Acórdão nº 00321/21.9BEPRT-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Novembro de 2022

Data11 Novembro 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO AA, Autora nos autos à margem referenciados de AÇÃO ADMINISTRATIVA em que são Réus o HOSPITAL GERAL DE SANTO ANTÓNIO, E.P.E., BB, CC e DD, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador promanado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na parte em que julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva do dos Médicos Réus supra identificados, absolvendo-os da instância.

Em alegações, a Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…) I. O presente Recurso versa exclusivamente sobre matéria de Direito, nos termos infra consignados, incidindo sobre o douto Despacho Saneador na parte em que foi considerada procedente a exceção de ilegitimidade dos Réus BB, CC e DD (doravante, 2.°, 3.° e 4.° Réus).

  1. Através de Petição Inicial, a Autora, ora Recorrente, interpôs Acção Administrativa comum contra os Réus, ora Recorridos, pretendendo que seja declarado que os Réus praticaram assédio moral contra a Autora desde 2015, que sejam os Réus condenados a pagar à Autora, solidariamente, a quantia de 50.000,00 Euros a título de indemnização pela prática de assedio moral no local de trabalho e danos não patrimoniais, que sejam os Réus condenados a pagar à Autora, solidariamente, a quantia de 1.533,44 Euros a título de danos patrimoniais já liquidados, a que acrescerão aqueles que se vencerão no decurso da presente acção, e que sejam os Réus condenados a pagar à Autora a quantia de 61.933,81 Euros a título de indemnização pelo dano da perda de chance.

  2. Citados para, querendo, contestar, os Recorridos, entre outras excepções, invocaram a falta de legitimidade processual dos 2.°, 3.° e 4.° Réus.

  3. No Despacho Saneador em sindicância, julgou o Tribunal a quo procedente a excepção dilatória de ilegitimidade processual dos 2.°, 3.° e 4.° Réus, absolvendo-os, por conseguinte, da instância.

  4. A legitimidade é um pressuposto processual respeitante à relação entre as partes e o objecto do processo - a relação material controvertida. Constitui assim uma posição do Autor e do Réu em relação ao objecto do processo, aferida em face da relação jurídica controvertida, tal como desenhada pelo Autor.

  5. Daí que para a boa decisão do essencial à causa seja necessário que estejam presentes no processo as “partes exactas” - aquele que pode fazer valer juridicamente a pretensão em concreto invocada, e aqueles a quem juridicamente pode ser oposta tal posição jurídica, por serem directamente atingidos e prejudicados pela eventual procedência da pretensão. O que importa à legitimidade processual é, de facto, o modo como são configuradas a concreta causa de pedir e pedido, e que as partes sejam os sujeitos da relação jurídica substantiva tal como ela é apresentada (independentemente da sua veracidade).

  6. Colhendo do disposto no artigo 10.°, n.° 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Réu será parte legítima quando tiver interesse directo em contradizer - interesse esse que se exprime pelo prejuízo que da procedência da acção lhe possa advir.

  7. In casu, entendeu a Meritíssima Julgadora que a “outra parte” na relação material controvertida seria apenas e tão-só a Entidade Empregadora - a 1.a Ré -, por considerar que, “assentando a relação configurada pela Recorrente na responsabilidade contratual” da Entidade Empregadora, aplicar-se-ia o artigo 800.° do Código Civil, o qual responsabiliza a 1.a Ré pelos actos cometidos pelos 2.°, 3.° e 4.° Réus.

  8. Todavia, e na esteira dos ensinamentos de ANTUNES VARELA, um mesmo facto pode originar diferentes tipos de responsabilidade - ainda que responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual sejam, naturalmente, distintas conceitualmente, uma vez que as duas variantes da responsabilidade civil não constituem compartimentos estanques, funcionando antes como vasos comunicantes, o que explica que, de facto, seja possível subtrair de um mesmo quadro fáctico diferentes tipos de responsabilidade civil, imputáveis ao mesmo agente ou a diferentes agentes.

  9. Acresce que a própria situação de mobbing no trabalho é um fenómeno psicossocial complexo, podendo revestir variegadas formas, estas compatíveis entre si - nomeadamente, no que concerne ao critério dos agentes, o mobbing horizontal e o mobbing vertical, podendo ainda ser combinado/misto, se for levado a cabo através da cadeia hierárquica (vertical), e pelos colegas de trabalho (horizontal), em simultâneo.

  10. Daí advém que peticionando a Recorrente a condenação dos 2.°, 3.° e 4.° Réus no pagamento de determinados valores, solidariamente, por força dos factos ilícitos praticados por cada um destes na qualidade de mobbers, não se poderá confundir tal pedido, realizado ao abrigo do regime da responsabilidade civil extracontratual, com o pedido de condenação da 1.a Ré ao abrigo do regime da responsabilidade civil contratual.

  11. Não se pode partir do princípio errado de que toda a causa de pedir e pedido indemnizatório são baseados no contrato de trabalho pelo facto de estarmos perante uma questão laboral, uma vez que o fenómeno do mobbing não se pode compreender com uma visão de tal modo restritiva, uma vez que o mobbing é um fenómeno que só se compreende atendendo à especial complexidade da situação fáctica, à vulnerabilidade que caracteriza a posição do trabalhador, e ainda ao papel dos agentes executores da perseguição - sejam estes últimos a Entidade Empregadora, colegas, superiores hierárquicos, ou todos em simultâneo.

  12. De facto, além de vincar a responsabilidade da Entidade Empregadora pelos episódios de mobbing vertical e horizontal ocorridos, a Recorrente descreveu ainda exaustivamente os factos voluntários, ilícitos e culposos praticados pelos 2.°, 3.° e 4.° Réus, bem como os danos causados e concomitante nexo causal. Ora vide para uma melhor intelecção: quanto aos factos voluntários, ilícitos e culposos praticados pelo 2.° Réu, o Artigo 96.° da Petição Inicial, no que tange ao esvaziamento de funções da Recorrente, os Artigos 103.° a 106.° da Petição Inicial, no que tange à ameaça de mobilização da Recorrente para um outro hospital e os Artigos 181.° e 182.° da Petição Inicial, no que tange à ameaça de mobilização da Recorrente para um outro hospital; quanto aos factos voluntários, ilícitos e culposos praticados pelo 3.° Réu os artigos 67.° e 68.° da Petição Inicial, no que tange ao esvaziamento de funções da Recorrente, o artigo 77.° da Petição Inicial, no que tange à indicação dada à Recorrente de que não teria mais direito a qualquer formação, o artigo 96.° da Petição Inicial, no que tange ao esvaziamento de...

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