegar e demonstrar os factos constitutivos do seu direito - o prejuízo que sofreu em consequência da não regulamentação pelo legislador do subsídio de desemprego - e já não os factos impeditivos ou extintivos do direito, pelo que é de todo errado considerar-se que o dano não está invocado por o A. não ter alegado factos negativos, maxime que após a situação de desemprego não obtivera qualquer outro trabalho nem qualquer rendimento - uma vez que tal alegação constitui um facto impeditivo ou extintivo do direito ao subsídio e, como tal, compete ao Réu e não ao A..

Para além disso, 9.ª O aresto em recurso enferma igualmente de um claro erro de julgamento quando julga improcedente a acção indemnizatória por considerar que o efeito por ela pretendido não podia ser alcançado por envolver a criação de um sistema de protecção no desemprego por parte do Tribunal, podendo-se dizer que semelhante tese não tem em conta a aplicabilidade imediata do direito em causa, esquece que o direito à indemnização abrange a falta do próprio direito e, sobretudo, permite encontrar a milagrosa solução para o Estado nunca responder civilmente pelos prejuízos que os seus cidadão sofram em consequência de uma omissão legislativa, na medida em que o ressarcimento de tais prejuízos implicaria sempre o reconhecimento de um direito que a lei não lhes concedia.

Na verdade, 10.ª Ao sustentar que se está a pretender que por via judicial seja instituído um regime de protecção no desemprego, o Tribunal a quo encontra a milagrosa solução para o Estado não responder civilmente pelos prejuízos que os seus cidadão sofram em consequência de uma omissão legislativa - pela simples razão que o ressarcimento de tais prejuízos pressupõe sempre a aplicabilidade do regime legal que deixou de ser concretizado para tais cidadãos - esquecendo, porém, que o direito à indemnização distingue-se da realização específica do direito ou interesse violado e que a inexistência deste direito ou interesse principal não impede o nascimento de um direito de indemnização autónomo (v. RUI DE MEDEIROS, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos, 1992, pág. 127).

Para além disso, 11.ª Não pode o Tribunal a quo ignorar a natureza do direito em questão - o qual possui uma natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (v. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, CRP Anotado, 3ª ed., págs. 318 e 320) - e demitir-se das suas obrigações constitucionais, como se tal direito não fosse directamente aplicável e como se não estivesse constitucionalmente vinculado a aplicar tal direito mesmo na ausência de disposição legal, pelo que competia-lhe fazer respeitar e aplicar o direito à protecção no desemprego, assegurando que o cidadão inconstitucionalmente excluído do acesso a tal direito fosse indemnizado pelo prejuízo daí decorrente e, por essa via, tivesse acesso a um direito que constitucionalmente lhe é assegurado (e veja-se que na doutrina vem-se defendendo que, estando em causa um preceito constitucional directamente aplicável, pode o mesmo ser invocado pelos particulares para serem indemnizados - v. RUI DE MEDEIROS, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos, 1992, pág. 127).

Acresce que, 12.ª O ordenamento jurídico Português consagra a responsabilidade civil do Estado pelo exercício ou não exercício da função legislativa (v. art. 22.º da Constituição e o art. 1.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro), sendo pacífico que os efeitos da inconstitucionalidade implicam uma obrigação de indemnizar e que esta cobre a falta do próprio bem devido e os demais danos patrimoniais e morais causados (v. RUI DE MEDEIROS, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos, 1992, pág. 163 e 193), pelo que é por demais notório que o dano abrangido na presente acção e que se pretende ver ressarcido engloba os prejuízos decorrentes da falta de pagamento do subsídio de desemprego reconhecido a todos os demais trabalhadores.

13.ª Neste mesmo sentido se vem pronunciando a nossa mais autorizada jurisprudência, tendo os Tribunais Centrais Administrativos já reconhecido que os prejuízos a indemnizar por inconstitucionalidade por omissão são aqueles que se não teriam sofrido se a concretização legislativa tivesse ocorrido oportunamente (v. Ac. do TCA Norte de 8/03/07, Proc. n.º 00996/04 e do TCA SUL de 21/02/08, Proc. n.º 481/04), pelo que é notório que a associada do A. tinha direito a ser ressarcida do prejuízo decorrente de não ter recebido o subsídio de desemprego pelo período de tempo e no montante reconhecido à generalidade dos trabalhadores.

Por fim, 14.ª Demonstrado que está o desacerto dos argumentos empregues pelo Tribunal a quo para julgar a acção improcedente, mais notório se torna o erro de julgamento em que incorre o aresto em recurso, violando frontalmente o art. 22.º da Constituição e os arts. 1.º a 5.º do, à data em vigor, DL n.º 48051, uma vez que estavam preenchidos no caso sub judicie todos os pressupostos de que dependia a efectivação da responsabilidade civil extra-contratual do Estado por inconstitucional omissão do dever de concretizar o direito à protecção no desemprego - a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano - pelo que, devendo considerar-se provada a matéria de facto alegado nos...

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