Acórdão nº 02349/07.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Abril de 2022
Magistrado Responsável | Paulo Moura |
Data da Resolução | 27 de Abril de 2022 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:* «S..., S.A.», interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o despacho que indeferiu a reclamação graciosa relativa à autoliquidação de IRC do exercício de 2003, por entender que mesma enferma de erro de facto e de direito.
Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: 1. Como se afirma no douto Parecer do Ministério Público a fls. 574, esta Impugnação deveria ter sido julgada procedente.
Erro de julgamento da matéria de facto 2. Desde logo, este recurso tem por objecto a reapreciação da prova gravada.
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Conforme acta de inquirição de testemunhas de 15.09.2010 (fls. 558 a 560), foram ouvidas as testemunhas (i) MI...
e (ii) PJ...
, cujos depoimentos foram gravados, respectivamente, na (i) cassete nº 1, lado A, rotações 000-1300, e (ii) cassete nº 1, lado A, rotações 1300-1715, e lado B, rotações 000-1225.
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Ora, a douta Sentença em apreço padece de erro no julgamento da matéria de facto, por omissão de factualidade provada relevante para a decisão de mérito, desde logo atendendo aos depoimentos das sobreditas testemunhas, que acima se especificaram/transcreveram, 5. os quais, por brevidade de exposição e razões de economia processual, se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, fazendo parte integrante das presentes conclusões.
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Deles resulta que a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento quando nela se afirma que “os depoimentos prestados pelas testemunhas não foram considerados relevantes”.
Por outro lado – prova documental, 7. Além dos 9 documentos juntos à Impugnação Judicial, 8. importa ter em conta os ofícios-circulares, informações vinculativas, despachos e decisões administrativas e de recursos hierárquicos, tudo oriundo e da autoria da AT, juntos aos presentes autos em 15.09.2010, em sede de inquirição de testemunhas, 9. Bem como os 2 despachos da AT juntos aos presentes autos em 16.12.2010.
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Esta documentação não foi impugnada pela RFP/Recorrida.
Assim, da prova testemunhal e documental produzidas, e atendendo à factualidade não controvertida, resulta o seguinte: 11. Também deve ser considerada como provada a factualidade acima especificada, a qual, por brevidade de exposição e razões de economia processual, se dá aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, fazendo parte integrante das presentes conclusões.
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Dado que foi alegada na PI e é igualmente relevante para a decisão de mérito – pelo que deve ser aditada à factualidade assente.
Erro no julgamento de Direito 13. Veja-se o douto Parecer do Ministério Público aqui junto como doc. 1 e o Acórdão do STA supracitado.
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Com efeito, a douta Sentença recorrida desconsiderou indevidamente que o entendimento unânime da própria AT sempre foi no sentido de que a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo deveria contar positivamente para efeitos do apuramento do benefício fiscal da criação líquida de emprego para jovens.
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Se esse entendimento unânime da AT foi posterior à apresentação da reclamação graciosa (que antecedeu a presente Impugnação), como se afirma na douta Sentença recorrida, seguramente que é anterior à notificação da AT, via RFP (cfr. artigo 15º do CPPT), para a presente Impugnação Judicial.
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E no caso em apreço, ao contrário das inúmeras outras situações iguais demonstradas e comprovadas nestes autos, a AT, via RFP, professou entendimento oposto àquele que a própria AT sempre considerou – que as conversões de contratos de trabalho a termo em sem termo e as cessões de posição contratual eram consideradas, pela AT, como criação líquida de emprego, para efeitos do benefício fiscal então previsto no artigo 17º do EBF.
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Reforçando o que se vinha dizendo, firmou igualmente a AT, na Informação nº ...02, da DSIRC, Proc. nº 1541/... (cfr.
doc. 2 aqui em anexo).
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Aliás, este entendimento administrativo de 2002 é anterior à reclamação graciosa, apresentada apenas em 2006, contrariamente ao que se afirma na douta Sentença.
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O mesmo se diga relativamente ao Parecer da DSBF (Direcção de Serviços de Benefícios Fiscais) exarado na Informação nº ...5, de 24.01.2005 (cfr.
doc. 3 aqui em anexo).
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No mesmo sentido, veja-se ainda a Doutrina - Joaquim Alexandre Silva, Armindo Lourenço, António Neto e Jorge Manuel Silva, in “O Trabalho de Fecho de Contas do Exercício de 2006”, ed. APECA, pág. 215.
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Ora, atentos os sobreditos e inúmeros entendimentos administrativos inequívocos da AT, por imposição do disposto no nº 3 do artigo 68º-A da LGT os mesmos deveriam ter sido vertidos em circular administrativa.
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Não podendo o contribuinte, obviamente, ser prejudicado pela inércia da AT nesse sentido.
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Aliás, foi legitimamente confiado naquele entendimento da própria AT que o contribuinte foi motivado a reclamar o aproveitamento do benefício da criação líquida de emprego para jovens tendo em conta, também, os casos de transformação dos contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo.
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Não se vislumbrando qualquer razão de fundo para que a AT tivesse conferido, como conferiu, tratamento diferenciado ao caso dos presentes autos, em prejuízo do contribuinte – ao contrário do tratamento que conferiu a outros contribuintes em casos, iguais, de transformação de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo.
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Isto, em violação dos princípios legais da igualdade e da justiça, e do dever jurídico de imparcialidade – legalmente consagrados nos artigos 266º nº 2 da CRP, 5º e 6º do CPA e 55º da LGT.
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Sendo certo que, nos termos dos artigos 55º do CPPT e 68º-A nº 1 da LGT, a AT está juridicamente vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza emitidos pela própria AT, sobre a interpretação das normas tributárias que estiverem em vigor.
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Esta imposição legal advém, naturalmente, do dever da administração pública actuar segundo o princípio geral da boa-fé, previsto nos artigos 10º do CPA e 266º nº 2 da CRP.
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E da necessidade de segurança jurídica, protecção da confiança e das legítimas expectativas dos administrados, ínsitos no primado do Estado de Direito Democrático (artigo 2º da CRP).
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Bem como a imperiosidade do respeito pelo princípio da igualdade no tratamento dado aos diferentes contribuintes – conforme imposto nos artigos 55º da LGT, 6º do CPA e 266º nº 2 da CRP.
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Com efeito, por força destes princípios, a AT tem um especial dever de colaboração com o contribuinte, não podendo adoptar posturas contraditórias com orientações anteriormente preconizadas, em desrespeito da segurança jurídica e da protecção da confiança e legítimas expectativas dos contribuintes (cfr. artigos e 2º, 9º b) e 266º nº 2 da CRP).
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E não há qualquer razão objectiva para que a AT tenha discriminando negativamente a Recorrente no caso concreto aqui em apreço.
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Assim, ao não admitir as transformações de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo, não levando em consideração que a própria AT sempre considerou precisamente o oposto, 33. a douta Sentença recorrida, com o devido respeito, violou as sobreditas normas e princípios legais, com a consequente violação, de igual modo, do disposto no artigo 17º nº 1 do EBF.
Acresce que, 34. Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, o próprio artigo 17º nº 1 do EBF estabelece os critérios a que deve obedecer a aferição da “criação líquida de postos de trabalho” – não existindo, pois, qualquer lacuna jurídico-tributária na matéria, contrariamente ao pressuposto na douta Sentença recorrida.
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Aliás, integrando os benefícios fiscais os “elementos essenciais” dos impostos, abrangidos pelo princípio fundamental da legalidade e tipicidade (cfr. artigos 8º da LGT e 103º nº 2 e 3 da CRP) e, por via disso, pela reserva de lei (cfr. artigo 165º nº 1 i) da CRP), 36. está expressamente proibida, pelo artigo 112 nº 4 da LGT, a integração de quaisquer lacunas em matéria de benefícios fiscais por via da aplicação analógica do preceituados noutros diplomas legais.
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Sendo, por isso, totalmente ilegal, na interpretação de normas sobre benefícios fiscais (como é o caso do artigo 17º do EBF), apelar a conceitos oriundos de outros diplomas legais e que nada têm que ver com benefícios fiscais - como é o caso, por exemplo, do referido DL 34/96, de 18/4.
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O artigo 17º nº 1 do EBF, com efeito, deve ser interpretado segundo as regras gerais e especiais de interpretação e aplicação das leis sobre benefícios fiscais, como é o caso.
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Assim, e nos termos do artigo 9º do EBF, as normas que estabelecem benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, embora admita interpretação extensiva.
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Essa “integração analógica”, como se referiu, já é vedada no artigo 11º nº 4 da LGT - uma vez que o artigo 17º do EBF é norma tributária abrangida pela reserva de lei da AR.
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E é vedada por se tratar de “norma excepcional”, na medida em que, enquanto norma sobre benefício fiscal, obvia/excepciona a regra geral, que é a da tributação (artigo 11º do CC, ex vi do artigo 11º da LGT).
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Por outro lado, aquela admitida “interpretação extensiva” vai naturalmente no sentido de “estender” os benefícios fiscais – ou seja, vai no sentido de abranger mais situações de benefício fiscal para além daquelas que de imediato decorrem da “literalidade” da norma sobre benefícios fiscais (por ser essa a intenção do legislador ou a “ratio” do preceito).
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E não, como entende a douta Sentença recorrida, no sentido de restringir o benefício fiscal, impedindo que nele se incluam as situações de conversão de contratos de trabalho a termo em sem termo e os casos de cessões de posição contratual.
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No mesmo sentido - extensão dos benefícios fiscais - vai o disposto no artigo 10º do EBF, segundo o qual as normas que alterem benefícios fiscais temporários...
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