Acórdão nº 02453/08.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução15 de Maio de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL DO NORTE.

I.RELATÓRIO SINDICATO DOS TRABALHADORES DA AMINISTRAÇÃO LOCAL, com sede na Rua …, em Lisboa, em representação do seu associado AFBM... (doravante RA), inconformado, interpôs recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que no âmbito da ação administrativa especial de pretensão conexa com atos administrativos que instaurou contra o MUNICÍPIO DO PORTO, julgou improcedente o pedido de anulação da deliberação proferida pela Câmara Municipal do Porto, em 04/11/2008, que lhe aplicou a pena disciplinar da suspensão do exercício de funções.

*O RECORRENTE apresentou as seguintes conclusões de recurso: “1ª - Ao representado do recorrente foi aplicada em 2008 uma pena disciplinar de suspensão, com perda de retribuição por cinco meses por factos ocorridos em 2004.

2ª -Foi dado como provado no Relatório (facto 8º) – único facto pressuposto da aplicação da pena – que “ Ao mesmo tempo, ambos os arguidos se empurraram, lutaram e bateram-se mutuamente, utilizando um ferro para se magoarem um ao outro”, tendo a douta decisão considerado que tal facto se encontrava provado. Ora, 3ª -A convicção da douta decisão e da administração, da prova dos comportamentos do representado do Recorrente teve por fundamento: “ Os factos que motivaram a deliberação impugnada foram essencialmente, considerados provados face ao depoimento prestado pelo funcionário AAMM...

”( fls.8 da douta decisão). Ora, 4ª -Este último foi co-arguido no processo disciplinar e interveniente nos factos ocorridos, pelo que face ao disposto quer no art. 617º do CPC, quer no art.º 133º do Código Processo Penal o seu depoimento não pode servir de base à condenação do representado do recorrente, sob pena de violação daqueles normativos.

5ª - Sobretudo quando, o representado do recorrente no processo de averiguações prestou declarações diferentes das do co-arguido: Trocámos algumas palavras e quando me apercebo ele tinha um ferro na mão, agrediu-me, eu defendi-me com o braço e agarrei o ferro a meio. Ele disse-me “ eu não deixo o ferro”, e eu virei as costas (….) Eu fiquei com um hematoma no lado esquerdo da cabeça e com a mão esquerda e peito magoado. Quando o Sr. Fr… me viu a sangrar, disse me para ir ao médico e para fazer uma participação do sucedido” 6ª- Não sendo menos certo que tal facto – no sentido do representado do recorrente ter agredido ou usado um ferro para agredir o co-arguido - se encontrar em contradição à matéria de facto provada no “ facto 9º” do qual consta:” “ O Ad… com a sua actuação, causou no corpo do Av… contusão na cabeça, costas e mão. Por sua vez, também com a referida actuação, o Av… atirou os óculos do Ad… ao chão”.

Pois, 7ª -Não é uma conclusão lógica dois intervenientes se agrediram e utilizarem um ferro para se agredirem e apenas um deles apresentar contusões na cabeça, costas e mão, e o outro ver atirado os óculos ao chão! 8ª- Assim, a douta sentença ao considerar como provada a matéria de facto constante do “facto 8º “ do Relatório, errou de Direito com violação dos normativos já referidos.

9ª -Não sendo tal facto provado, inexistiam pressupostos legais para aplicação daquela pena disciplinar, devendo a acção ter sido considerada procedente, bem com os demais pedidos deduzidos.

A assim não ser doutamente decidido, 10ª- A douta decisão errou de direito ao considerar que os factos eram enquadráveis, abstractamente, na alínea a) do n.º 2 do artigo 25º do anterior ED, porquanto, os factos ocorreram no serviço e por motivos não ligados ao exercício de funções (antes, por motivos que se desconhecem, mas que aparentam ter uma índole meramente pessoal).

11ª - Foi ainda, entendido pela douta decisão, com erro de direito, que não tinha sido violado o princípio da proporcionalidade na aplicação da pena que priva o representado do recorrente de cinco meses de retribuição, pese embora: a) os factos terem ocorrido em 2004 e a pena ter sido aplicada em 2008 b) de não ter havido qualquer prejuízo para a administração c) de a situação ter ocorrido fora do horário de trabalho d) bem como o facto de não haveres precedentes de ilícito disciplinar praticados pelo representado do Recorrente”.

Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, e a sua substituição por outra que julgue procedente a ação proposta.

*O RECORRIDO contra-alegou, apresentando, por sua vez, as seguintes conclusões: “A-A sentença recorrida fez um correcto enquadramento de facto e de Direito no caso em apreço, pelo que nenhum vício pode à mesma ser assacado; B- Existe nos autos prova bastante que demonstre a prática, por parte do Recorrente, das infracções disciplinares pelas quais foi punido, inclusivamente do facto 8.º da matéria assente no Relatório Final; C- A prova dos factos integradores da infracção disciplinar é determinada, face aos elementos existentes no processo, pela convicção do instrutor, estando, consequentemente, sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, isto é, segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente; D- De acordo com o princípio da imediação, deve presumir-se que a percepção do instrutor e a convicção deste último face à prova constante no processo disciplinar é a mais correcta, sendo que, no caso em apreço; E- O Senhor Ad… não foi ouvido judicialmente enquanto parte, pelo que são inaplicáveis ao caso em apreço os artigos 133.º do CPP e 617.º do CPC; F- Nos termos do artigo 55.º, n.º 2 do Estatuto Disciplinar então aplicável, o instrutor disciplinar deverá ouvir o arguido na fase de instrução sempre que o entender conveniente, tendo sido por esse motivo que o Recorrente e o Senhor Ad… foram ouvidos; G- Era abstractamente aplicável, tendo em conta o quadro legal então vigente, a aplicação da pena de inactividade ao Recorrente, sendo que nas hipóteses em que a medida se situa dentro de um círculo de medidas possíveis, deve considerar-se proporcionada e adequada aquela de que a administração se serviu.

*O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negada procedência ao recurso.

***II.FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.1 MATÉRIA DE FACTO A sentença recorrida deu como assentes, com relevância para a decisão a proferir, a seguinte matéria de facto:

  1. O representado do A. é funcionário do Município do Porto, exercendo as funções de vigilante de parques e jardins infantis – cfr. doc. 6 junto com o requerimento inicial dos autos apensos.

B) Os factos imputados ao representado do requerente e que originaram a aplicação da pena de suspensão ocorreram no dia 4 de Março de 2004. – cfr. doc. 5 junto com o requerimento inicial dos autos apensos.

C) No dia 15 de Março de 2004 foi instaurado processo disciplinar ao representado do A. – cfr. fls. 38 do P.A..

D) No dia 17 de Agosto de 2005 foi elaborada a respectiva nota de culpa. – cfr. fls. 86/88 do P.A. que se dão por reproduzidas.

E) O representado do A. apresentou a defesa constante de fls. 108/110 do P.A. que se dão por reproduzidas.

F) No dia 9 de Novembro de 2007 foi elaborado “relatório” do qual se transcreve o seguinte: (….) “Do confronto de toda a prova produzida, das declarações dos arguidos, da referida defesa escrita, dá-se como provado que: Facto 1º - Os arguidos Ad… e Av… são funcionários desta Câmara, ambos exercendo funções no Jardim do C..., pelo menos desde 4/Março/2004, como vigilante/guarda.

Facto 2º - No dia 4/Março de 2004, o Av… encontrava-se na Casa do Pessoal do Jardim do C..., por volta das 7h 30.

Facto 3º - Por volta das 7h 35, entra na referida casa o arguido Ad….

Facto 4º - Ambos iniciavam o seu trabalho às 8 horas.

Facto 5º - Após uma troca de palavras, em discussão mútua, respeitante à vida privada de ambos, Facto 6º - sem qualquer explicação ou motivo aparente, o Av...disse para o Ad...“anda meu filho da puta, vai ser hoje”, ao que o Ad...respondeu ao Av…, “olhe se a sua mãe ouve”.

Facto 7º - Estas palavras tiveram a intenção de ofenderem a integridade moral de ambos e foram proferidas em voz alta.

Facto 8º - Ao mesmo tempo, ambos os arguidos se empurraram, lutaram e bateram-se mutuamente, utilizando um ferro para se magoarem um ao outro.

Facto 9º - O Ad…, com a sua actuação, causou no corpo do Av...contusão na cabeça, costas e mão. Por sua vez, também com a referida actuação, o Av...atirou os óculos do Ad...ao chão, danificando-os.

Facto 10º - Os arguidos sabiam que estavam na instalação desta Câmara, seu local de trabalho, quando praticaram os factos atrás descritos.

Facto 11º - Apesar disso, agiram de forma livre a consciente e tinham conhecimento de que a sua conduta não lhes era permitida.

Facto 12º - Os colegas dos arguidos souberam de imediato dos factos aqui descritos.

O instrutor formou a sua convicção de dar os factos como provados com os seguintes elementos probatórios: (por remissão, ao abrigo do art. 125º nº 1 do C.P.A.): Na prova documental existente: bem como na testemunhal, a saber: Facto 1º: fls. 1 e ss. 18 e ss, 41 e ss, declarações de fls. 21 e s. 35 e ss.

Factos 2º a 12º: fls. 1 e ss. 7 e ss 18, 46 e ss, declarações de fls. 21 e s, 35 e s, depoimentos de fls. 23, 30 e s, 32 e s.

(…) Com relevância para a decisão não se provou que o Av...apenas tivesse segurado o ferro, em sua defesa e os óculos do Ad...caíram para o chão com o oscilar do ferro.

Face à matéria dada como provada, os arguidos incorreram na prática de duas infracções disciplinares. Com efeito, preenchida a respectiva tipicidade objectiva e subjectiva, os factos provados constituem a prática de duas infracções disciplinares, pois cada um dos arguidos violou por duas vezes o dever geral de correcção (art. 3º nº 1 do E.D.).

(...)...

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