Acórdão nº 00382/21.0BEMDL-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução15 de Julho de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I. P. (IFAP) (Rua ..., ..., ... ...

), em processo cautelar intentado por AA (..., ... ..., ...), interpõe recurso jurisdicional do decidido pelo TAF de Mirandela, que decretou “a suspensão da eficácia do acto administrativo contido no ofício com a refª 007288/2021 DAI-UREC, que determinou, ao Requerente, a devolução da quantia de 109.148,50€”.

Conclui:

  1. O presente recurso é interposto da douta decisão na parte que julgou verificado o pressuposto do periculum in mora previsto no n.º 1 do art.º 120.º do CPTA e decretou a suspensão da decisão de 22.10.2021, que o IFAP notificou ao Requerente, constante do ofício com a referência 007288/2021 DAI/UREC, com a obrigação de reposição do montante de €109 148,50, relativos a apoios compensatórios pagos no âmbito da operação n.º 34935.

  2. A questão que se levanta é saber se, considerando as regras de distribuição do ónus da prova, de apreciação da prova em sede cautelar e a prova produzida, o Tribunal a quo devia ter dado como verificado o periculum in mora.

  3. O Requerente da tutela cautelar é beneficiário de candidatura para a Campanha de 2017/2018 - VITIS para a Região de Trás-os-Montes (Douro), e viu aprovada no dia 02.06-2017 uma comparticipação financeira de 135.080,51€ e uma compensação financeira de 7.371,75€, e pago um adiantamento no valor de 109.148,56€ no dia 26.07.2018, sobre o qual foi constituída a garantia bancária com a identificação GAR/18300782, prestada pelo Contra-interessado Banco 1..., a favor do Requerido.

    Por ofício com a refª 007288/2021 DAI-UREC, que o Requerido ora apelante enviou no dia 22.10.2021 ao Requerente, foi determinada a restituição voluntária da quantia referida com possibilidade de accionamento da garantia bancária em questão, que o Requerido IFAP promoveu no dia 02.02.2022 junto do Contra-interessado Banco 1..., facto que este comunicou ao Requerido no dia 07.02.2022 bem como da necessidade de este dever provisionar a respectiva conta de depósitos à ordem pela quantia accionada, que se encontra suspensa por decisão do Tribunal a quo.

  4. Na apreciação do requisito do periculum in mora (ponto V. 2.) a douta sentença conclui que a necessidade de o Requerente ter de aprovisionar a sua conta bancária junto do Contra-interessado Banco 1... com a quantia 109.148,56€, caso não lhe seja reconhecida a tutela cautelar, é passível de lhe causar a produção de prejuízos de difícil reparação, caso no processo principal lhe venha a ser reconhecida razão.

  5. Para o decretamento da providência a sentença considerou as menores exigências em matéria de prova sede cautelar.

  6. Na vertente financeira considerou os rendimentos declarados pelo Requerente no ano de 2020, com um rendimento global declarado de €17 055,65, mas real inferior, assim como as despesas e encargos do Requerente, todos referidos nos pontos 26 a 29 dos factos provados.

    A decisão em apreço infere, com apelo às regras da experiência «poupanças ou mútuos» - que se subentendem não muito avultadas - como justificação da disparidade entre «os aludidos encargos pessoais e familiares» e o «parco rendimento declarado».

  7. Em matéria patrimonial o Requerente nada alegou, como é seu ónus; o Tribunal a quo infere a existência de apenas um imóvel no património do Requente, com base na presunção de boa-fé da declaração de IRS e na prova de encargos com empréstimo.

  8. As regras da experiência não permitem sustentar as inferências do Tribunal a quo.

    A concessão da tutela cautelar não se justifica se existirem bens ou direitos – património –que acomodem os efeitos do accionamento de garantia bancária.

    É sabido que as instituições bancárias concedem garantias bancárias como aquela em questão nos autos, se lhe for oferecida segurança sob a forma de garantias pessoais ou reais, dada pelo beneficiário ou por terceiros, da recuperação dos valores.

  9. A tutela cautelar não exige do requerente prova que configure um esforço excessivo, como vem sustentado na douta sentença recorrida (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte do dia 02.7.2021, tirado no processo 00498/21.3BEBRG), mas tal vale no contexto do acórdão em causa apenas relativamente a questões de prova quando estejam em causa factos notórios.

    Caso tivesse sido alegado algo a respeito da situação patrimonial ao Requerente não era difícil fazer designadamente prova das condições de concessão da garantia bancária e das garantias pessoais ou reais oferecidas por conta desta, assim como o não seria extrair declarações do sítio da Internet das instituições bancárias nas quais tem depósitos ou aplicações bancárias, ou certidões no sítio da Autoridade Tributária para prova de que não tem outros imóveis ou de quantos tem.

    j)A ausência de alegação e prova de factos essenciais atinentes à situação geral patrimonial do Requerente inviabiliza que seja dado por verificado, ainda que perfunctoriamente, o periculum in mora, a situação de dano prevista no n.º 1 do art.º120.º do CPTA k)A douta sentença recorrida viola as disposições conjugadas do n.º 1 do art.º 5.º do CPC, do artigo 342.º do CC, e do artigo 120.º do CPTA, devendo ser substituída por outra que julgue não verificado o requisito do periculum in mora, revogue a douta decisão e a substitua por outra julgando improcedente a providência requerida.

    O recorrido contra-alegou.

    *O Exmº Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.

    *Com legal dispensa de vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.

    *Os factos, julgados como indiciariamente provados pelo tribunal “a quo”: 1) Em 11-01-2017, o Requerente celebrou um contrato de arrendamento rural com a Herança ilíquida e indivisa de BB, representada por CC, tendo por objecto um prédio rústico sito na ..., Freguesia ..., Concelho ..., inscrito na matriz cadastral do ... n.º 443, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...04, com a área de 64749,00 m2 [cf. pp. 18-19 do processo administrativo instrutor (PA)].

    2) Da cláusula 5ª desse contrato consta que tal contrato é celebrado pelo prazo de 15 anos, considerando-se sucessivamente renovado por igual período, enquanto não for denunciado por qualquer das partes, com a antecedência de um 1 ano mediante escrito assinado pelo respectivo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção [cf. pp. 18-19 do PA].

    3) À data da celebração desse contrato, o prédio em causa pertencia à herança de BB, de que eram herdeiros: a. DD; b. EE; c. FF; d. GG; e. HH; e f. CC.

    4) Em 22-01-2017, todos os referidos Herdeiros emitiram, por escrito, as respectivas autorizações para utilização de direitos de plantação/replantação e autorizações enquanto proprietários das parcelas a favor do Requerente no que toca ao prédio mencionado no item 1) deste probatório, com excepção da Herdeira HH.

    5) A Herdeira HH deu apenas o seu consentimento verbal à celebração do contrato de arrendamento.

    6) Em 31-01-2017, o Requerente submeteu, junto do Requerido uma candidatura para a Campanha de 2017/2018 - VITIS para a Região de Trás-os-Montes (Douro), com o valor total de € 143.905,70, a qual deu origem ao Processo de Candidatura VITIS n.º 34935 [cf. pp. 1-38 do PA].

    7) Essa candidatura foi objecto de aprovação no dia 02-06-2017, contemplando uma comparticipação financeira de 135.080,51€ e uma compensação financeira de 7.371,75 € [cf. pp. 39-67 do PA].

    8) Em 10-05-2018, foi constituída uma garantia bancária, com a identificação GAR/18300782, prestada pelo Contra-interessado Banco 1..., a favor do Requerido, com vista a assegurar o reembolso do adiantamento ao Requerente no valor de 109.148,56 € [cf. pp. 68-73 do PA].

    9) Tal garantia bancária vem prestada até 31-12-2022, podendo o Requerido executá-la até 90 dias após a data do seu termo [cf. p. 80 do PA].

    10) Em 25-07-2018, a DRAP Norte recepcionou um e-mail enviado por II, com o seguinte teor: “Bom dia Sr. Eng. JJ, Para que conste, reafirmamos a nossa posição, abaixo exposta, no que se refere à nossa oposição a qualquer apoio que possa ser concedido para reconversão da vinha na propriedade ..., nos termos abaixo discriminados.

    Aliás esta nossa oposição estende-se a qualquer intervenção, de qualquer natureza, na dita propriedade.

    Como comunicamos, o Contrato de Arrendamento Rural assinado a 11 de Janeiro de 2017, entre CC, como cabeça de casal da herança ilíquida e indivisa de KK, e o Sr. AA não é válido dado que não tem a concordância de todos os herdeiros. Neste caso concreto dos herdeiros de HH, de que eu sou uma representante.

    Por outro lado gostaria de alertá-lo para a também ilegalidade de um novo contrato, que julgamos terá sido apresentado, que está assinado por 5 herdeiros (e respetivos cônjuges vivos) e com data de 9 de Janeiro de 2017.

    Mais uma vez tratando-se de um Contrato de Arrendamento Rural sobre a referida propriedade ..., tem sempre de ter a concordância de todos os herdeiros; os herdeiros de HH não estão de acordo com os termos deste contrato e como tal não o assinaram nem validam, pelo que o mesmo é ilegal.

    Concretamente a Candidatura Vitis 2017-2018, aprovada com o nº 34935. Para que não restem duvidas quanto aos termos da nossa oposição e sua legalidade junto envio cópia da Certidão Permanente da propriedade ..., onde pode verificar que eu sou uma das herdeiras de HH que por sua vez é herdeira de KK. Nem HH, nem qualquer um dos seus herdeiros: LL MM II assinaram qualquer documento que valide o contrato de Arrendamento Rural efetuado pelos restantes herdeiros – só pelo cabeça de casal no caso do contrato de 11/01/2017 ou por todos os restantes 5 herdeiros no caso do contrato de 09/01/2017 – com o Sr. AA e que por consequência valide a aprovação da candidatura Vitis.

    Aliás deve merecer...

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