Acórdão nº 00555/10.1BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelPaula Moura Teixeira
Data da Resolução15 de Junho de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO A Recorrente, A..., SA., NIPC (...), com sede no Lugar (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida relativa a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente ao ano de 2005.

A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: Quanto à nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto: A.

A factualidade que consta da lista dos factos não provados é, em primeiro lugar, meramente tautológica e conclusiva: a materialidade das operações/transacções subjacentes às facturas cujos custos foram desconsiderados pela Administração fiscal não é um verdadeiro facto não o pode ser para efeitos da Sentença que deveria ter sido proferida no presente processo, porque se trata de uma mera conclusão, insusceptível de ser levada ao probatório, porque encerra em si mesma a própria sorte da lide.

B.

Em segundo lugar, a especificação da matéria de facto não provada realizada pela Sentença recorrida é inadmissível por ser verdadeiramente inexistente: na verdade, existe uma contradição ostensiva entre, por um lado, a complexidade e extensão da factualidade que foi carreada para o processo, designadamente pela ora Recorrente, e que esta incluiu expressamente na sua petição inicial e nas alegações finais, e, por outro, o desleixo com que a Sentença a tratou.

C.

Se o Tribunal deu por integralmente provados os factos do Relatório, e se os tratou como «indícios» suficientes, então teria necessariamente de fazer constar do rol da matéria não provada os factos que a A..., SA--- defendeu serem idóneos à demonstração do contrário, de que aquela natureza indiciária seria de afastar, explicando, com suficiente rigor, o porquê de os não ter considerado credíveis. Se o Tribunal achou que a matéria em causa não resultou provada, devia tê-lo dito claramente, assim como deveria ter desenvolvido circunstanciadamente as razões pelas quais ficou com essa convicção. O que não poderia ter feito foi - como fez - ter, pura e simplesmente, excluído dos autos essa matéria controvertida, sem justificar o valor ou o desvalor que lhe atribuiu, logo no momento processual em que esse esforço era devido.

D.

A falta de especificação dos fundamentos de facto é uma nulidade prevista na alínea b) do n.° 1 do artigo 615° do CPC, bem como no n.° 1 do artigo 125° do CPPT, sendo que para efeitos deste último a falta de discriminação da matéria de facto não provada é equiparada à falta de indicação da matéria de facto provada.

E.

Posto que a decisão da matéria de facto, nomeadamente quanto aos factos não provados, é tautológica e insuficiente, nos termos sobreditos, ela acaba inexoravelmente por ser inadmissível também por resultar da ausência de exame crítico da prova.

F.

Para além de excessivamente breve, a Sentença é nesta parte, em grande medida, inócua e, de novo, tautológica, podendo até dizer-se que em parte a “motivação” não revela, verdadeiramente, motivação alguma.

G.

Por outro lado, todavia, o pouco que, do segmento em causa, se pode caracterizar, ainda que com dificuldade, como motivação da decisão da matéria de facto reduz-se a meras fórmulas vazias e genéricas, não podendo também ser considerada motivação suficiente.

H. Assim, deve concluir-se que o Tribunal, ao declarar quais os factos que julgou provados e os que entendeu não provados, não analisou criticamente uma parte grande e fundamental das provas ao seu dispor, nem especificou os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, conforme lhe é exigido pelo artigo 607.° do CPC.

I.

Por falta de especificação dos fundamentos de facto, a Sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade, prevista no n.° 1 do artigo 125° do CPPT e na alínea b) do n.° 1 do artigo 615° do CPC, podendo ser anulada oficiosamente, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.° 2 do artigo 662° do CPC.

Quanto ao erro no julgamento da matéria de facto: J.

Foram nos autos aduzidos factos cuja apreciação, se tivesse sido feita, implicaria necessariamente que aos constantes do Relatório de Inspecção (todos relativos a entidades terceiras, lembre-se) não possa ser atribuída, como o foi pela AT, a natureza de «indícios» de que as facturas contabilizadas pela A..., SA--- não titulam transacções reais.

K.

Esses factos são os que constam elencados na petição inicial da Impugnante (nos artigos 40° a 104° da aludida PI), elenco esse que se dá aqui por reproduzido.

L.

Essa factualidade, se incluída no probatório, levaria à demonstração cabal da naturalidade e legalidade das operações em causa: da sua devida consideração teria necessariamente de concluir-se que todos os bens em causa nos autos foram efectivamente transaccionados, existindo documentação comercial, contabilística e bancária conforme, e não tendo essas operações decorrido de modo diverso ao que é usual no sector.

Quanto ao erro no julgamento da matéria de direito: M.

O Tribunal recorrido faz uma interpretação errada das possibilidades de aplicação do artigo 19°, n.° 3 do Código do IVA: a AT está obrigada a recolher indícios sérios de que entre o contribuinte inspeccionado e os seus fornecedores de serviços ou bens houve um conluio simulatório.

N.

Para que o artigo 19.°, n.° 3 do Código do IVA se possa considerar correctamente aplicado, a AT deveria ter identificado, nas relações da Recorrente com os seus animus nocendi desfavor do Estado.

O. No entanto, ao decidir como decidiu, a Sentença a quo sancionou a legalidade de actos de liquidação cuja fundamentação é, no tom e na natureza, simplesmente remissiva - não constituindo mais do que uma mera resenha de conclusões de outros Relatórios (como que um seu epílogo), relativos a outros sujeitos passivos, de cujo conteúdo completo a A..., SA--- nunca teve conhecimento: a Sentença conformou-se com o facto de a AT não ter apresentado provas ou sequer indícios credíveis e circunstanciados do que aparentemente alega e que possam ser sustentadamente subsumidos ao conceito - a algum conceito - de simulação, limitando-se a expor o circuito comercial de determinadas mercadorias, a identificar a situação tributária irregular de alguns dos operadores que nele participam, a referir a alegada reiteração de um determinado tipo de fraude no sector em causa e a concluir, irresponsável e - diga-se - preguiçosamente, que toda e qualquer entidade envolvida nesse circuito faz parte de um conluio fraudulento.

P.

De qualquer modo, ainda que todos aqueles supostos «indícios» se viessem a provar, daí não se poderia concluir pela inexistência de meios para celebrar com a Recorrente os negócios titulados nas facturas: nenhum desses indícios impede um operador de, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se deslocar às instalações de um outro revendedor, oferecer as mercadorias, acordar um preço e descontar o cheque usado como meio de pagamento (ou seja, não pode concluir-se, apenas por que se confirmam aqueles factos, que os fornecedores não estavam em condições de transaccionar as mercadorias).

Q.

Do Acórdão do TCA-Norte de 01/03/2007, proferido no processo n.º 00027/00, não resulta que a falsidade de facturas possa sempre ser retirada, para efeitos da definição da situação fiscal de um determinado contribuinte que as recebeu, com base na actuação concreta e nos termos gerais da actividade do emitente: só assim será se dos indícios extraídos da esfera dos emitentes resultar directamente a simulação das operações declaradas e a participação do receptor das facturas num conluio fraudulento.

R.

Enquanto no caso decidido pelo Acórdão do processo 00027/00 os indícios que dizem respeito ao emitente das facturas afectam directa e necessariamente a operação titulada pela factura desconsiderada pela AT (porque não é possível prestar serviços de “motoniveladora, pá carregadora, bulldozer D-5, giratória e retroescavadora” sem se possuir ou ter acesso a esses instrumentos), já quanto aos «indícios» mobilizados contra a Recorrente nada disso acontece, porque se trata de considerações genéricas sobre os fornecedores (e, lembre-se, sobre os fornecedores desses fornecedores!) das quais não resulta com suficiente certeza (longe disso) a impossibilidade de as transacções declaradas terem ocorrido.

S.

Assim, o Acórdão do TCA-Norte de 01/03/2007 vem, a contrario sensu, reforçar a posição da A..., SA---, refutando o pressuposto da Sentença segundo o qual a AT se pode bastar com factos exclusivamente relativos aos fornecedores, que nada têm que os ligue ao sujeito passivo inspeccionado nem muito menos especificamente às operações concretas desconsideradas.

T.

A situação em apreço é decisivamente semelhante à que subjaz ao Acórdão do TCA-Norte de 06/03/2008, proferido no âmbito do processo n.º 00104/01: também nesse processo se tratou de averiguar a legalidade de liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, emitidas a um sujeito passivo que tinha actividade no sector das sucatas, por alegadamente este ter deduzido imposto constante de facturas que não titulavam operações reais, sendo essa falsidade concluída exclusivamente a partir dos dados relativos aos fornecedores; e também aí foram pela AT recolhidos e dados como provados nos autos «indícios» integralmente respeitantes aos fornecedores da impugnante (aí recorrida) - à sua ausência de estrutura empresarial, falta de cumprimento de obrigações tributárias, etc. -, de estirpe semelhante à dos que estão ora em causa.

U.

Ora, nesse processo foi decidido - e bem - que «se a fiscalização dá como assente que a contabilidade do sujeito passivo da acção inspectiva está regularmente organizada e contabiliza todos os elementos...

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