Acórdão nº 01744/06.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | Margarida Reis |
Data da Resolução | 30 de Junho de 2022 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A..., S.A., inconformada com a sentença proferida em 2021-01-28 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou parcialmente procedentes as impugnações judiciais por si interpostas tendo por objeto as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º ...42, referente ao exercício de 2001, que deu origem ao valor a pagar de EUR 2.935.092,30 e n.º ...79, referente ao exercício de 2002, que deu origem ao valor a pagar de EUR 1.728.114,84, vem dela interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: VII. CONCLUSÕES A) O Tribunal a quo julgou a impugnação judicial parcialmente improcedente, apenas tendo deferido o pedido da Recorrente de anulação das correções relativas (i) aos descontos pagos às Farmácias BB... (EUR 6.297,84) e CC--- (EUR 43.114,16) no exercício de 2001 por falta de fundamentação do relatório de inspeção; e (ii) à sujeição a tributação autónoma no que respeita às ofertas a clientes (EUR 59.698,42), também no exercício de 2001, matérias excluídas, como tal, do âmbito do presente recurso.
B) A sentença padece de manifesto erro na apreciação da prova produzida, défice instrutório, bem como violação ostensiva do princípio do inquisitório, quer perante a prova e indícios produzidos pela Recorrente, quer pelo teor contraditório da prova produzida pelas partes que obrigaria a outra valoração por parte do Tribunal a quo.
C) A inspeção tributária transferiu a totalidade do ónus da prova para a entidade inspecionada, obrigando-a à prova do pagamento e recebimento pelos seus clientes de mais de 2.000 cheques, procedimento, esse, validado pelo Tribunal a quo, que veio a considerar os custos não documentados, uma vez que lhe caberia a prova individualizada de todos os descontos concedidos nos exercícios de 2001 e 2002.
D) Existe evidência documental – por via das declarações de substituição submetidas – que parte dos clientes da Recorrente sonegaram rendimentos sem que tivessem sido objeto de qualquer ato inspetivo, pelo que a inspeção tributária optou por recolher a totalidade dos encargos tributários junto da ora Recorrente.
E) Ao abrigo do artigo 640.º CPC a Recorrente requer a ampliação da matéria de facto, tendo indicado em concreto quais os meios de prova desconsiderados e a insuficiência instrutória de que falece a sentença recorrida.
F) A desconsideração da prova testemunhal com fundamento na existência de uma relação profissional das testemunhas AA... e AP... é passível de gerar perplexidade, pois trata-se das pessoas responsáveis pelo departamento financeiro da Recorrente, tendo testemunhado com credibilidade, consistência e conhecimento direto e concreto sobre os factos objeto dos presentes autos.
G) Nos termos do disposto no artigo 662.º do CPC, “1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” H) O deficit probatório e instrutório é por demais evidente porquanto existem indícios nos autos de que os clientes das farmácias (i) nalguns casos negaram a receção dos descontos; (ii) noutros casos que omitiram rendimentos, desviando-os da esfera empresarial para a esfera pessoal; (iii) e ainda, existem indícios para distintos anos fiscais quando confrontados e notificados para justificar as divergências, os mesmos apressaram-se a corrigir as declarações fiscais anteriormente entregues.
I) Havendo estes indícios, o Tribunal a quo não se podia demitir de analisar criticamente a prova produzida e alargar a base instrutória.
J) Ao recusar o acesso a todos os dados, informações e provas recolhidas no decurso da inspeção – obrigando à interposição de um procedimento de intimação para consulta de documentos, a que viria a ter acesso após o decurso do prazo de audição prévia - a Administração Tributária violou ostensivamente os direitos de defesa e participação da Recorrente nos termos do artigo 60º da LGT, afetando a validade desses procedimentos e dos atos tributários que lhe sobrevieram.
K) A Administração Tributária está vinculada aos princípios da verdade, da justiça, da proporcionalidade e da igualdade (vide artigo 55.º da LGT) acolhidos em sede do procedimento de inspeção, uma vez que o mesmo está subordinado aos princípios da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação (vide artigo 5.º do RCPIT).
M) A Administração Tributária violou, ainda, o disposto no número 7 do artigo 60.º da LGT na medida em que, não teve em conta os factos, provas e questões de direito abordados pela Recorrente em sede de direito de audição prévia ao projeto de conclusões.
N) Se é verdade que a AT não está obrigada a concordar com a matéria de facto e de direito suscitada em sede de audição prévia, não é menos verdade que está legalmente obrigada a ter a mesma em conta e fundamentar os motivos porquanto tais elementos são irrelevantes para a decisão administrativa e sua motivação.
O) O que está em causa não consiste em saber se a Recorrente concedeu os descontos, mas sim apurar o destino que lhes foi dado pelos seus clientes, matéria que não cabe à Recorrente averiguar, sob pena de uma intolerável inversão do ónus de prova, e que a sentença recorrida não logrou analisar nem responder, limitando-se o Tribunal a quo a concluir pela alegada falta de prova documental do custo para efeitos do artigo 23.º do CIRC.
P) Tendo alguns clientes da Recorrente admitido ter recebido as quantias a título pessoal, tendo outros apresentado declarações de substituição, e estando perfeitamente identificado o seu beneficiário, como é possível a Administração Tributária coibir-se de efetuar uma investigação sobre os rendimentos declarados por parte desses sujeitos passivos? Q) Ao exigir à Recorrente a apresentação cópia e reto – apenas no exercício de 2001 – de todos os cheques pagos aos seus clientes (entre 1,500 a 2,000) a inspeção tributária violou de forma evidente o princípio da proporcionalidade na exigência de documentos que não estão, nem têm de estar na posse dos sujeitos passivos, invertendo de forma ilegítima e ilegal o ónus da prova que sobre esta impendia.
R) A desproporcionalidade dos meios de prova exigidos pela Administração Tributária não deve ser analisada ao abrigo do artigo 23.º do CIRC, mas sim do disposto nos artigos 63.º da LGT e 7.º do RCPIT, uma vez que a Recorrente não estava legalmente obrigada a dispor dos meios probatórios exigidos pela Administração Tributária, facto totalmente omisso na sentença ora recorrida e que acabou por prejudicar a decisão sobre esta matéria.
S) A Recorrente gostaria de esclarecer este Venerando Tribunal que mantém nos seus arquivos cópia (simples) da quase totalidade dos cheques emitidos nos anos de 2001 e 2002, tendo os mesmos sido exibidos ou disponibilizados aos serviços de inspeção tributária juntamente com todos os demais documentos contabilísticos passíveis de evidenciar a efetividade de tais operações (registos contabilísticos, fichas de clientes, dossiers físicos de atribuição dos descontos e pedidos de emissão de cheques, notas de crédito, assim se evidenciando a falência da argumentação da inspeção tributária sobre a falta de documentação e identificação dos beneficiários dos descontos Extra II e demais descontos pagos por intermédio de cheques ao portador.
T) Aliás, diga-se que a AT aceitou a dedutibilidade destes mesmos descontos desde que titulados por cheques nominativos, ainda que, ambas as situações (i.e. mesmo descontos pagos através de cheques ao portador ou nominativos) todo o procedimento de contabilização, registo, atribuição dos descontos seja exatamente o mesmo, o que foi corroborado pelas testemunhas AA... e AP....
U) Mesmo no caso de cheques nominativos, os mesmos estavam registados em contas de descontos e caixa, numa prova evidente da saída dos fundos e da identidade dos beneficiários.
V) A situação factual e jurídica nos presentes autos em nada difere do julgamento proferido por este Venerando Tribunal (TCA Sul) no que concerne aos mesmos descontos concedidos pela Recorrente no ano de 2000, tendo a posição da ora Recorrente merecido total acolhimento por este Tribunal.
W) A inspeção tributária (conduzida pela mesma chefe de equipa) alterou a sua metodologia nos exercícios subsequentes (nomeadamente no ano de 2002 aqui também objeto dos presentes autos), tendo solicitado um conjunto de esclarecimentos e efetuado diversas diligências probatórias junto dos clientes da Recorrente, o que conduziu, aliás, que estes reconhecessem o recebimento dos descontos Extra II por via da entrega de declarações de substituição.
X) A inspeção tributária acedeu às faturas, cópias dos cheques, notas de crédito, fichas de clientes e demais documentação de suporte ao gasto incorrido com descontos, sendo que a alegada listagem extra-contabílistica foi solicitada expressamente pela equipa de inspeção, conforme atestado de forma inequívoca pela testemunha AP..., a qual acompanhou diretamente a inspeção; Z) Os descontos concedidos pela AUF estão devidamente relevados e contabilizados na sua contabilidade, em cumprimento das disposições legais aplicáveis, a saber: artigo 29.º do Código Comercial, Diretriz Contabilística n.º 18 e artigos 17.º e 115.º do CIRC, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
A..., S.A) No que respeita à falta de contabilização dos descontos numa conta 211 (conta de clientes), tal asserção, além de pouco rigorosa, carece, antes de mais, de qualquer relevância fiscal, desde logo porquanto a inspeção tributária aceitou todos os descontos Extra II – mesmo não relevados na conta corrente dos clientes – contanto que os mesmos fossem pagos através de cheques nominativos, tal como confirmado pela testemunha AP... que confirmou que relativamente aos cheques...
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