Acórdão nº 02882/12.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelTiago Miranda
Data da Resolução02 de Junho de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I - Relatório "A..., LDA.". Autora nos autos de acção administrativa especial identificada em epígrafe, interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que absolveu a Autoridde Tributária e Aduaneira (AT) do pedido de anulação do despacho da Srª AA, de 22/6/2012 que indeferiu o pedido de revisão oficiosa da matéria tributável em IRC do ano de 2008 e de condenação da AT na emissão do acto devido da anulação parcial da autoliquidação do IRC desse exercício no concernente à aplicação da taxa de 10%, prevista na Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, na tributação autónoma de despesas ocorridas entre 1 de Janeiro e 5 Dezembro de 2008.

Rematou a sua alegação com as seguintes conclusões: «I. O presente recurso vem interposto da douta sentença de 25.05.2020 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a Acção Administrativa Especial intentada pela ora Recorrente ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 46.º, artigos 50.º e seguintes, artigos 66° e seguintes e alínea a) do n.º 2 do artigo 47.º do CPTA, na redacção dada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, com vista à anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2008 e, ainda, à condenação da AT na prática do acto devido de anulação parcial da referida autoliquidação de IRC no que concerne à aplicação da taxa de 10%, prevista na Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, aos encargos incorridos com despesas de representação e relativos a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas entre 1 de Janeiro de 5 de Dezembro de 2008 e, bem assim, ao reembolso da diferença entre o montante pago pela Recorrente e o que resulta da aplicação da taxa de 5% às ditas despesas, sujeitas a tributação autónoma, no valor de € 9.415,76; II. Demonstrou a Recorrente que o douto Tribunal recorrido não só fez uma errada aplicação da lei aos factos, como não concretizou, de forma clara, os efeitos decorrentes da inconstitucionalidade da norma sub judice.

III. Pelo que a douta sentença proferida nunca poderá proceder, posto que a tributação de 10% a incidir sobre aos encargos incorridos com despesas de representação e relativos a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas entre 1 de Janeiro e 5 de Dezembro de 2008, nos termos previstos na Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, para além de abstractamente atentatória do princípio da não retroactividade da lei fiscal, é concreta e reconhecidamente inconstitucional; A Recorrente não se conforma com a sentença, porquanto entende que a mesma procedeu a uma inadequada subsunção dos factos ao direito aplicável, nomeadamente no que respeita à manutenção, na ordem jurídica portuguesa, dos efeitos de uma norma declarada inconstitucional; V. Não obstante a sentença ter dado provimento à pretensão da Recorrente no que diz respeito à tempestividade do pedido de revisão oficiosa - questão, aliás, actualmente pacífica na Doutrina e na Jurisprudência, VI. Considera a Recorrente ser inequívoco que a atribuição de efeitos retroactivos à taxa de 10% a incidir sobre aos encargos incorridos com despesas de representação e relativos a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas entre 1 de Janeiros de 5 de Dezembro de 2008, nos termos previstos na Lei n.3 64/2008, de 5 de Dezembro, por efeitos do n.º 1 do artigo 5.º do mesmo diploma, sofre de manifesta inconstitucionalidade; VII. Contudo, a sentença recorrida veio pugnar pela improcedência do pedido da ora Recorrente, em adesão à posição da AT, considerando que, face ao princípio da legalidade a que a AT se encontra sujeita, não poderia ter actuado de outra forma perante a lei em vigor à data dos factos; VIII. Sucede que, salvo o devido respeito, não se pode concordar com tal conclusão, porquanto não concretiza, de forma plena, os efeitos decorrentes da inconstitucionalidade declarada, focando-se, tão-só, na existência de eventuais juízos de censura à actuação da AT; IX. De facto, faz a sentença a quo a correlação entre o facto de não poder ser imputado aos serviços da AT erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu" cf. fls 8, e a manutenção da autoliquidação de IRC sub judice ao abrigo de uma norma declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional; X. Efectivamente, ao contrário do que pugna a sentença recorrida, a inimputabilidade de um juízo de censura à actuação da AT - conforme entendido pelo Tribunal a quo - não pode ter como decorrência natural a manutenção integral da autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2008, XI. Porquanto a norma que subjaz ao cálculo nela contida relativo à aplicação da taxa de 10% aos encargos incorridos com despesas de representação e relativos a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas entre 1 de Janeiros e 5 de Dezembro de 2008 foi declarada inconstitucional, porque manifestamente contrária ao princípio da não retroactividade da lei fiscal previsto no n.º 3 do artigo 103.º da CRP; XII. De facto, a Recorrente demonstrou que, para além de o pedido por si apresentado para revisão do acto tributário ter sido manifestamente tempestivo, porque apresentado no prazo de quatro anos contados da liquidação (cf. n.9 2 do artigo 78.9 da Lei Geral Tributária, na versão em vigor à data dos factos), XIII. Entendimento, em si, plenamente acolhido pelo Tribunal, a XIV. A anulação parcial da autoliquidação de IRC que lhe subjaz, relativa ao período de 2008, é um poder-dever da AT que deverá ser exercido, visto tal acto tributário se encontrar inquinado de nulidade por manifesta violação de um direito fundamental constitucionalmente tutelado, XV. Nulidade amplamente reconhecida e sufragada pelo Tribunal Constitucional em três oportunidades distintas (Vide, para o efeito, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.9 617/2012, 85/2013 e 171/2017); XVI. Ao pugnar, de forma clara, que "...atendendo ao facto de que as tributações autónomas se distinguem da generalidade dos impostos por se destinarem a desincentivar a prática de actos de despesa que o legislador presume desnecessários, e sendo manifestamente impossível orientar condutas retroactivamente, nada na lógica da intervenção legislativa justifica que o regime mais oneroso estabelecido em Dezembro se aplique às despesas realizadas nos meses anteriores do ano. A única razão discernível para semelhante solução é a necessidade de o Estado, na etapa finalíssima do ano orçamental, arrecadar receitas fiscais suplementares.

Ora, invocado nesses termos abstractos e utilitários, o interesse público não constitui evidentemente uma razão válida para que se frustrem as expectativas razoáveis dos cidadãos na estabilidade da sua vida tributária e na confiabilidade da lei fiscal." (cf. Acórdão n.º 171/2017); XVII. In casu, resulta inequívoca a inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, porquanto veio agravar, de forma retroactiva, a tributação de factos tributários já inteiramente consolidados na esfera da Recorrente.

XVIII. A Jurisprudência do STA é unânime no sentido de que, perante situações idênticas, as autoliquidação de IRC que enfermam deste vício deverão ser anuladas, concluindo que "não pode a lei agravar o valor da taxa de tributação autónoma, relativamente a despesas já efectuadas aquando da sua entrada em vigor, incorrendo a norma do artigo 5.º, nº 1, da Lei n- 64/2008, de 5 de Dezembro, ao determinar a retroacção de efeitos a 1 de Janeiro de 2008 da alteração do artigo 81.º nº 3, do CIRC, em inconstitucionalidade por violação da proibição imposta no artigo 103.º, nº 3, da Constituição." (neste sentido, Vide Acórdão de 17.04.2013, processo n.º 0166/13, Acórdão de 21.01.2015, processo 0470/14 ou, ainda, Acórdão de 23.10.2019, processo n.º 01682/11.3BELRS); XIX. Pelo que, face à sua manifesta ilegalidade, não se poderá manter na ordem jurídica a liquidação sub judice, devendo ser parcialmente anulada em conformidade, por infringir, de forma manifesta, o princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal, previsto no n.º 3 do artigo 103.º CRP, e a Recorrente reembolsada do montante por si indevidamente suportado em excesso, no valor de € 9.415,76.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, anulando-se a douta sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!» Notificada, a Recorrida respondeu à alegação, concluindo nos seguintes termos: «IV. Conclusões: A.O Recurso vem apresentado da douta sentença do TAF do Porto de 25.05.2020 para o STA que considerou a improcedência da acção e absolveu a Autoridade Tributária do pedido, não preenche os...

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