Acórdão nº 00375/22.0BEALM de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução25 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO AA (1.ª Requerente), titular do cartão de cidadão n.º ... e do NIF ..., residente na rua ..., ..., ..., ..., BB (2.ª Requerente), titular do cartão de cidadão n.º ... e do NIF ..., residente na Avenida ..., ... ..., e CC (3.ª Requerente), titular do cartão de cidadão n.º ... e do NIF ..., residente em Rua ..., ..., ... ..., ..., requereram a adoção de providência cautelar de admissão provisória a concurso, com pedido de decretamento provisório, para ingresso no ..., teórico-prática, para os tribunais judiciais, para o preenchimento de um total de 104 vagas, sendo 52 na magistratura judicial e 52 na magistratura do Ministério Publico, aberto por Despacho do Diretor do Centro de Estudos Judiciários, de 04/03/2022, nos termos contidos no referido Aviso n.° ...22, publicado em Diário da República, Série II, n.° 50/2022, de 11 de março, o que fazem contra o CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS (CEJ), com sede Largo ... ....

Posteriormente as Requerentes informaram dever prosseguir a ação para conhecimento do pedido formulado quanto à 1.ª Requerente AA, reconhecendo que a «continuidade da presente lide perdeu interesse para as Requerentes BB e CC» (cf. fls. 529 a 530 dos autos).

Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi decidido assim: a) Julgada extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide quanto às 2.ª e 3.ª Requerentes; b) Indeferida a providência cautelar requerida pela 1.ª Requerente; Desta vem interposto recurso pela 1º Requerente.

Alegando, formulou as seguintes conclusões: A.

A Recorrente sustentou no seu requerimento inicial que o ato administrativo que determinou a sua exclusão (a Lista Definitiva de Candidatos Admitidos e não Admitidos), é nulo por ofender o conteúdo essencial dos seguintes direitos fundamentais ou, no mínimo, anulável por com eles colidir: igualdade, liberdade de escolha de profissão e, ainda, proporcionalidade (n.º 2 do artigo 18.º da CRP); B.

A montante deste ato, também os artigos 40.º e 145.º dos Estatutos da Magistratura Judicial e do Ministério Público, respetivamente, assim como a condição imposta pela alínea b) do n.º 2 do Aviso n.º 5170/2022, violam os princípios constitucionais da igualdade e da liberdade de escolha à profissão.

C.

Mais sustenta que a condição de ingresso vertida na alínea b) do n.º 2, conjugada com o ponto ii) da alínea c), ambas do Aviso n.º 5170/2022 – o qual disciplina, com natureza geral e abstrata, as condições de acesso ao ... – é ilegal por violação da alínea c) do artigo 5.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro (doravante “Lei de Ingresso”), circunstância que deve determinar a remoção da condição de exigência de mestrado ou doutoramento em área do Direito obtidos em universidade portuguesa, ou por graus académicos equivalentes reconhecidos em Portugal.

D.

Na base de todos estes vícios está, como se depreende, uma constatação fundamental: a inexistência de motivos válidos ou atendíveis para a discriminação entre as licenciaturas “pré” e “pós” Bolonha, isto é, concluídas dentro ou fora do regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 74/2006.

E.

Atento o seu impacto na análise sobre a verificação dos vícios identificados pela Recorrente – mormente os vícios relativos à ofensa de direitos fundamentais –, esta trata-se de uma questão absolutamente essencial para a boa decisão da causa, ainda que ao nível de uma apreciação meramente perfunctória.

F.

Impunha-se, por conseguinte, que o Tribunal ad quo apreciasse esta questão com rigor e que, naturalmente, fundamentasse a sua decisão.

G.

Sucede que, olhando apenas para a duração das licenciaturas “pré” e “pós” Bolonha, extraiu o Tribunal ad quo que é “natural” que o conteúdo destas licenciaturas seja diferente e que, por conseguinte, o legislador visou distinguir situações que não são equivalentes.

H.

Ou seja, limitou-se este Tribunal a realizar um juízo conclusivo, segundo o qual a simples redução do tempo de licenciatura teve um impacto no seu conteúdo.

I.

Contudo, a verdade é que para atingir esta conclusão é (ou seria) necessário percorrer um iter, ao qual a decisão recorrida não alude de maneira nenhuma.

J.

Assim, não é possível aceder à motivação que conduziu o Tribunal a concluir – como concluiu – que o legislador visou distinguir situações que não são, na verdade, equivalentes (as licenciaturas “pré” e “pós” Bolonha).

K.

Como é evidente, a simples constatação da diferença de duração entre as licenciaturas não é suscetível de cumprir com o dever de fundamentação. Sobretudo quando a Recorrente apresentou no seu requerimento inicial, a este respeito, diversos argumentos de direito sobre os quais a decisão recorrida nem sequer se debruça.

L.

Destarte, por não permitir conhecer as razões de facto e/ou de direito em que fundamenta a sua decisão sobre o thema decidendum basilar dos presentes autos, é a sentença recorrida nula, de acordo com o disposto na alínea b) do número 1, do artigo 615.º do Código do Processo Civil (aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA).

M.

A acrescer à nulidade supra invocada, verifica-se também na decisão recorrida um erro de julgamento no que concerne ao entendimento de que não se encontra preenchido o pressuposto do fumus boni iuris.

N.

A Recorrente apresentou argumentos suficientes para que o Tribunal considerasse provável, através do juízo perfunctório a que está adstrito, a procedência da ação principal.

O.

Com efeito, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, em causa está um tratamento diferenciado entre licenciados em Direito, sem qualquer justificação objetiva para tal, sendo certo que, em rigor a licenciatura é única e o intérprete não pode distinguir onde a lei não distingue.

P.

O Decreto-Lei n.º 74/2006 (que introduziu o designado “regime de Bolonha” em Portugal) considerou a duração excessiva das licenciaturas no nosso País (“formações artificialmente longas” como aí se refere) um “desperdício de recursos”.

Q.

Desse modo, ao abrigo deste diploma, a licenciatura de Direito foi reduzida de 5 para 4 anos com o desiderato de evitar esse “desperdício de recursos”, sem colocar em causa a qualidade do ensino.

R.

Donde decorre que, em casos como o da licenciatura em Direito, a reforma de Bolonha deu lugar uma reformulação dos planos curriculares onde foi aumentado o número de disciplinas lecionadas por semestre.

S.

Não é certo, pois, em boa ciência, concluir que foi simplesmente eliminado um ano a esta licenciatura, quando o que sucedeu foi um mero reajuste do plano curricular.

T.

A acrescer, em contraposição com a ideia de diferenciação entre as duas licenciaturas, o Quadro Nacional de Qualificações contido na Portaria n.º 782/2009 atribui a ambas mesmo nível de qualificações, ao passo que ao titular do grau de mestrado ou doutoramento corresponde a um nível superior (nível 7).

U.

Uma vez que a “preocupação” com a diferenciação apenas iniciou em 2019, entre esta data e a data de conclusão das primeiras licenciaturas “pós” Bolonha, tiverem lugar diversos concursos para ingresso no CEJ, aos quais inúmeros titulares destas licenciaturas puderam aceder, pela via profissional, à profissão de Magistrado sem qualquer discriminação.

V.

Por outro lado, se a questão se prende com os conteúdos das licenciaturas, e não com estritamente com a sua duração, a verdade é que nunca existiu uma uniformização de conteúdos das licenciaturas em Direito. Nem antes nem depois das alterações introduzidas pelo Processo de Bolonha.

W.

Atingida a conclusão necessária de que a diferenciação entre as duas licenciaturas é injustificada e assente num mero preconceito e que, por conseguinte, os licenciados em Direito são iguais em competências e habilitações – na esteira, aliás, do recente entendimento do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA (vd. Acórdão proferido a 24-112021, no âmbito do processo 17663/20.3T8LSB.L1-4) – torna-se evidente que tanto os artigos 40.º e 145.º dos Estatutos da Magistratura Judicial e do Ministério Público, respetivamente, como a condição imposta pela alínea b) do n.º 2 do Aviso n.º 5170/2022, violam os princípios constitucionais da igualdade e da liberdade de escolha à profissão.

X.

De onde resulta que também a decisão de exclusão da Recorrente com base naquele quadro é nula ou, pelo menos anulável (caso se entenda que a ofensa a estes princípios não atinge o seu conteúdo essencial, o que não se concede.

Y.

A idêntica conclusão se chegaria pela via da violação do princípio da proporcionalidade, pois a opção pela diferenciação de licenciaturas não obedece a qualquer critério de razoabilidade nem é adequada a atingir um qualquer putativo interesse público assente na “filtragem” de candidatos admitidos a Concurso.

Z.

Demonstrativo disso mesmo é o facto de a Recorrente ter logrado aprovação na prova escrita, sendo classificada à frente de muitos licenciados “pré” Bolonha que realizaram esta prova, o que permite aferir que o Recorrido faria um melhor serviço à Magistratura se concedesse a um leque o mais amplo possível de licenciados em Direito, com experiência profissional, a oportunidade demonstrar as suas qualidades e competências, assim aumentando a possibilidade de formar bons Magistrados.

AA.

Assim, é manifesto que a decisão recorrida errou na apreciação do pressuposto fumus boni iuris e que o mesmo deveria ter sido dado por preenchido.

BB.

Ao mesmo passo, também os restantes pressupostos para o decretamento de providência – sobre os quais o Tribunal ad quo não se debruçou – deveriam ter sido dados preenchidos.

CC.

Impõe-se, assim, em conclusão, que a Sentença recorrida seja revogada e substituída por outra decisão judicial que defira a providência cautelar requerida e, em consequência, habilite a Recorrente a prosseguir o procedimento de ingresso no ... Curso de Formação bem como, mediante a necessária aprovação, a prosseguir este Curso até decisão final do processo principal.

Nestes termos, Deve ser concedido provimento ao presente recurso...

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