Acórdão nº 00656/11.9BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelCarlos Luís Medeiros de Carvalho
Data da Resolução23 de Março de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO S. …, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Coimbra, datada de 09.11.2011, que julgou improcedente pedido de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias que a mesma havia deduzido nos termos do art. 109.º do CPTA contra o atual “MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA CIÊNCIA”, igualmente identificado nos autos, e no qual peticionava que este fosse intimado a proceder à reapreciação imediata da sua prova escrita da 1.ª fase do exame nacional [prestada pela requerente em 28.06.2011 à disciplina de Físico-Química A] com vista ao ingresso no ensino superior, permitindo-lhe a candidatura na 1.ª fase do concurso de acesso ao ensino superior do ano letivo de 2011/2012 em função da nota final resultante dessa reapreciação e da preferência regional de que beneficiava nessa fase “… assegurando-lhe o ingresso num qualquer curso que venha a escolher e para que tenha nota, criando, se necessário, uma vaga adicional no curso escolhido …” ou, caso não se consiga assegurar aquela reapreciação “… atribuir à requerente naquele exame a nota máxima que poderia alcançar em sede de reapreciação do exame ou, no mínimo, a nota de 10,5 valores e a permitir que a requerente se candidate na l.ª fase do concurso com essa nota e com a preferência regional de que beneficiava, admitindo-a no curso de enfermagem da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, ainda que, se necessário, através da criação de uma vaga adicional, e permitindo-lhe frequentar de imediato tal curso …”.

Formula, nas respetivas alegações (cfr. fls. 73 e segs. e correção de fls. 122 e segs. na sequência de despacho de fls. 117/118 - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem: “… 1.ª O aresto em recurso enferma de um claro erro de julgamento, violando frontalmente o direito fundamental de acesso ao ensino superior em condições de igualdade, consagrado nos arts. 74.º e 76.º da Constituição, as regras que presidem ao ónus da prova e à sua inversão nos termos do n.º 2 do art. 344.º do C.Civil e ainda os arts. 20.º, 28.º a 31.º e 34.º do Despacho Normativo n.º 19/2008, de 19 de Março, que, em concretização do direito de acesso ao ensino superior, asseguram o direito à revisão das notas dos exames e determinam que só a nota final resultante dessa reapreciação é que conta para efeitos da média final com que os alunos se candidatam ao ensino superior.

Com efeito, 2.ª Tendo dado por provado que a recorrente ingressaria no curso de enfermagem se na revisão solicitada e nunca realizada do exame obtivesse a nota mínima de 10,5 valores, o Tribunal a quo não poderia ter deixado de julgar procedente a intimação peticionada, sob pena de deixar perpetuar a violação do direito fundamental à igualdade no acesso ao ensino superior, pois, enquanto todos os demais candidatos ao ensino superior tiveram o direito e a possibilidade de requerer a reavaliação dos exames efetuados, tendo-se candidatado com as notas resultantes dessa reavaliação e reapreciação, a ora recorrente viu ser cerceado o seu direito à reavaliação da nota do exame de Física e Química, tendo sido obrigada, por força de uma conduta que lhe é alheia, a candidatar-se ao ensino superior com uma nota que não foi objeto de reapreciação em sede de recurso.

Na verdade, 3.ª Determinando a lei que só a nota da reapreciação do exame é que constitui a nota final de ingresso no ensino superior, é notório que a ora recorrente só será colocada em situação idêntica à dos demais candidatos se as entidades demandadas procederem à revisão do exame da 1.ª fase - o que ao que parece é impossível por não encontrarem o exame - , se provarem que nele a recorrente não poderia obter sequer a nota de 10,5 valores - o que se nos afigura difícil, face àquele desaparecimento - ou, não conseguindo fazer nem uma nem outra coisa, se permitirem que ela se candidate ao ensino superior com, pelo menos, aquela nota mínima de 10,5 valores.

Por isso, 4.ª O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao sustentar que a discriminação negativa de que entendeu ser vítima a recorrente apenas deveria e poderia ser reparada através de uma indemnização, como se esta fosse um sucedâneo do direito à igualdade no acesso e os administrados apenas tivessem direito a ser indemnizados mas já não a efetivar os seus direitos, o que representa um entendimento incompatível com o direito à tutela judicial efetiva e conduziria à eliminação por via jurisprudencial das intimações para proteção de direitos, liberdades e garantias - as quais seriam substituídas por simples ações de indemnização.

Acresce que, 5.ª Tendo a recorrente alegado nos arts. 7.º e 25.º da p.i. que tinha direito e conseguiria alcançar em sede de revisão do exame pelo menos a nota de 10,5 valores e tornando-se essa prova impossível em virtude de a Escola que tinha o exame à sua guarda o não encontrar, inverteu-se o ónus da prova e teriam de ser as entidades demandadas a suportar as consequências de não terem logrado provar que a aluna não conseguiria em sede de revisão obter aquela nota mínima, razão pela qual o aresto em recurso incorreu em erro de julgamento, violando frontalmente o disposto no n.º 2 do art. 344.º do C.Civil, ao não dar por provado que em sede de revisão do exame de Física e Química a A. teria obtido pelo menos a nota mínima de 10,5 valores.

Consequentemente, 6.ª O Tribunal a quo demitiu-se completamente da sua função - pois reconhece a violação do direito à igualdade no acesso ao ensino superior e deixa-a por reparar, remetendo, ao arrepio do direito à tutela judicial efetiva, a A. para uma ação de indemnização que não lhe assegura a efetivação do direito violado e lhe hipotecará todo o seu futuro profissional - e nem sequer atendeu ao que a lei determinava, rebelando-se de forma encapotada contra a regra do n.º 2 do art. 344.º do Código Civil e acabando por inverter por via judicial a inversão do ónus de prova efetuada pela lei …”.

O ente público requerido, ora recorrido, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 95 e segs.), sustentando a manutenção do julgado, tendo para o efeito concluído: “… 1. Atento ao disposto nos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 668.º, n.º 3 e 4 e 685.º-A, todos do CPC, ex vi do art. 140.º do CPTA e, ainda, o art. 149.º do mesmo diploma legal, o Tribunal de recurso, em sede de apelação, não se limita a analisar a decisão judicial recorrida, uma vez que, ainda que a declare nula, decide «… sempre o objeto da causa conhecendo de facto e de direito …».

  1. Dos pontos 28.1, 31.4, 31.5 e 31.10 do Despacho Normativo n.º 19/2008, com a redação que lhe foi dada pelo Despacho Normativo n.º 7/2011 resulta que, a instâncias de um pedido de reapreciação das provas de exame, é legítima e procedente a retificação de eventuais erros que o professor relator verifique na transcrição das cotações, a retificação de eventuais erros que o professor relator verifique na soma das cotações da totalidade dos itens da prova, o professor relator aprecia as questões alegadas pelo aluno e outras questões que poderão ser objeto de alteração por discordância com a classificação atribuída pelo classificador e propõe e fundamenta devidamente a nova classificação a atribuir à prova, de valor inferior, igual ou superior à inicial; 3. A Recorrente argui que à sua prova correspondia pelo menos a nota de 10,5 valores contudo, não alegou nem provou que a classificação resultante da reapreciação nunca seria igual ou inferior à classificação atribuída aquando da classificação da prova, nem inferior à almejada, sendo que, alegar uma realidade não significa tacitamente alegar a outra, pois, a Recorrente tal como dimana de fls. 3 e 4 do PA, apenas se reporta a algumas questões.

  2. Do ponto de vista do professor relator nomeado, algumas outras questões não aportadas à colação pela Recorrente, poderiam ter uma cotação superior à devida, o que demandaria a uma nova cotação e a atribuição de uma eventual nota inferior a 8,5 valores, igual ou superior mas situada aquém da almejada pela Recorrente.

  3. A Recorrente não alegou que as demais questões estariam corretamente cotadas e que, por via disso, seria de todo impossível uma nova cotação in pejus, em conformidade com o disposto pontos 31.4, 31.5 e 31.10 do Despacho Normativo nº 19/2008, de 19 de Março … e, desta forma, a questão da alegação situa-se a montante do regime do ónus probandi.

  4. A Recorrente, no exame da primeira fase, alcançou a classificação de 8,5 valores, contudo entende que, caso determinadas questões (Grupo I - item 3 e 4; Grupo IV - item 3 e Grupo V - item 2) venham a sofrer uma cotação mais elevada, poderia obter a classificação de pelo menos 10,5 valores; 7. A eventual alteração da nota pretendida pela Recorrente, não seria fruto exclusivo do único fator alegado pela Recorrente, ou seja, não poderia resultar exclusivamente de uma alegada irregular cotação nas questões por si apontadas.

    Na verdade; 8. Um outro fator ex vi pontos 31.4, 31.5 e 31.10 do Despacho Normativo n.º 19/2008, de 19 de Março … se impunha, ou seja, a possibilidade de se verificar que as demais questões poderiam, eventualmente, estar sobre cotadas, o que demandaria a sua correção.

  5. In casu, até poderia ser dado provimento à questão suscitada pela Recorrente no pedido de revisão da nota contudo, na sequência de tal revisão, também poderiam resultar alterações nas demais questões tendo como consequência a manutenção da nota, a sua alteração para um valor superior à inicial mas inferior a 10,5 valores, ou até mesmo para um valor inferior ao inicial, pois, sendo a nota 8,5 valores não estaria em causa a reprovação da aluna.

  6. Ex vi princípio dispositivo, sobre as partes impende a obrigação de alegarem e demonstrarem, designadamente, no âmbito da causa de pedir, os...

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