Acórdão nº 00070/10.3BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelTiago Miranda
Data da Resolução02 de Junho de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I - Relatório A Fazenda Pública interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 7 de Fevereiro de 2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou procedente a impugnação apresentada pela A... Lda, NIPC (…), com sede no Lugar da (…), contra a liquidação adicional de IVA relativamente aos anos de 2002 e 2003 e juros compensatórios, no valor total de 53 745,71 €, de que foi objecto, resultantes de correcções aos valores declarados, com recurso à avaliação da matéria tributável por métodos indiciários, no seguimento de uma acção de fiscalização.

Da sua alegação seleccionamos e transcrevemos as seguintes e conclusões: «CONCLUSÕES: A-) Ao contrário do considerado na douta sentença recorrida, (e que vai no sentido de que a AT se bastou com a mera constatação da insuficiência/erros dos elementos da contabilidade para fundar o recurso aos métodos indiciários, não especificando nem comprovando dos motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável), a AT baseia-se na factualidade especificada nos capítulos IV e V do relatório de inspecção tributário, págs.10 a 22., e, no processo de revisão da matéria tributável- proc.n°...06-, e, nomeadamente, na acta e decisão aí proferida, toda ela constitutiva da especificação, e da motivação, formal e material, de facto e de direito, e do percurso cognoscitivo e valorativo, conducente, não só à formulação de um juízo da inidoneidade e falta de credibilidade da escrita contabilística da recorrida, mas também, de um juízo legitimador da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável B-) A fundamentação decisória da douta sentença em crise lavra em manifesto Erro de Julgamento da matéria de facto face à indevida consideração de factualidade insusceptível de suportar o juízo de impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável.

C-) E lavra em Erro de Julgamento da matéria de direito, face à indevida avaliação, na fundamentação de direito da douta sentença em crise, da motivação jurídica invocada pela AT, e indevida consideração de ausência do percurso cognoscitivo e valorativo feito pela AT, referente à impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável D-) Não pode a sentença dizer que a AT se bastou com a mera constatação de inexistência/insuficiência dos elementos da contabilidade, e/ou dos erros/inexactidões da mesma para fundar o recurso aos métodos indiciários, e que a AT não especificou dos motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, quando tudo isso foi referido e motivado no Relatório de Inspecção, e após, alegado cm sede de Contestação, e, agora, nesta peça, está claramente evidenciado que a AT, em sede inspectiva usou, com detalhe, da motivação de facto e, também, jurídica, para explicar da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, ficando claro e perceptível o percurso cognoscitivo e valorativo referente a essa impossibilidade.

E-) E a AT foi mais além, já que alegou e evidenciou da insuficiência probatória documental suporte das operações comerciais e tributárias com reflexo contabilístico deficiente e incompleto, nomeadamente através da situação de despesas indocumentadas ou deficientemente documentadas,(designadamente, nas omissões de venda de vinho (vinho vendido mas não facturado), a situação de uma lista de autoconsumos e operações gratuitas consideradas como vendas feitas e omitidas, constituição irregular de provisão para depreciação de existências) o que legitimou a actuação da AT na aplicação de métodos indiciários F-) E não deixou de indicar o critério através do qual foi determinada a matéria tributável por métodos indirectos - cfr. capítulo V, n° 1 do relatório de inspecção.

G-) Lavrou a sentença, também, em Erro dc interpretação dos factos constantes dos autos e Erro dc Valoração da factualidade dada como Provada já que os pressupostos de facto de que a AT partiu para usar de métodos indiciários não estão errados, mas estão claramente demonstrados, nem que mais não seja, e não cansa a sua repetição, pelo facto de, conquanto traço comum à deficiência formal contabilística e respectiva inidoneidade, as operações comerciais e tributárias reflectidas na contabilidade, e enumeradas nos arts. 20° e 21° antecedentes, carecerem, em absoluto, ou deficientemente, de suporte probatório documental H-) Sendo certo que, nas despesas indocumentadas, ou deficientemente documentadas, recai sobre o contribuinte o ónus de comprovar o respectivo custo, pela demonstração de que as operações se realizaram efectivamente, através de uma qualquer forma externa de representação da operação desde que explicite, de forma clara e objectiva, as principais características da operação (os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção).

Termos em que, e nos melhores de Direito aplicáveis, deve: • Conceder-se provimento ao presente recurso, e a Douta sentença recorrida ser revogada, • Ser julgado válido, regular e legal, a aplicação de métodos indirectos na determinação da matéria tributável em sede de IVA referente aos exercícios de 2002 e 2003 • E, bem assim, as correspectivas liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios devidamente notificadas ao sujeito passivo/Impugnante Assim se fazendo inteira JUSTIÇA».

Notificada, a Impugnante não respondeu à alegação.

O Digno Magistrado do Ministério Público neste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do Recurso, redutível ao seguinte: «(…) analisadas as conclusões formuladas pela ora Recorrente, na motivação do recurso em apreço, resulta que a mesma vem imputar à douta sentença recorrida, sucessivamente: 1 - Erro de julgamento da matéria de facto por indevida consideração na fundamentação de facto, de factualidade insusceptível de suportar o juízo de impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável e, 2- Erro de julgamento da matéria de direito por errada consideração de ausência de percurso cognoscitivo e valorativo pela AT, referente à impossibilidade de determinação exacta da matéria tributável.

Cumpre-nos, pois, emitir parecer, o que faremos de imediato.

ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO Quanto a esta questão, cumpre-nos, no imediato, realçar que a Recorrente não veio verdadeiramente insurgir-se contra a factualidade dada como assente, pugnando pela sua alteração, mediante o aditamento ou, ao invés, a eliminação de quaisquer factos tidos como relevantes para a boa decisão da causa.

Na verdade, a Recorrente esgrime apenas contra o facto de o Mm° Juiz a quo, ancorado nessa mesma factualidade, ter concluído no sentido de não se encontrarem verificados os pressupostos da avaliação da matéria tributável com recurso aos métodos indirectos.

Ora, da concatenação dos factos vertidos na fundamentação, sobretudo da análise dos documentos e da inquirição das testemunhas que serviram de suporte à fixação da factualidade apurada e para os quais remete, Resulta, no nosso entendimento, que o que se provou é manifestamente diferente daquilo que a Recorrente considerou no RIT para proceder à liquidação oficiosa através da aplicação de métodos indirectos.

Assim sendo, o Mm Juiz a quo não errou no juízo que teceu sobre a prova produzida e, em consequência, no tratamento jurídico dado ao caso em análise, ao extrair convicção idêntica à que dimana de uma análise coerente e conjugada do material probatório carreado para os autos.

Consequentemente, há que concluir pela total improcedência da argumentação aduzida pela Recorrente, no que tange a este segmento recursivo.

ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO Insurge-se ainda a Recorrente contra o facto da douta sentença recorrida ter considerado não se verificarem, in casu, os pressupostos para a tributação por métodos indirectos.

Ora, de acordo com o artigo 74°, n° 1 da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invocar, Por outro lado, nos termos do artigo 75°, n° 1 do supracitado diploma legal presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações das contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

Existe, pois, uma presunção legal de verdade das declarações apresentadas pelos contribuintes à administração tributária, declarações essas que dão início ao procedimento de instauração da liquidação (cf. artigo 59°, n° 1 do CPPT).

Essa presunção só cede se tais declarações apresentarem omissões, erros ou inexactidões de que não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo, conforme dispõe o artigo 75°, n° 2 da LGT, o que, diga-se, desde já, não ocorreu no caso em análise.

Este entendimento tem apoio na mais recente jurisprudência que tem vindo a ser proferida sobre esta temática.

Assim, este TCAN consagrou o avalizado entendimento de que “1- O recurso aos métodos indiciários de determinação da matéria colectável pela Administração Pública é sempre um meio subsidiário, e a Administração Fiscal apenas pode lançar mão deste meio desde que verificados os pressupostos que a lei determina.

2 - A AF apenas pode lançar mão deste meio quando ocorrer a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação correcta da matéria colectável de qualquer imposto – al. b) do art.º 87° da LGT – devendo também fundamentar as razões de tal impossibilidade – art. ° 77°, n° 4, da LGT.

3 - No caso dos autos, constatada que foi a ausência de elementos na escrita da impugnante de onde poderia concluir-se pela veracidade da matéria colectável declarada, a AF que fundamentou o recurso a métodos...

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