Acórdão nº 02897/13.5BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução15 de Maio de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO DO NORTE.

I.RELATÓRIO MJSP..., com os sinais nos autos, inconformado, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 28.01.2014, que julgou improcedente a providência cautelar por si requerida contra o MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, de suspensão de eficácia do despacho emanado pelo Senhor Ministro da Defesa Nacional, em 06 de novembro de 2013, que lhe aplicou a sanção disciplinar de demissão.

*O RECORRENTE, nas alegações de recurso que apresentou, formulou as seguintes conclusões: “1.ª) O Recorrente requereu providência cautelar com vista à suspensão da eficácia do ato administrativo praticado por Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional que lhe aplicou a sanção disciplinar de demissão, no âmbito do processo disciplinar que correu seus termos sob o n.º 7.../2012-0814 pelo Comando Local da Polícia Marítima de Lisboa.

  1. ) O Exmo. Senhor Juiz do Tribunal a quo entendeu apenas estar verificado o requisito do “fumus non malus iuris”, atendendo a que se trata do pedido de decretamento de uma providência cautelar de natureza conservatória.

  2. ) Todavia, de tudo o alegado e da prova junta aos autos, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, encontram-se verificados os restantes requisitos: a) periculum in mora; e b) o da ponderação entre os interesses privados e públicos presentes na situação em apreço.

  3. ) No tocante ao periculum in mora, diga-se, em abono da verdade, que o Recorrente alegou a composição do seu agregado familiar, isto é, alegou que vive com sua mulher e suas duas filhas, menores com seis e nove anos de idade.

  4. ) Alegou ainda que as despesas com o seu agregado familiar eram, em grande medida suportadas pelo produto do seu trabalho, uma vez que a sua mulher auferia uma retribuição mensal de cerca de €732,00 líquidos.

  5. ) O Recorrente referiu-se, é certo, sobretudo a despesas familiares de primeira necessidade como é o caso da alimentação do seu agregado familiar e despesas com a educação das suas filhas menores.

  6. ) O Recorrente ao alegar que as despesas do seu agregado familiar eram suportadas, em grande medida, pelo vencimento auferido do seu trabalho enquanto agente de 1.ª classe da Polícia Marítima, pretendeu significar que o outro rendimento disponível para o agregado familiar o vencimento da sua mulher era, e é, manifestamente inferior ao seu e insuficiente, por si só para fazer face a todas as despesas daquele agregado, não existindo quaisquer outro rendimento ou rendimentos.

  7. ) Daqui outra conclusão não poderia ser retirada do que a de o Recorrente não dispor de outros rendimentos (facto negativo).

  8. ) Também não é razoável que se diga, como o faz a sentença objeto do presente recurso, que o Recorrente possa habitar em casa dos pais, desde logo por ter alegado a composição do seu agregado familiar e, como se alcança desta, os seus pais não integram aquele núcleo, não existindo co-habitação com os mesmos. De todo o modo, sempre se diga que os pais do Recorrente vivem a mais de 300 quilómetros de distância, pelo que seria excessivo impor-se ao Recorrente e ao seu agregado familiar que mudassem radicalmente de vida, desde logo, de ambiente social onde residem.

  9. ) Ao que acresce que as filhas menores se encontrarem, pelas suas idades, a frequentar a escola obrigatória na área da residência do Recorrente e da sua mulher, o que exige que se mantenha a estabilidade natural de aquelas continuarem a cumprir as suas rotinas diárias.

  10. ) Também não é aceitável a conclusão baseada em suposições ancoradas no facto de o Recorrente poder dispor de outros rendimentos (a ausência de outros rendimentos resulta desde logo da afirmação de as despesas com o agregado familiar, repete-se, serem suportadas pelos vencimentos do casal) ou habitar em casa dos pais e, desse jeito, ficar “dispensado dos normais encargos com habitação e, até alimentação (sic).” [sublinhado nosso] 12ª) Aliás, pelo alegado na petição da providência cautelar, os encargos com a alimentação do agregado familiar são suportados pelo casal (Recorrente e sua mulher).

  11. ) Logo, se atentarmos na circunstância de o agregado familiar, por força do acto administrativo cuja suspensão da eficácia do acto se pretendia obter com o decretamento da providência cautelar, passar a dispor de cerca de €732,00 e dividirmos este valor per capita, resulta que cada um dos quatro elementos do agregado familiar dispõe apenas de €183,00.

  12. ) Tal montante é, como decorre das regras da experiência comum, manifestamente insuficiente para fazer face a despesas com alimentação de cada componente do agregado familiar, tanto mais que ele é composto por duas menores em pleno desenvolvimento físico e psicológico, as quais, por estarem em fase escolar, implicam o dispêndio de dinheiro com despesas de educação (que terão naturalmente de incluir as despesas com livros e material escolar e, até, vestuário).

  13. ) É pois tendo em consideração apenas estas despesas de primeira necessidade (alimentação, habitação e educação) que se alegou ser o montante de cerca de €732,00 líquidos manifestamente insuficientes a uma vida familiar condigna.

  14. ) Tendo em consideração as delongas temporais que a acção principal possa ter (desde logo pelo seu carácter natural de não constituir um processo urgente e os prazos serem mais longos), isso traduzir-se-á no agravamento da situação económica do Recorrente e, por via disso, de reparação difícil.

  15. ) Está, assim, verificado o requisito do periculum in mora.

  16. ) No que respeita ao requisito de, atendendo à ponderação dos interesses públicos e privados em causa, dever a providência cautelar ser recusada se os danos que resultariam da sua concessão forem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa.

  17. ) A não verificação deste requisito por parte do Tribunal a quo ancorou-se na circunstância deste considerar que o prejuízo ou dano resultante do não deferimento da providência será menor do que o adveniente para o interesse público na sua “não manutenção ao serviço”.

  18. ) E o dano para o interesse público decorreria da circunstância de o Recorrente continuar a contactar com os seus colegas e com o público, ao que acresce o desempenho das funções “a coberto das quais terá praticado os factos pelos quais foi condenado em sede de processo crime e, em sede disciplinar, acusado e sancionado.

    ” (sic) [sublinhado nosso].

  19. ) O Tribunal a quo laborou em erro, na medida em que, contrariamente ao que na douta sentença é referido, o Recorrente foi absolvido do processo crime instaurado contra si (aliás, não se compreende este argumento uma vez que da matéria de facto dada, ainda que perfunctoriamente, provada em sede de procedimento cautelar, nada consta relativo a esse circunstancialismo).

  20. ) Por outro lado, diga-se em abono da verdade que mal andou o Tribunal a quo ao considerar que os eventuais factos geradores de responsabilidade penal pelos quais o Recorrente foi acusado no processo - crime – mas dos quais foi, a final, absolvido – deram origem ao procedimento disciplinar que culminou com a prática do acto administrativo que com a providência cautelar se pretendia a suspensão da sua eficácia.

  21. ) Na verdade, como consta dos factos fixados com interesse para a decisão proferida, na alínea b) do ponto 4., o processo disciplinar através do qual foi aplicada a sanção de demissão, cuja suspensão da eficácia se requereu, assentou em uma suposta ausência voluntária do Recorrente ao trabalho, isto é, assentou em um suposto abandono de lugar.

  22. ) Não existe, pois, identidade factual entre o processo-crime e o processo disciplinar onde foi aplicada a sanção de demissão, razão pela qual a apreciação da afirmação de um dano superior para o interesse público fica, necessariamente, afastada.

  23. ) Além de que, no decurso do processo disciplinar que culminou na aplicação da sanção de demissão, por se ter considerado que o Recorrente faltou voluntariamente ao trabalho, jamais foram aplicadas a este quaisquer medidas cautelares, desde logo a de constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 75.º do Regulamento Disciplinar da Polícia Marítima (a suspensão preventiva), tendo o Recorrente continuado a exercer as suas funções, contactando quer com colegas, quer com o público.

  24. ) Por isso, atendendo à suposta factualidade que originou a sua condenação em processo disciplinar – o suposto abandono de lugar – não parece adequado ao interesse público as razões de prevenção especial e de prevenção geral para que, desse jeito, a providência requerida não possa ser decretada.

  25. ) Aliás, se durante o tempo que decorreu entre a instauração do procedimento disciplinar (em 23 de Março de 2012) e a notificação da decisão punitiva (18 de Novembro de 2013), a entidade administrativa não considerou dever suspender preventivamente o Recorrente, continuando o mesmo a exercer as suas funções, não se logra compreender que agora se invoque um dano maior para o interesse público se acaso a providência tivesse sido decretada.

  26. ) A decisão ora recorrida viola, pois, o disposto na alínea b) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 120.º do C.P.T.A., razão pela qual deve ser revogada e, em consequência, ser substituída por outra que considere verificados os requisitos necessários e, assim, ser deferida a providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo de aplicação da sanção de demissão.

    Conclui, pedindo a revogação da decisão recorrida e que, em sua substituição seja decretada a providência requerida, com as legais consequências.

    *O RECORRIDO contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões: “1) No âmbito do procedimento cautelar interposto pelo ora Recorrente, este requereu a suspensão da eficácia do despacho da autoria de Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional, em resultado de procedimento disciplinar contra si instaurado e que lhe aplicou sanção disciplinar de demissão, tendo, no entanto, o Tribunal a quo...

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