Acórdão nº 01104/10.7BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelPaulo Moura
Data da Resolução14 de Julho de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: P..., SA., interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA dos anos de 2006, 2007 e 2008 e respetivos juros compensatórios.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: I. CONCLUSÕES Quanto à nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto: A.

A factualidade que consta da lista dos factos não provados é, em primeiro lugar, meramente tautológica e conclusiva: a materialidade das operações/transacções subjacentes às facturas cujos custos foram desconsiderados pela Administração fiscal não é um verdadeiro facto – não o pode ser para efeitos da Sentença que deveria ter sido proferida no presente processo –, porque se trata de uma mera conclusão, insusceptível de ser levada ao probatório, porque encerra em si mesma a própria sorte da lide.

B.

Em segundo lugar, a especificação da matéria de facto não provada realizada pela Sentença recorrida é inadmissível por ser verdadeiramente inexistente: na verdade, existe uma contradição ostensiva entre, por um lado, a complexidade e extensão da factualidade que foi carreada para o processo, designadamente pela ora Recorrente, e que esta incluiu expressamente na sua petição inicial e nas alegações finais, e, por outro, o desleixo com que a Sentença a tratou.

C.

Se o Tribunal deu por integralmente provados os factos do Relatório, e se os tratou como indícios suficientes, então teria necessariamente de fazer constar do rol da matéria não provada os factos que a P..., SA defendeu serem idóneos à demonstração do contrário – isto é, de que aquela natureza indiciária seria de afastar –, explicando, com suficiente rigor, o porquê de os não ter considerado credíveis. Se o Tribunal achou que a matéria em causa não resultou provada, devia tê-lo dito claramente, assim como deveria ter desenvolvido circunstanciadamente as razões pelas quais ficou com essa convicção. O que não poderia ter feito foi – como fez – ter, pura e simplesmente, excluído dos autos essa matéria controvertida, sem justificar o valor ou o desvalor que lhe atribuiu, logo no momento processual em que esse esforço era devido.

D.

A falta de especificação dos fundamentos de facto é uma nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, bem como no n.º 1 do artigo 125º do CPPT, sendo que para efeitos deste último a falta de discriminação da matéria de facto não provada é equiparada à falta de indicação da matéria de facto provada.

Quanto ao erro no julgamento da matéria de facto: E.

Foram nos autos aduzidos factos cuja apreciação, se tivesse sido feita, implicaria necessariamente que aos constantes do Relatório de Inspecção (todos relativos a entidades terceiras, lembre-se) não pudesse ser atribuída, como foi pela AT, a natureza de indícios de que as facturas contabilizadas pela P..., SA não titulam transacções reais.

F.

Esses factos são os que constam elencados na petição inicial da Impugnante (nos artigos 40º a 104º da aludida PI), elenco esse que se dá aqui por reproduzido.

G.

Essa factualidade, se incluída no probatório, levaria à demonstração cabal da naturalidade e legalidade das operações em causa: da sua devida consideração teria necessariamente de concluir-se que todos os bens em causa nos autos foram efectivamente transaccionados, existindo documentação comercial, contabilística e bancária conforme, e não tendo essas operações decorrido de modo diverso ao que é usual no sector.

H.

No entanto, ao declarar quais os factos que julgou provados e os que entendeu não provados, o Tribunal a quo não analisou criticamente uma parte grande e fundamental das provas ao seu dispor, conforme lhe é exigido pelo artigo 607.º, n.º 4 do CPC.

Quanto ao erro no julgamento da matéria de direito: I.

O Tribunal recorrido faz uma interpretação errada das possibilidades de aplicação do artigo 19º, n.º 3 do Código do IVA: a AT está obrigada a recolher indícios sérios de que entre o contribuinte inspeccionado e os seus fornecedores de serviços ou bens houve um conluio simulatório.

J.

Para que o artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA se possa considerar correctamente aplicado, a AT deveria ter identificado, nas relações da Recorrente com os seus fornecedores, quer o intuito e o acordo simulatórios, quer o “animus nocendi” em desfavor do Estado.

K.

No entanto, ao decidir como decidiu, a Sentença a quo sancionou a legalidade de actos de liquidação cuja fundamentação é, no tom e na natureza, simplesmente remissiva – não constituindo mais do que uma mera resenha de conclusões de outros Relatórios (como que um seu epílogo), relativos a outros sujeitos passivos, de cujo conteúdo completo a P..., SA nunca teve conhecimento.

L.

A Sentença conformou-se com o facto de a AT não ter apresentado provas ou sequer indícios credíveis e circunstanciados do que aparentemente alega e que possam ser sustentadamente subsumidos ao conceito – a algum conceito – de simulação, limitando-se a expor o circuito comercial de determinadas mercadorias, a identificar a situação tributária irregular de alguns dos operadores que nele participam, a referir a alegada reiteração de um determinado tipo de fraude no sector em causa e a concluir, irresponsável e – diga-se – preguiçosamente, que toda e qualquer entidade envolvida nesse circuito faz parte de um conluio fraudulento.

M.

De qualquer modo, ainda que todos aqueles supostos indícios se viessem a provar, daí não se poderia concluir pela inexistência de meios para celebrar com a Recorrente os negócios titulados nas facturas: nenhum desses indícios impede um operador de, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se deslocar às instalações de um outro revendedor, oferecer as mercadorias, acordar um preço e descontar o cheque usado como meio de pagamento (ou seja, não pode concluir-se, apenas por que se confirmam aqueles factos, que os fornecedores não estavam em condições de transaccionar as mercadorias).

N.

Do Acórdão do TCA-Norte de 01/03/2007, proferido no processo n.º 00027/00, não resulta que a falsidade de facturas possa sempre ser retirada, para efeitos da definição da situação fiscal de um determinado contribuinte que as recebeu, com base na actuação concreta e nos termos gerais da actividade do emitente: só assim será se dos indícios extraídos da esfera dos emitentes resultar directamente a simulação das operações declaradas e a participação do receptor das facturas num conluio fraudulento.

O.

Enquanto no caso decidido pelo Acórdão do processo 00027/00 os indícios que dizem respeito ao emitente das facturas afectam directa e necessariamente a operação titulada pela factura desconsiderada pela AT (porque não é possível prestar serviços de “motoniveladora, pá carregadora, bulldozer D-5, giratória e retroescavadora” sem se possuir ou ter acesso a esses instrumentos), já quanto aos indícios mobilizados contra a Recorrente nada disso acontece, porque se trata de considerações genéricas sobre os fornecedores (e, lembre-se, sobre os fornecedores desses fornecedores!) das quais não resulta com suficiente certeza (longe disso) a impossibilidade de as transacções declaradas terem ocorrido.

P.

Assim, o Acórdão do TCA-Norte de 01/03/2007 vem, a contrario sensu, reforçar a posição da P..., SA, refutando o pressuposto da Sentença segundo o qual a AT se pode bastar com factos exclusivamente relativos aos fornecedores, que nada têm que os ligue ao sujeito passivo inspeccionado nem muito menos especificamente às operações concretas desconsideradas.

Q.

A situação em apreço é decisivamente semelhante à que subjaz ao Acórdão do TCA-Norte de 06/03/2008, proferido no âmbito do processo n.º 00104/01: também nesse processo se tratou de averiguar a legalidade de liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, emitidas a um sujeito passivo que tinha actividade no sector das sucatas, por alegadamente este ter deduzido imposto constante de facturas que não titulavam operações reais, sendo essa falsidade concluída exclusivamente a partir dos dados relativos aos fornecedores; e também aí foram pela AT recolhidos e dados como provados nos autos «indícios» integralmente respeitantes aos fornecedores da impugnante (aí recorrida) – à sua ausência de estrutura empresarial, falta de cumprimento de obrigações tributárias, etc. –, de estirpe semelhante à dos que estão ora em causa.

R.

Ora, nesse processo foi decidido – e bem – que «se a fiscalização dá como assente que a contabilidade do sujeito passivo da acção inspectiva está regularmente organizada e contabiliza todos os elementos nela descritos e os alicerça em suporte documental ao mesmo tempo que refere também que tais transacções estão comprovadamente pagas não pode a AF nesta situação por em causa algumas dessas transacções – totalmente documentadas – pelo facto de os emitentes das facturas serem conhecidos como emitentes habituais de facturação falsa». «A qualidade dos emitentes desacompanhada de outros elementos fácticos que revelem falsificação das facturas é manifestamente insuficiente de só por si ilidir a presunção de veracidade de que goza a contabilidade do comprador».

S.

Esta decisão é de um bom senso e sentido de justiça irrefutáveis: a documentação cabal das transacções, por parte do sujeito passivo inspeccionado, é uma prova que não pode ser refutada apenas com base apenas em factos relativos aos fornecedores, sem afectar propriamente as operações concretamente questionadas.

T.

O aresto citado não é isolado ou inovatório: na Jurisprudência do TCA – Norte, facilmente encontramos decisões sobre matéria semelhante à da situação presente coincidentes com a posição defendida pela ora Recorrente (por exemplo, o Acórdão de 23/06/2005, proferido no âmbito do processo n.º 00264/04, o de 01/12/2006...

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