Acórdão nº 00253/22.3BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Agosto de 2022

Magistrado ResponsávelAna Patrocínio
Data da Resolução31 de Agosto de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório AA, contribuinte fiscal n.º ..., melhor identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 09/06/2022, que julgou improcedente a reclamação do acto do órgão de execução fiscal, proferido pela Direcção de Finanças de ...., datado de 05/04/2022, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...73, peticionando a anulação do referido despacho com todas as consequências legais.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “1) A questão que, neste âmbito, importa dirimir, relaciona-se com o indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, requerido pela ora recorrente, no âmbito dos presentes autos.

2) Ora, tal como é consabido, o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia está sujeito à verificação de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e, um terceiro, de verificação cumulativa.

3) Alternativamente, importa provar que: - a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou, - a manifesta falta de meios económicos; a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; Cumulativamente, cumpre demonstrar: - a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado (artigo 52.º, nº4 da LGT); 4) Quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa.

5) Por outro lado, compete à Administração Tributária a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a atuação dolosa dos Reclamantes.

6) Ora, não tendo a Administração Tributária alegado e demonstrado, como era seu ónus, o intuito doloso, estão verificados os requisitos para a dispensa de prestação de garantia (52.º, nº4 da LGT e 170.º, nº3 do CPPT).

7) Neste tipo de procedimentos, impõe-se à Autoridade Tributária uma atuação mais proactiva, mormente no que respeita à determinação da situação patrimonial concreta do interessado, quando são alegados no pedido apresentado junto do órgão de execução fiscal os factos constitutivos do direito à isenção de prestação de garantia, tal como sucedeu “in casu”, pois optando a AT por indeferir logo o pedido, não foi dado cumprimento ao princípio da descoberta da verdade material, enquanto corolário do princípio do inquisitório, e que, no fundo, constituem pedras angulares do procedimento administrativo.

8) Ora, no caso vertente, a ora recorrente alegou, sem síntese, que tem de suportar várias despesas correntes mensais; a saber: - €350,00 em renda de casa; - €118.63 em serviços de comunicação; - €18,14 e €32,57 em energia; - €15,55 em água.

9) Certo é que, as despesas correntes e fixas mensais ascendem ao valor de €534,89; portanto, quase o valor de um salário mínimo nacional, pelo que, salvo o devido respeito, não se compreende o segmento da decisão aqui em crise quando expressamente refere que “Mesmo atendendo à circunstância de esse montante, em abstrato, não assumir uma dimensão manifestamente exagerada face às despesas correntes normais de qualquer cidadão.” 10) Desta decisão, ressalvada a devida vénia e o respeito por melhor entendimento, dissente a ora recorrente, a qual considera, que as despesas por si suportadas assumem, ao invés do decidido, uma dimensão manifestamente exagerada face às despesas normais de qualquer cidadão, desde logo, porque o cômputo do seu valor ascende quase ao montante de um salário mínimo nacional; a saber €705,00.

11) Com efeito, subtraindo as despesas correntes normais, suportadas pela recorrente, facilmente percebemos que apenas restam 170 euros para atingir o salário mínimo nacional.

12) E, a verdade é que, em tais montantes, não foram consideradas despesas com a alimentação, com o combustível necessário para que a recorrente se possa deslocar para o seu local de trabalho, bem assim outras despesas que possam surgir de modo inesperado.

13) Sucede, porém, que a ora recorrente enfrenta uma fase da vida em que dispõe de escassos recursos económicos, sendo com extrema dificuldade que faz face às despesas que enfrenta diariamente, situação deficitária substancialmente agravada nos últimos tempos, fruto da situação excecional por todos vivida resultante da pandemia COVID19, que reduziu substancialmente os rendimentos da população em geral de que o ora recorrente não é exceção.

14) A este fator acresce a inflação dos preços gerada pela guerra, na qual toda a Europa está a pagar um preço elevado.

15) A inflação é, por estes dias, mais acentuada no que toca aos preços energéticos, levando a que os preços dos combustíveis fósseis (como o gás) tenham disparado nas últimas semanas e alcançado os níveis mais altos da última década devido aos receios de redução na oferta provocada pela invasão russa da Ucrânia.

16) E, mesmo que a guerra terminasse amanhã, serão precisos anos para que a economia se recupere; e quanto mais a guerra continuar, maiores serão os danos, maior será o potencial para viciosas interações e ciclos adversos, e mais profundas serão as consequências.

17) Consequentemente, a recorrente, no seu requerimento, alega e reitera a manifesta falta de meios económicos suficientes que lhe permitam prestar a garantia exigida por lei, sem que com isso coloque em causa a sua subsistência, o que implicaria um prejuízo irreparável no seu sustento.

18) Não obstante estar a canalizar todos os esforços económicos para cumprir pontualmente as suas obrigações, 19) Facto é que, a ora recorrente não dispõe de meios económicos para prestar a referida garantia, pelo que, vê-se totalmente impossibilitada de prestar a garantia exigida por lei para suspender os presentes autos.

20) E, mesmo por remota hipótese, que apenas se coloca por mera cautela de patrocínio, pudesse prestar tal garantia, sempre tal implicaria um desmesurado e incomportável sacrifício.

21) Destarte, com o devido respeito por diversa opinião, o douto Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento em matéria de facto e de direito, devido a incorreta valoração dos elementos constantes dos autos, violando o disposto nos artigos 52.º n.º 4 da LGT, e 170.º, n.º 3 do CPPT.

22) O “thema decidendum¸ segundo o, aliás, douto entendimento do Tribunal a quo, consiste em saber se se verifica, no presente caso, o preenchimento dos requisitos de que o artigo 52.º, n.º 4 da LGT faz depender a concessão de dispensa de prestação de garantia.

23) Dispõe o normativo vindo de enunciar que: “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.” 24) No caso em análise nos autos, a ora recorrente apresentou pedido de dispensa de prestação de garantia, alegando o prejuízo irreparável na prestação de garantia bancária e a insuficiência de meios económicos.

25) Não sendo controvertida a insuficiência patrimonial e não havendo indícios, nem sequer alegação, de atuação dolosa da Reclamante/aqui recorrente, haverão de ter-se como cumpridos os requisitos exigidos pelo artigo 52º n.º 4 da LGT, para que a AT, a requerimento da executada, a isente da prestação de garantia, por manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, e porque não existem fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.

26) Em termos de ónus probatório, cumpre relevar que quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente, in casu a Recorrida, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa.

27) Por seu turno, compete à Administração Tributária a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a atuação dolosa da ora recorrente.

28) Pois, a ratio legis coaduna-se com a circunstância de não se justificar a isenção de prestação de garantia quando o/a executado/a tenha previamente sonegado ou dissipado os bens com o intuito de diminuir as garantias dos credores ou que tenha colocado dolosamente a sua situação em manifesta insuficiência económica para a prestação da garantia.

29) Note-se que, com a nova redação do n.º 4, do art.º 52.º, da LGT, o legislador tributário procedeu à inversão do ónus da prova no que concerne ao preenchimento do terceiro pressuposto (cumulativo) passando a constar uma atuação dolosa invés da prova do afastamento de uma atuação culposa por parte do executado.

30) A Recorrida, no seu requerimento de pedido de dispensa de prestação de garantia, alega, entre o mais, a manifesta insuficiência de meios económicos revelada pela ausência de bens suscetíveis de penhora, apelando, para o efeito, para a consulta oficiosa das bases de dados da Administração Tributária.

31) De todo o modo, a Administração Tributária no seu despacho de indeferimento não refuta a alegada manifesta insuficiência económica, não juntando qualquer elemento/ documento probatório constante nas bases de dados da Administração Tributária que ateste, inequivocamente, a existência de ativos penhoráveis.

32) É certo que o ónus probatório impende sobre a Recorrente, mas a verdade é que tais elementos se encontram na posse da Recorrida (AT), constituindo um poder/dever da mesma aquilatar...

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