Acórdão nº 00273/07.8BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelPedro Nuno Pinto Vergueiro
Data da Resolução15 de Maio de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO J...

, devidamente identificado no autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 19-10-2012, que julgou improcedente a pretensão deduzida pelo mesmo na presente instância de OPOSIÇÃO com referência à execução originariamente instaurada contra a sociedade “Garagem N…, Lda.”, e contra si revertida, por dívidas de I.S.P. à Alfândega de Braga da DGAIEC, referentes aos anos de 2000 a 2003.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 232-265), as seguintes conclusões que se reproduzem: “(…) 1ª O Recorrente não é responsável pelo pagamento da quantia exequenda em dívida nestes autos, porquanto não exercia funções de gerente de facto na sociedade em causa.

2º O recorrente desconhecia, à data dos factos, se o gasóleo colorido era vendido, ou não, a quem fosse titular dos cartões com microcircuito, porquanto o recorrente nunca tratou diretamente desse tipo de assuntos.

3º O recorrente apenas se tornou sócio da Garagem N… em Julho de 1998, e a alegada venda irregular de combustíveis já se verificava desde 01.10.97, pelo que a venda ilegal de combustível não lhe é imputável! 4ª Consideramos que, atentos os circunstancialismos do caso, a prova testemunhal que foi feita e as demais considerações jurídicas que se aludiram, não se encontram preenchidos os pressupostos relativos ao exercício de facto da gerência por parte do recorrente e relativamente à alegada venda irregular de combustíveis, que, inclusive, já se verificava desde 01.10.97.

5º Pensamos, com o devido respeito, que o recorrente provou, em suma, que apesar de ser sócio nominal da sociedade Executada originária, a verdade é que nela nunca exerceu quaisquer funções como gerente da mesma, máxime funções que contendam com a alegada venda irregular de combustíveis.

6º Julgamos fundamental o depoimento da testemunha Jo..., que confirmou que desde que passou a exercer funções de TOC na sociedade executada, nunca tinha qualquer contacto com o oponente, pois a gestão do posto sempre estivera a cargo do seu sócio, esclarecendo ainda que o único acto espontâneo do recorrente como gerente da sociedade, foi quando, em 2004 o posto foi encerrado e aí começou a “dar a cara”, coisa que até então nunca tinha feito, já que o seu sócio simplesmente desaparecera.

7º Quanto à prova documental, consideramos que os documentos juntos não são congruentes e susceptíveis de firmar a convicção ao Tribunal de que a gerência foi de facto relativamente à venda ilegal do gasóleo colorido, até porque são documentos não correlacionados com os factos que aqui se discutem, e que manifestam, no máximo, uma prática isolada.

8º Ora, em abono, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 2 de Fevereiro de 2012, Processo 00273/09.3BEPNF, veio informar, em suma, que “para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de actos isolados praticados pelo Oponente” (neste sentido, cfr. igualmente o Ac. do TCA-N de 11-03-2010, proferido no processo n.º 00349/05.6BEBRG).

9ª Um acto isolado praticado pelo Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária num momento concreto não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade (Cfr. Acórdão do TCA Norte de 12.20.2011, proferido no processo 00639/04.5BEVIS).

10º Mais: a circunstância do pacto social da sociedade em causa estipular a necessidade da assinatura de dois sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido no que ao caso diz respeito, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, e isto porque o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 8 de Junho de 2010, Processo 03846/10, veio considerar que “a circunstância do revertido ser um dos dois gerentes nomeados, cujas assinaturas conjuntas constituíam requisito indispensável para obrigar a sociedade, executada originária, não constitui indício seguro e bastante à presunção “hominis” do exercício efectivo do cargo” 11º O recorrente continua a discordar em absoluto da junção dos documentos, efetuada pela Administração Tributária e Aduaneira, que considera tardia, pelos motivos que já melhor aludiu.

12ª Consideramos que a matéria constante dos quesitos 11 a 13 da base instrutória deve ser considerada irrelevante, constituindo-se como prova não capaz e suficiente de gerar a convicção de que se encontram preenchidos os pressupostos relativos ao exercício de facto da gerência.

13º A jurisprudência (cfr. p. ex. Ac. do STA de 02-03-2011, proferido no processo n.º 0944/10) tem entendido que o ónus da demonstração do exercício efectivo da gerência cabe à Administração Tributária e que tal demonstração deverá ser feita mediante a exposição de factos que a demonstrem, no próprio despacho de reversão, o que in casu não aconteceu.

(cfr. p. ex. Ac. do TCA-N de 08-04-2010, proferido no processo n.º 00351/05.8BEBRG).

14ª De facto, na altura, a Fazenda Pública limitou-se a verificar documentalmente a qualidade de gerente nominal do obrigado subsidiário, e, constatada a qualidade de gerente de direito, limitou-se a propor a reversão da execução, sem alegar e provar um único facto que pudesse demonstrar o exercício efetivo e de facto da gerência da “Garagem N…, Lda” por parte do ora requerente.

15ª A Fazenda Pública não goza de qualquer presunção legal no sentido de que a gerência de direito faz presumir a gerência de facto, pelo que não gozando de qualquer presunção legal (como ocorre com a “culpa” à luz do art. 13º CPT e art. 24º n.º 1 b) LGT) aplica-se a regra geral em matéria de ónus da prova: “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da gerência tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

(Cfr. art.º 74º, n.º 1 da LGT 16º Daí se concluir que não gozando a Fazenda Pública de qualquer presunção legal, cabia-lhe alegar e demonstrar, factos que comprovem o exercício de facto da gerência pelo aqui recorrente, sobretudo logo quando citou o recorrente do processo de reversão, o que não fez.

17ª Assim, a Fazenda Pública desleixou, aquando o despacho de reversão, o dever de prova (cfr. art.74º, n.º 1 da LGT) a par do dever geral de fundamentação (cfr. arts. 23º, n.º 4 e 77º da LGT), pelo que é desde logo ilegal o Despacho de Reversão, quer pela violação clara do dever de fundamentação, quer pela inexistência dos pressupostos formais legitimantes da presente reversão (Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11-03-2010, Processo n.º 00349/05.6BEBRG).

18º Os documentos que tardiamente foram juntos pela Administração Fiscal, e já muito depois do despacho de reversão, não têm a virtualidade de abalar a prova que foi produzida a favor do recorrente, porquanto se tratam de documentos não correlacionados com a questão sub judicio, o que tudo determina a ilegalidade da reversão.

20ª É assertivo, à luz da prova produzida, que a AT não demonstrou qualquer circunstância de facto apta a permitir inferir a gerência do recorrente em qualquer daqueles referidos anos de 2000, 2002 e 2003, e com referência aos factos do caso sub judice, o que, acarreta, necessariamente, que, no caso vertente, se conclua pela inverificação dos pressupostos legais à responsabilização subsidiária da recorrente, enquanto gerente da executada originária, sendo, por isso, aliás, parte ilegítima para a execução.

Sem prescindir, 21ª Nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, a responsabilidade subsidiária prevista na LGT, assenta num critério de culpa subjetiva, baseada na ligação umbilical entre as funções desenvolvidas e a falta de pagamento das obrigações fiscais.

22ª No caso, e como se demonstrou, inexiste qualquer culpa do recorrente na falta de pagamento da dívida exequenda em débito, pois: o recorrente só era gerente de capital, e apenas assim se tornou tendo em vista um retorno de investimento, não tem qualquer responsabilidade pelo não cumprimento das obrigações tributárias da originária devedora, a falta de pagamento da taxa de ISP não decorre de atos da sua gestão, o recorrente não tem sequer os conhecimentos necessários inerentes ao funcionamento de um posto de gasolina e não tem conhecimento das obrigações fiscais inerentes à comercialização de produtos petrolíferos.

23ª Em cumulação, entendemos que o despacho de reversão que foi produzido pela Administração Tributária padece de inconstitucionalidade por violação da reserva de jurisdição dos Tribunais, preceituada no art.º 202º da CRP, e tudo pelas razões que melhor explicamos e por consideração aos ensinamentos produzidos pelo douto aresto do Supremo Tribunal Administrativo de 26.01.05, Proc. 01890/03, sob pena de vício de usurpação de poder.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve a decisão recorrida na parte aqui impugnada ser revogada, substituindo-a por outra que determine a procedência do presente recurso, conforme alegado e concluído, seguindo-se os demais termos legais, assim se fazendo a costumada e boa JUSTIÇA.” A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

  1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões sucitadas pela recorrente resumem-se, em suma, em apreciar o julgamento da matéria de facto, tendo presente o momento da junção de documentos efectuada pela Recorrida e em saber se o ora Recorrente exerceu a gerência...

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