Acórdão nº 00868/17.1BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 29 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução29 de Abril de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: L....

(Parque Residencial (…)), em acção intentada contra Município (...) (Praça (…)), indicando como contra-interessada a Oficina de S--- (Rua (…) interpõe recurso jurisdicional do decidido pelo TAF de Braga Porto, julgando “procedente a exceção dilatória da ilegitimidade da Autora e, em consequência, absolvo a Entidade Demandada da instância”.

Conclui: A.1.1 A presente ação foi acompanhada de um procedimento cautelar de suspensão de eficácia cuja apensação foi requerida pela Autora. A.1.2. A decisão de absolvição de instância fundada em ilegitimidade ativa foi revogada pela apelação junto do TCAN, acórdão este que foi confirmado pela não admissão da revista da Ré, assim se confirmando a legitimidade da autora, eleitora, seja por via do regime do art.º 9º/2 na defesa de valores constitucionalmente protegidos como o urbanismo, seja ao abrigo do 55º /2, ambos do CPTA.

A.1.3. Em todo o caso, em face dos elementos dos autos, estão perfeitamente caracterizados como objeto do presente processo interesses difusos sobre os bens constitucionalmente protegidos da qualidade de vida, ambiente, património cultural, urbanismo e ordenamento do território.

A.1.4. Ao contrário do que se diz na sentença recorrida, a Autora/Recorrente, não se limitou à «mera alegação do interesse da defesa da legalidade urbanística, do património cultural, do ordenamento do território e do ambiente».

A.1.3. A própria sentença recorrida não equaciona globalmente todos os fundamentos da petição inicial A.1.4. Ali se põe em evidência que a Autora, no plano dos factos, alegou todos os factos relevantes atinentes à operação urbanística submetida a licenciamento e depois licenciada, especificando as suas características.

A.1.5. E que, no plano do direito, indicou também o direito urbanístico aplicável especificando os parâmetros urbanísticos com os quais a referida operação urbanística se mostra desconforme.

A.1.6. Tanto é o suficiente para caracterizar os bens e interesses em jogo na presente ação e entre eles identificar interesses difusos passíveis de tutela através de ação popular.

A.1.7. Não se impunha, pois, à Autora, conforme se afirma na sentença recorrida, a alegação de quaisquer factos adicionais que explicitassem a projeção de tudo o que alegou no requerimento inicial no interesse da comunidade.

A.1.8. O Tribunal recorrido incorreu, assim, considerando não estar suficientemente caracterizado na presente ação um interesse difuso passível de tutela através de ação popular, em erro de julgamento, errando na aplicação da norma das disposições conjugadas dos art.s 2º/1 e 1º/2 da Lei n.º 83/95, de 31/08 (LAP).

A.1.9. E, bem assim, considerando que se impunha à Autora a alegação de factos adicionais que explicitassem a projeção de todo o alegado no interesse da comunidade, errou na interpretação daquelas disposições conjugadas dos art.s 2º/1 e 1º/2 da LAP, retirando daquela interpretação uma norma inconstitucional, por violadora do art. 53º/2 da CRP.

A.2.1. Independentemente de um tal reconhecimento de um interesse difuso objeto de tutela na presente ação, nunca tal questão seria causa de ilegitimidade ativa.

A.2.2. A questão da legitimidade processual pressupõe a questão, autónoma, da qualificação do objeto processual.

A.2.3. E é apenas na qualificação do objeto processual que releva a questão da caracterização de um interesse difuso como objeto da presente ação.

A.2.4. Estando perfeitamente caracterizado o interesse difuso como objeto de tutela da presente ação, a legitimidade ativa resulta claramente do critério do art. 9º/2 do CPTA.

A.2.5. Mas mesmo quando, como fez a sentença recorrida, se entendesse não estar suficientemente caracterizado um interesse difuso, então não poderia, automaticamente, concluir-se pela ilegitimidade processual ativa e decidir-se a absolvição da instância.

A.2.6. Haveria, isso sim, que requalificar o objeto da presente ação e em função dessa requalificação e com base nos critérios jurídico-processuais para que a mesma apontasse, então equacionar a questão da legitimidade.

A.2.7. Em face da qualificação que o próprio tribunal recorrido faz do objeto da ação, teria, então, de afirmar a legitimidade processual ativa da Autora, residente em (…), pelo menos à luz do critério do art. 55º/2 do CPTA, considerando a certidão de recenseamento eleitoral demonstrativa que juntou.

A.2.8. O Tribunal recorrido incorreu, assim, considerando verificada ilegitimidade processual ativa, em erro de julgamento, errando na aplicação da norma do art. 9º/2 do CPTA e desaplicando o art. 55º/2 do CPTA.

A.3.1. À luz do princípio da cooperação e do dever de gestão processual consagrados nos arts. 7º-A/2 e 8º do CPTA, quando entendesse existir uma insuficiência de alegação da parte da Autora que pudesse dar causa a uma exceção dilatória e assim impedir o conhecimento de mérito, o Tribunal recorrido estava obrigado a convidar ao aperfeiçoamento da alegação em causa.

A.3.2. Entendendo, já na sentença, que houve insuficiência de alegação e tendo preterido o convite ao aperfeiçoamento, o Tribunal recorrido omitiu um ato jurídico-processualmente devido, o que é configurável como nulidade de sentença por excesso de pronúncia.

A.3.3. A sentença recorrida está, assim, tendo sido decidida a absolvição da instância por ilegitimidade ativa por insuficiência de alegação e com preterição do convite ao aperfeiçoamento, ferida de nulidade por excesso de pronúncia nos termos dos arts. 7º-A/2 e 8º do CPTA e 615º/1-d) do CPC ex vi art. 1º do CPTA.

B.1. Entendendo, como entende a Recorrente, que existe legitimidade ativa, seja ao abrigo do art. 9º/2 ou do art. 55º/2 do CPTA, sempre tem de configurar-se o exercício pela Autora de um direito de ação popular.

B.2. Mas, como também se enunciou, a Recorrente entende ser de impugnar a decisão de condenação em custas, mesmo independentemente da impugnação da primeira decisão.

B.3. No caso dos autos, o Tribunal recorrido não proferiu decisão de manifesta improcedência.

B.4. Mais, o Tribunal recorrido decidiu a absolvição da instância com fundamento na ilegitimidade ativa, de acordo com os critérios aplicáveis à legitimidade para a ação popular, citando o art. 9º/2 do CPTA e os artºs. 1º, 2º e 12º da LAP.

B.5. Deste modo, o Tribunal recorrido não colocou em causa a qualificação da presente ação como ação popular, mas apenas julgou parte ilegítima para ela a Autora, não tendo julgado a ação manifestamente improcedente.

B.6. A sentença incorreu, assim, condenando a Autora/Recorrente em custas, em erro de julgamento, errando na aplicação da norma do art.º 4º/1 b) e /5 do RCP.

Sem contra-alegações.

*O Exm.º Procurador-Geral Adjunto foi notificado nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA.

*A apelação: O tribunal “a quo” julgou “procedente a exceção dilatória da ilegitimidade da Autora e, em consequência, absolvo a Entidade Demandada da instância”.

--- Ø Circunstancialmente.

§º) A decisão recorrida tem o seguinte teor: «(…) Da ilegitimidade ativa: Conforme atrás enunciado, a Entidade Demandada e a Contrainteressada invocaram a ilegitimidade da Autora para apresentar a presente ação.

De igual forma, o DMMP sustentou a ilegitimidade ativa da Autora por reputar não estar em causa o exercício do direito de ação popular.

Apreciemos.

A legitimidade é um pressuposto processual, ou seja, uma condição para obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da pretensão formulada, permitindo aferir a posição que devem ter as partes perante a pretensão deduzida em juízo, para que o julgador possa e deva pronunciar-se sobre o mérito da causa, julgando a ação procedente ou improcedente.

A ilegitimidade das partes constitui, nos termos do artigo 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea e) do CPTA e dos artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 2, 577.º, alínea e), do CPC, aplicados ex vi do artigo 1.º do CPTA, exceção dilatória que determina a absolvição do Réu da instância, quando já tenha havido citação.

No âmbito da lei processual administrativa, o artigo 9.º, nº 1 do C.P.T.A. estabelece o princípio geral em matéria de legitimidade ativa, elegendo a titularidade da respetiva relação material controvertida como critério definidor desse pressuposto processual. Esta titularidade deverá ser aferida de acordo com a alegação feita pelo autor (cfr. artigo 9.º, n.º 1 do C.P.T.A. e artigo 26.º, n.º 3 do C.P.C.). Portanto, o que importa, para aferir da legitimidade como pressuposto processual, não é a relação material controvertida em si, mas a posição em que o autor se coloca perante esta, assim se dispensando a legitimidade substantiva. Estipula o artigo 9.º do CPTA que «sem prejuízo do disposto no...

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