Acórdão nº 00417/07.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelIrene Isabel Gomes das Neves
Data da Resolução02 de Junho de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A Recorrente (Fazenda Pública), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, em que foi julgada totalmente procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IVA relativas ao ano de 2002, bem como os respetivos juros compensatórios, no montante global de € 28.126,61, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Alegou, formulando as seguintes conclusões: «a.

Vem o presente recurso interposto da sentença datada de 13/10/2015, que julga procedente a impugnação, anulando as liquidações de IVA relativas aos 2º, 3º e 4º trimestres de 2002 por serem ilegais, por carecerem de fundamentação, existindo errónea quantificação e qualificação da matéria coletável.

b.

Cremos que a dita é nula, nos termos do art. 125º, nº 1 do CPPT, por falta de especificação dos fundamentos de direito da decisão.

c.

Alicerça o Meritíssimo Juiz a quo a sua convicção, relativamente à matéria de facto, essencialmente na “análise crítica dos documentos constantes dos autos”; já no que à fundamentação de direito concerne, a sentença é absolutamente omissa: d.

Pronunciando-se sobre a questão de saber se as correções realizadas (que tiveram por base omissão de faturação no montante de € 127.342,71) são fundadas, se há errónea quantificação e qualificação da matéria coletável, concluiu o Douto Tribunal a quo que os factos apurados permitem uma resposta clara: a de que a diferença entre o valor da fatura emitida pela impugnante e o valor total da empreitada corresponde ao crédito que a impugnante tinha sobre a B..., Ld.ª. e. Acrescentando: “Poderá até dizer-se que a Impugnante para reaver o crédito realizou esforço suplementar, realizou serviços em duplicado. Exigir que ela também emitisse fatura relativa à aludida diferença seria potenciar uma duplicação de tributação pois se ela respeitava a um crédito anterior ele, em princípio, já teria originado faturação.” f. E ainda que: “Se assim não aconteceu cumpria à AT demonstrar essa realidade...a AT nada disse e também não emitiu qualquer pronúncia sobre a versão que a Impugnante desde logo apresentou...olvidando, por completo, a argumentação e documentos que a Impugnante apresentou.” g.

É precisamente quanto ao segmento decisório que visa a subsunção dos factos ao direito a que se alude supra, alicerçado na factualidade dada como provada em F) e G) que a Fazenda Pública discorda da decisão do tribunal a quo. h.

Ressalta dos presentes autos uma contradição insanável: não obstante a recorrente referência à celebração do contrato de subempreitada entre a impugnante e a B..., Ld.ª, a verdade é que dos autos (nomeadamente dos documentos ...4 a ...8 juntos com a PI referenciados a propósito da factualidade provada em F) e G), não consta qualquer contrato, mormente que permitisse ao tribunal aferir dos respetivos termos.

i.

E, não obstante a clarividência do Tribunal a quo, a verdade é que o alegado crédito (pelo menos pelo montante de € 127.342,71) não surge documentalmente evidenciado nos autos; nem tão pouco descortina a Fazenda Pública que esforço suplementar, ou serviços em duplicado foram realizados pela aqui impugnante para reaver tal crédito.

j.

Ao que acresce que, à luz da legislação vigente à data dos factos, quer relativa ao IVA, quer ao IRC (nomeadamente os artigos 7º e 8º do CIVA e art. 18º, nº 1 e 3 b) do CIRC), a afirmação contida a fls. 5 da sentença “Exigir que ela também emitisse fatura relativa à aludida diferença seria potenciar uma duplicação de tributação pois se ela respeitava a um crédito anterior ele, em princípio, já teria originado faturação.” é reveladora de atropelo grosseiro das referenciadas normas.

k.

Com efeito, no sistema jurídico-tributário nacional vigora o princípio contabilístico designado por “princípio da especialização económica dos exercícios”, o qual se encontra vertido no art. 18º do CIRC e consiste em incluir nos resultados fiscais apenas os proveitos e os custos correspondentes a cada exercício económico.

l.

Usualmente considera-se que a vida económica de uma empresa tem várias fases que caracterizam a sua existência, dividindo-se a dita em períodos anuais que coincidem, como ocorre com a aqui impugnante, com o ano civil, por força do nº 1 do art. 8º do CIRC.

m.

Este princípio da anualidade determina que todos os proveitos e custos devem ser imputados ao período a que respeitam, independentemente do seu recebimento ou pagamento, regra que, alias, encontrava acolhimento no próprio Plano Oficial de Contabilidade – trata-se de um critério económico e não financeiro ou de caixa.

n.

Podemos, assim, afirmar que se o resultado líquido do exercício é apurado através da contabilidade – a qual opera numa ótica económica – constitui o ponto de partida para o resultado fiscal, então também este se obtém numa ótica idêntica, salvo as exceções previstas no código. É o nº 3 do art. 18º do CIRC que concretiza este princípio, estabelecendo (no caso das prestações de serviço) que: alínea b) – os proveitos são realizados e os correspondentes custos suportados na data em que termina o serviço, exceto se se tratar de serviços que consistam na prestação de mais de um ato, ou numa prestação continuada ou sucessiva em que serão contabilizados como resultados proporcionalmente à sua execução.

o.

Ou seja, não releva o momento em que é recebido o produto dos serviços prestados, mas o momento em que nasceu o respetivo crédito. Inversamente, também não releva para a imputação temporal de um custo, o momento em que a empresa extingue os seus débitos, mas sim o momento em que tais obrigações nascem. Incluem-se, pois, nos proveitos e custos do exercício os encargos com origem no mesmo, ainda que a receber ou a pagar no futuro. O momento em que se deve ter por ocorrido o custo ou proveito está normalmente associado ao momento da emissão do documento que o titula.

p.

No que à exigibilidade do imposto respeita, estatui o art. 7º, nº 1 do CIVA, nos termos do qual o imposto é devido e torna-se exigível, alínea b): nas prestações de serviços, no momento da sua realização; acrescentando o nº 3 que nas prestações de serviços de caráter continuado, resultantes de contratos que dêem lugar a pagamentos sucessivos, considera-se que as prestações de serviços são realizadas no termo do período a que se refere cada pagamento, sendo o imposto devido e exigível pelo respetivo montante.

q. Complementarmente, estatui a art. 8º do CIVA que, sempre que a prestação de serviços dê lugar à obrigação de emitir fatura ou documento equivalente, nos termos do art. 28º do CIVA, o imposto torna-se exigível, alínea b): se o prazo previsto para a emissão não for respeitado, no momento em que termina.

r.

Indubitavelmente está a impugnante, enquanto sujeito passivo de IVA (art. 2º, nº 1 alínea a) abrangida pela estatuição do art. 28º, nº 1 do CIVA, de acordo com a qual, para além do pagamento do imposto, os sujeitos passivos de IVA são obrigados a (alínea b): emitir uma fatura ou documento equivalente por cada prestação de serviços, nos prazos gerais do art. 35º do CIVA.

s.

Resulta inquestionavelmente dos autos que os serviços foram prestados pela impugnante (até porque a obra foi realizada, como atestam os documentos de pagamento emitidos pela Câmara Municipal ... que constituem o anexo 2 do processo administrativo, a fls. 42 e seguintes), o que a constituiria, desde logo, nas obrigações referenciadas supra, por referência ao valor da prestação de serviços ocorrida no exercício de 2002, de € 453.057,71, conforme fls. 5 do relatório de inspeção, a fls. 14 dos autos.

t.

A tal não obstando uma eventual existência de dívidas à impugnante, relativas a vários trabalhos realizados no âmbito da sua atividade, por banda da firma B..., Ld.ª (cuja conexão com a obra em causa nos presentes autos se não demonstra, sequer), jamais questionados pela Inspeção tributária.

u.

Contudo, coisa diversa de não questionar a existência de um crédito a favor da impugnante, seria pactuar com um expediente manifestamente ilegal de recurso à faturação para acerto de contas; isto é, cada serviço prestado, com as suas especificidades, deverá ser objeto de faturação (com a consequente liquidação e pagamento de imposto) em conformidade com as normas legais. – o que a AT se recusou a fazer, por via da correção efetuada; mas que a douta sentença parece sancionar, laborando assim em manifesto erro de direito.

v.

É que o acerto de contas entre duas entidades, seguramente recorrente no âmbito do exercício de uma atividade comercial, insere-se num plano privado, não abrangido pela relação jurídica tributária, isto é, cinge-se à relação inter partes; deverá, por isso mesmo e quando muito, ser evidenciada contabilisticamente, em documento autónomo (por exemplo, nota de débito, recibo).

w.

Cremos que a fundamentação de direito (art. 615º, nº 1 al. b) do CPC e 125º CPPT) exige uma caracterização jurídica dos factos, isto é, que dela se faça derivar a solução da causa e se explicitem as respetivas razões ou fundamentos de direito – o que manifestamente não ocorre na sentença ora em apreço.

Termos em que, dando provimento ao presente recurso, deverá ser a sentença ser declarada nula, por falta de especificação dos fundamentos de direito, com as legais consequências.

» 1.2. A Recorrida (A..., S.A.), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 151 SITAF, aderindo à argumentação desenvolvida no...

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