Acórdão nº 01158/17.5BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução11 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo: I.RELATÓRIO 1.1.

C..., Lda.

, com sede na Rua ..., ..., freguesia ..., moveu a presente ação administrativa contra o “ Ministério do Planeamento e das Infraestruturas, Divisão Sub-regional de Aveiro da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro CCDRC”, considerada proposta contra o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas ( artigo art.º 10º, n.º 4, do CPTA), pedindo a declaração de nulidade ou a anulação, do ato administrativo notificado em 24/08/2017, para proceder à demolição de construções sitas no lugar da Praia do ...

.

Alega, para tanto, em síntese, que em 24/08/2017 foi notificada do ato administrativo que, além do mais, ordenou a demolição de construções ilegais em espaço vinculado pela Reserva Ecológica Nacional (REN) e reconstituição da situação anterior à prática da infração, com o qual não se conforma; Entende que o ato impugnado padece dos vícios de violação do direito de defesa e do contraditório e da falta de fundamentação; de preterição das diligências probatórias requeridas em sede de audiência prévia; de violação de lei quanto ao direito aplicável, e de violação do princípio da proporcionalidade, do princípio da proteção da confiança e do art.º 18º, n.º 2, da CRP; e de violação do art.º 38º do CPA, por não ter sido suspenso o ato administrativo, enquanto se encontrasse pendente o processo contraordenacional.

1.2. Citado, o Réu contestou, impugnando os factos alegados pela Autora, alegando, em síntese que em 29/04/2011 foi rececionado um pedido da Autora, no âmbito do regime jurídico da REN, aprovado pelo DL n.º 166/2008, de 22/08, para ampliação de um estabelecimento de restauração e bebibas; Entretanto, em 11/07/2011, realizou-se a conferência a que alude o artigo 24.º do CPA, por estarem envolvidas várias entidades, tendo sido indeferida a pretensão da Autora; Notificada, a Autora requereu, em 25/05/2012, a reapreciação do indeferimento, pedindo a legalização das obras efetuadas; Após junção dos elementos solicitados, a Autora foi notificada da impossibilidade de legalização de parte dessas obras, tendo sido emitida a ordem de demolição das construções ilegais e ordenado o procedimento de avaliação de incidências ambientais, no respeitante ás restantes; Defende que a A. foi notificada de uma proposta de demolição, e o auto de notícia a que a mesma se refere foi-lhe notificado no âmbito do processo contraordenacional 46/2016/DSAJAL, sendo que a decisão de demolição não se confunde com a decisão de aplicação de coima; A ordem de demolição não enferma de nenhuma imprecisão, nem dos vícios que lhe são assacados, tendo a mesma incidido apenas sobre as construções insuscetíveis de legalização, não ocorrendo qualquer violação do princípio da proporcionalidade, apenas podendo ser legalizadas as construções que sejam conformes com a REN.

Está em causa um grave dano ao ambiente, não restando alternativa à demolição ordenada.

Conclui, pedindo a improcedência da ação.

1.3. O Ministério Público junto da 1.ª Instância, emitiu parecer, pugnando pela improcedência da presente ação, por, em suma, não se verificarem os vícios invocados pela Autora.

1.4. Proferiu-se despacho a dispensar a realização da audiência prévia, por os autos conterem os elementos necessários ao conhecimento do mérito da ação.

1.5. Fixou-se o valor da ação em € 30.000,01, de acordo com o disposto nos art.ºs 31º, n.º 1 e 33º, ambos do CPTA.

1.6. Em 31/03/2022 proferiu-se sentença contendo a mesma o julgamento de facto e de direito, onde se julgou a presente ação improcedente, a qual consta do seguinte dispositivo: «Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal julga totalmente improcedente a presente ação e, em consequência, absolve o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas do pedido.

Condena-se a Autora em custas.

Registe e notifique.» 1.7. Inconformada com a sentença assim proferida, a Autora interpôs a presente apelação, tendo concluído a final: «1 – O Recorrido e o Tribunal a quo consideram que a Recorrente violou o RJREN, aprovado pelo Dec.-Lei 166/2008, de 22/8, em virtude de ter edificado ou realizado acções urbanísticas em área interditada por esta norma.

2 – Porém, o RJREN (Dec.-Lei 166/2008, de 22/8) e a Portaria que delimita a REN no concelho ... (Portaria 247/2009, de 9/3) são muitíssimos posteriores (quase 20 anos) à edificação do empreendimento da Recorrente, o qual foi autorizado pela Câmara Municipal ....

3 – O empreendimento da Recorrente foi edificado em 1989/1990, numa altura em que o respectivo solo não era REN, mais concretamente, cerca de 19 anos antes do Dec.-Lei 166/2008, de 22 de Agosto, e cerca de 20 anos antes da Portaria 247/2009, de 9/3 (carta da REN publicada para o município ...).

4 – Para demonstração desse facto a Recorrente juntou aos autos um conjunto de documentos com a petição inicial da providência cautelar apensa, nomeadamente: a) um extracto da acta da Câmara Municipal ... de finais dos anos 80 do século passado que deferiu a construção do parque (doc. 4); b) um certificado da Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral, de 11 de Janeiro de 1991, que diz que o terrenos não estavam incluídos na RAN (doc. 5); c) um extracto da acta nº25, da Reunião da Câmara Municipal ... de 13/11/1995, na qual foi deliberado por unanimidade declarar a utilidade pública com interesse local e regional do Parque de Diversões Aquáticas da ... (doc. 9), o que demonstra que o empreendimento já estava construído nessa altura; d) uma exposição dirigida à Directora Geral de Turismo, elaborada em 12 de Julho de 1994, pelo à época proprietário do Parque de Diversões Aquáticas da ..., a defender a reabertura do empreendimento da A. – doc. 10 (o que igualmente demonstra que o empreendimento já estava construído nessa altura); e) um ofício de 12 de Julho de 1994, do então Presidente da Região de Turismo de ... (Rota da Luz), a encaminhar e subscrever a exposição referida na alínea anterior (doc. 11); f) um ofício do Presidente da Câmara Municipal ..., com data ilegível, mas pelo contexto percebendo-se que é da altura em que PDM ... estava em revisão, no qual é garantido que toda a área do “Equipamento Turístico” se encontrava “salvaguardada” na “proposta de revisão do PDM” (doc. 6).

5 – Desse conjunto desses documentos constata-se que: a) a Câmara Municipal ... autorizou previamente a intervenção urbanística da A., sempre apoiou o projecto e sempre se bateu pela remoção dos obstáculos à sua plena legalização; b) diversas outras entidades, entre as quais a Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral, apoiaram o projecto; c) o empreendimento da A. é muito anterior ao Dec.-Lei 166/2008, de 22/8 e à Portaria 247/2009, de 9/3 ou seja, na altura em que o mesmo foi construído, o solo não estava classificado como REN.

6 – De acordo com a d. sentença ora em recurso, o fundamento para a ordem de demolição, ou seja, a validação do acto administrativo posto em causa é, além das restrições/proibições decorrentes do RJREN (cfr. fls. 29 e 30 da d. sentença), o art. 60º do RJUE, ou seja, o facto de as edificações da Recorrente não terem sido construídas ao abrigo de um acto de controlo urbanístico que fosse exigido ao tempo da construção (cfr., por exemplo, 4º parágrafo de fls. 30/34 da d sentença).

7 – Sucede que, a aplicação dessa norma ao caso dos autos é, com todo o respeito, errada, pois nos termos o art. 40º do RJREN “O disposto no capítulo iii não se aplica à realização de ações já licenciadas ou autorizadas à data da entrada em vigor da delimitação da REN nos termos do artigo 12.

º”.

8 – Das Actas da Câmara Municipal ... acima referidas, resulta que a edificação e manutenção do empreendimento foi autorizada, encorajada e defendida por esta edilidade muitos anos antes do Dec.-Lei 166/2008, de 22/8 e da Portaria 247/2009, de 9/3.

9 – Por isso, face a essa autorização, estão no regime de excepção do art. 40º do RJREN.

10 – Consequentemente, o Acto Administrativo que ordena a demolição e a d. sentença da 1ª Instância que o confirma são ilegais e violam a lei, aplicando as normas erradas e deixando de aplicar a correcta.

11 – As instalações da Recorrente foram também projectadas, construídas e inauguradas em data muito anterior à da entrada em vigor do .../... e da AA.

12 – Face ao que vai acima, não pode dizer-se nem declarar-se, tal como fez a 1ª Instância, que a Recorrente construiu as suas instalações em violação de norma alguma, nomeadamente: a) do disposto no art. 60º do RJUE; b) do disposto no Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional (Dec.-Lei 166/2008 e Dec.-Lei 239/2012).

c) do disposto na Portaria 247/2009, de 9/3.

13 – Por isso, não pode a Recorrente ser sancionada/condenada pelo incumprimento de normas que ainda não estavam em vigor à data da prática dos factos (ou do preenchimento dos pressupostos) que corporizam a dita violação – a construção das suas instalações (as quais já estavam construídas muito antes, e não sofreram alterações no tempo de vigência da mencionada legislação).

14 – Ao fazê-lo, a d. sentença ora em recurso incorre em violação das normas legais acima referidas (umas, por as aplicar quando não devia, e outra, a do art. 40º do RJREN, por a deixar de aplicar ao caso concreto) o que também é, pelo menos, causa de anulabilidade do acto administrativo (ordem de demolição) praticado, e de todo o procedimento a ele conducente (art. 163.º do CPA), se não mesmo de nulidade, por contender com direitos fundamentais dos administrados (art. 161.º, n.º 2, al. d) do CPA).

15 – Há também violação do art. 67.º do Regulamento do POOC que postula que “as disposições constantes do POOC não põem em causa direitos adquiridos à data da sua entrada em vigor” (vide).

* 16 – A ordem de demolição e a d. decisão sob recurso violam também: a) o princípio da proporcionalidade (art. 7º do CPA e art. 18º, nº2 da CRP); b) as legítimas expectativas da...

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