Acórdão nº 00007/19.4BCPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução08 de Abril de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO O CENTRO HOSPITALAR (...), E.P.E, com os sinais dos autos, vem deduzir contra MR.

, S.A., CO.

, S.A., TO.

, S.A. e MC-, S.A., a presente IMPUGNAÇÃO ANULATÓRIA “(…) DE ACÓRDÃO ARBITRAL, proferido a 11 de março de 2019 no âmbito de arbitragem ad hoc MR., S.A., MC-s, S.A., CO., S.A. e TO., S.A. Vs, CENTRO HOSPITALAR (...), S.A., sediada no Instituto de Arbitragem Comercial da Associação Comercial do Porto (…)”, que condenou o Autor a pagar às Rés “(…) a quantia de EUR 4.784.467,22 (quatro milhões setecentos e oitenta e quatro mil, quatrocentos e sessenta e sete euros e vinte e dois cêntimos) referente a sobrecustos (…)”, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser o dito acórdão arbitral parcialmente anulado “(…) nas partes em que este condenou o aqui Autor a pagar às aqui Rés: a) os sobrecustos do Subempreiteiro no valor de EUR 823.691,00; b) os sobrecustos de mão de obra indireta, instalações, equipamentos seguros e garantias relativos às prorrogações de prazo que constam dos PT 9.5 e 9.6, no valor de EUR 387.978,96; e c) os sobrecustos de estrutura central relativos às prorrogações de prazo que constam dos PT 9.5 e 9.6, no valor de EUR 340,180,90 (…)”.

Fundamenta tais pretensões jurisdicionais, brevitatis causae, no entendimento de que o acórdão arbitral (i) “(...) ultrapassou o âmbito da convenção de arbitragem, pelo que deve ser anulado, na parte em que condenou o aqui Autor a pagar o montante correspondente aos sobrecustos reclamados pelo Subempreiteiro EP. (…)”, bem como (ii) “(…) conheceu de uma questão de que não podia conhecer e condenou o aqui Autor em objecto diverso do que foi pedido (…)”.

* Regularmente citadas, as Rés contestaram, em tempo, tendo suscitado matéria excetiva e pugnado pela improcedência da presente ação.

* O Autor respondeu à suscitada matéria excetiva, tendo concluído pela improcedência da mesma.

*O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

* Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

De facto, examinando a factualidade invocada pelas partes e relevante para decisão do pedido formulado pelo Autor, a argumentação jurídica esgrimida por ambas as partes, e ainda o acervo documental que já se encontra junto aos autos, impera concluir que estes autos permitem conhecer imediatamente do mérito da causa, com apreciação total das pretensões expostas pelo Autor, revelando-se desnecessária a produção de qualquer prova adicional.

* *II – DA MATÉRIA EXCETIVA Na contestação inserta a fls. 1527 e seguintes dos autos [suporte digital], as Rés invocam, a título excetivo, a (i) “inclusão no objeto do litígio do pedido dos sobrecustos associados aos PT 9.5. e 9.6”; (ii) o “abuso do direito e enriquecimento sem causa”; (iii) a existência de um “recurso camuflado” na presente ação; (iv) a “renúncia e/ou preclusão” do direito do Autor a impugnar o acórdão arbitral; e (v) a “inadmissibilidade de anulação parcial” do acórdão arbitral.

Mas, salvo o devido respeito, sem qualquer amparo de razão.

Na verdade, a contradição do entendimento formulado pelo Autor e apresentação por parte das Rés daquele que entende ser o verdadeiro não deixa de se conter nos limites da impugnação, mantendo-se a sua característica: a não aceitação dos factos “maxime” porque não passaram da forma descrita pelo A.

Realmente, o nº 2 do artigo 571º do C.P.C., ao dizer no que consiste a defesa por impugnação, fá-lo de forma abrangente através das expressões “contradiz os factos” “ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo A.” Assim, sendo essa a sua natureza substancial, a alegada “inclusão no objeto do litígio do pedido dos sobrecustos associados aos PT 9.5. e 9.6” não consubstancia a invocação de qualquer matéria excetiva em sede contenciosa, irrelevando a sua integração no domínio excetivo.

O mesmo sucede com a suscitada questão do enriquecimento ilícito, já que esta temática contende, não com a existência de circunstâncias obstativas do conhecimento dos argumentos da ação, mas antes com validade [ou invalidade] mesmos quanto ao desfecho da ação, o que, como está bom de ver, ultrapassa o escopo da presente análise.

Por sua vez, não se deteta na conduta do Autor qualquer excesso processual manifesto suscetível de integrar abuso do seu direito a determinar.

Na verdade, o âmago do conceito de abuso do direito encontra-se lapidarmente balizado – então ainda de jure constituendo - pelo Professor Manuel de Andrade – Teoria Geral das Obrigações, Coimbra, Almedina, 1963, página 63 – para quem “grosso modo, existirá um tal abuso, quando, admitindo um certo direito como válido [isto é não só legal, mas também legítimo, razoável] todavia, no caso concreto, ele aparece exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça [ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito]”.

Ora, os argumentos expendidos pelo Autor resultam apenas do normal exercício do direito de ação que lhe assiste ao abrigo do disposto no nº.3 do artigo 46º da Lei nº. 63/2011, de 14 de dezembro, que aprovou a Lei de Arbitragem Voluntária, que possibilita a impugnação judicial de sentença arbitral com fundamento, de entre outros, quando esta (i) se pronuncie sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contiver decisões que ultrapassam o âmbito desta e/ou (ii) condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar [cfr. artigo 46.°, n.° 3, alínea a), subalíneas iii) e v), da LAV].

Outrossim é de relevar a circunstância da constelação argumentativa das Rés nada dispor, para além da convicção arreigada fundada em entendimento jurídico diverso, no sentido do comportamento processual do Autor, quando comparado com aquele que seria exigível de um bom pai de família - o homem comum que atua segundo parâmetros de seriedade, lealdade e probidade processuais -, afigurar-se manifestamente reprovável, constituindo um desrespeito para com o Tribunal e para os valores que norteiam a sua atividade [procura da verdade material e realização de justiça], o que também contribuiu para a posição ora assumida por este Tribunal no que diz respeita a esta matéria.

Já quanto à invocada existência de um “recurso camuflado”, saliente-se que esta alegação é absolutamente imprestável ao efeito de demonstração de que o Autor pretende “(…) ganhar pela via da anulação o que em sede arbitral foi por si alegado por via de exceção e foi julgado improcedente pelo Tribunal Arbitral (…)”.

De facto, não se ignora que a decisão arbitral é insuscetível de revisão de mérito pelos Tribunais Estaduais.

Porém, os fundamentos assinalados pelo Autor na presente impugnação não envolvem valorações a propósito da bondade [ou não] da tese sufragada pelo Tribunal arbitral ao nível do mérito da ação, mas apenas, e tão só, a apreciação do acerto ou desacerto da (i) delimitação do “objeto do litígio” operado no acórdão arbitral e da (ii) extensão do sentido decisório atravessado no dispositivo.

O que nada atinge o postulado supra assinalado, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à demonstração da tese das Rés no domínio em análise.

A mesma asserção é atingível quanto à invocada “renúncia ou preclusão ao direito de impugnação”.

Efetivamente, esta só deve ser considerada para o efeito em análise quando a conduta do Autor seja de aceitação pura e sem reserva, de forma a que o exercício do direito à impugnação judicial possa configurar-se, de alguma maneira, como um “ venire contra factum proprium” ou atente contra os princípios da boa fé, que, como é sabido, vinculam todos os sujeitos e os intervenientes no procedimento administrativo.

Ora, dos elementos postos à disposição deste Tribunal, não se vislumbra que o Autor tenha aceite integralmente e sem reservas qualquer atuação contrária à pretensão formulada nos autos.

Antes pelo contrário.

De facto, conforme se extrai da exuberante contestação-reconvenção [documento nº. 22 junto com o libelo inicial] deduzida no processo arbitral, o CENTRO HOSPITALAR (...) E.P.E. invocou argumentação tendente a opor-se à inclusão no objeto do processo arbitral dos danos reclamados pelo subempreiteiro EP.

, por este não ser parte no processo, nem na convenção de arbitragem, e por os danos em questão não terem sido invocados pelo Empreiteiro como danos dele próprio [cfr. artigos 657º e seguintes].

Assim, teremos que interpretar a vontade do Autor no sentido da não aceitação integral da delimitação do objeto do litígio nos termos operados no acórdão arbitral posto em crise nos autos.

Ademais, alguma doutrina [Mário Esteves de Oliveira - in Lei da Arbitragem Voluntária Comentada", Almedina, 2014, página 572] - que aqui se acolhe - sugere uma situação limite ou de fronteira da aplicação do disposto no artigo 46º, nº. 4 da Lei da Arbitragem Voluntária – onde se encontra disciplinada a renúncia ao direito de impugnação - aos casos de ultrapassagem da convenção de arbitragem, que, como se sabe, integra um dos fundamentos da presente impugnação judicial.

Por conseguinte, falecem as objeções das Rés no capítulo em análise.

Derradeiramente, saliente-se que é a própria lei que admite a anulação parcial da sentença arbitral nos casos em que a parte fulminada com invalidade seja dissociável do resto da sentença.

Efetivamente, é o seguinte o teor da normação vertida no nº.7 do artigo 46º da Lei nº. 63/2011, de 14 de dezembro, que aprovou a Lei de Arbitragem Voluntária: "(…) Se a parte da sentença relativamente à qual se verifique existir qualquer dos fundamentos de anulação referidos no n.° 3 do presente artigo puder ser dissociada do resto da mesma, é...

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