Acórdão nº 00021/10.5BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 06 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelAna Patrocínio
Data da Resolução06 de Outubro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório L..., titular do número de identificação de pessoa colectiva 50.......92, melhor identificada nos autos, veio, nesta impugnação judicial contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa visando autoliquidação de IRC, relativa ao ano de 2007, no montante de €1.035.061,15, interpor recurso do despacho interlocutório proferido, em 23/03/2022, pela Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou prejudicado o pedido de inquirição das testemunhas arroladas, por ter sido determinado o aproveitamento da inquirição realizada no processo n.º 2...4/...0BEPRT; bem como interpor recurso da sentença, prolatada na mesma data, que julgou improcedente essa impugnação, afastando a aplicabilidade da isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código de IRC, por a Recorrente desenvolver, para além da actividade de gestão de resíduos, uma actividade de natureza comercial.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso da decisão interlocutória formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “1. Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que indeferiu a inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente em sede de petição inicial.

  1. No entender da Recorrente, o despacho em crise é nulo por falta de fundamentação, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 613.º do CPC, por sua vez aplicável por remissão da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

  2. Acresce que, de acordo com o princípio da verdade material e do inquisitório não deve ser vedada à Recorrente a inquirição de testemunhas que auxiliariam o Tribunal na descoberta da verdade e na justa composição do litígio (cfr. artigo 13.º do CPPT).

  3. A realização da inquirição de testemunhas omitida afigura-se essencial para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa sendo que, a não se realizar, onerará a decisão final com uma distorcida perceção dos factos e, no limite, uma grave omissão de pronúncia.

  4. Ao presente recurso deve ser reconhecido efeito suspensivo por forma evitar o incontornável recurso de uma decisão que venha a ser proferida sem ter em conta os factos que deveriam ter sido objeto de prova testemunhal e, em virtude da decisão recorrida, não foram (cfr. artigo 647.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

    TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO, SE REQUER A V. EXAS. A ANULAÇÃO E REVOGAÇÃO DO DESPACHO RECORRIDO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE, QUE SE ORDENE A REALIZAÇÃO DA INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS OMITIDA NOS AUTOS.

    MAIS SE REQUER, ATENTO O EFEITO ÚTIL QUE SE VISA ACAUTELAR, QUE O PRESENTE RECURSO SUBA IMEDIATAMENTE E EM SEPARADO.” O recurso foi admitido para subida imediata, nos próprios autos e em simultâneo com o recurso interposto da decisão final, uma vez que o despacho interlocutório e a sentença foram proferidos na mesma data, em 23/03/2022.

    A parte contrária não contra-alegou.

    Como referimos, na mesma data, foi prolatada sentença que julgou a impugnação improcedente.

    Desta sentença, também foi interposto recurso, cujas alegações a Recorrente resumiu nas seguintes conclusões: “A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente contra a autoliquidação de IRC relativa ao ano de 2007, no montante de € 1.035.061,15.

    1. O Tribunal a quo entendeu que a Recorrente não podia beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea a) do n.º 1 do Código do IRC, sustentando, para o efeito, que “a equiparação que o artigo 36.º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio, fazia entre associações de municípios e autarquias locais apenas tinha razão de ser nos casos de impostos em que não existisse qualquer referência expressa àquelas; o que não era, notoriamente, o caso do IRC, que distinguia umas e outras entidades”.

    2. Concluiu ainda o Tribunal que a Recorrente também não poderia beneficiar da isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC por (supostamente) exercer uma atividade de natureza comercial – a atividade de venda de produtos (energia, recicláveis, adubos e outros).

    3. Porém, por um lado, entende a Recorrente que dos depoimentos das testemunhas, assim como dos documentos constantes dos autos, resultam provados factos essenciais à boa decisão da causa, que foram descurados pelo Tribunal a quo, razão pela qual se afigura essencial a reapreciação da prova; por outro lado, e salvo o devido respeito, considera ainda a Recorrente que a sentença recorrida assenta numa errada apreciação do direito invocado na impugnação e nas alegações.

    4. A Recorrente entende que deveriam constar do probatório da sentença recorrida os seguintes factos – que resultam provados da prova produzida nos autos, tanto documental como testemunhal: 1. O objeto social da L... é a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios seus associados e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento de infraestruturas necessárias para o efeito (cfr. n.º 1 do artigo 2.º dos estatutos da L...).

  5. A L... foi constituída em face da impossibilidade de os municípios seus associados fazerem individualmente a adequada gestão dos resíduos produzidos nas suas jurisdições (cf. depoimento das testemunhas AA [00:12:54]).

  6. O ciclo do tratamento e valorização dos resíduos compreende 4 etapas: a valorização energética, a valorização orgânica, a valorização multimaterial e o confinamento técnico (cfr. “Relatório e Contas 2007”).

  7. A L... tem necessidade de valorizar os resíduos e de lhes atribuir um destino na medida em que não seria possível, dentro do espaço geográfico dos municípios, depositar a totalidade dos resíduos aí produzidos (cf. depoimento das testemunhas AA [00:19:40] e BB [01:13:14]).

  8. A valorização energética consiste no aproveitamento do poder calorífico dos resíduos obtido através de um processo de combustão, no qual é produzida energia elétrica, que é, posteriormente, injetada na rede, mediante o pagamento de tarifa fixa (não negociável) (cf. “Relatório e Contas 2007” e depoimento da testemunha AA [00:14:53]).

  9. A L... procede à combustão dos resíduos por necessidade, como alternativa à libertação de biogás – prática com grande impacto ambiental (cfr. depoimento da testemunha AA [00:14:53]).

  10. Para além da gestão de resíduos, a L... dedica-se à realização, de forma totalmente gratuita, de atividades de sensibilização e educação ambiental, com as quais suporta custos (cf. “Relatório e Contas 2007” e depoimento da testemunha AA [00:22:10; 00:40:43; 00:44:40]).

  11. A L... desenvolve a sua atividade exclusivamente na área dos seus associados (cfr. n.º 4 do artigo 2.º dos estatutos da L...).

  12. A L... exerce a sua atividade por conta e risco dos municípios associados (cfr. n.º 4 do artigo 2.º), os quais estão obrigados a cobrir, até 31 de março de cada ano, os prejuízos verificados no ano económico anterior (cf. n.º 3 do artigo 30.º dos estatutos da L...).

  13. Por força dos estatutos, (cfr. alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 6º), os municípios que constituem a L... são obrigados a entregar-lhe a totalidade dos resíduos sólidos urbanos recolhidos nas respectivas circunscrições concelhias e a ela recorrer em exclusivo para os serviços por ela prestados.

  14. De acordo com o disposto nos estatutos, cumpre aos municípios associados “efetuar a contribuição financeira para a associação, a título de comparticipação para investimento, bem como contribuições para fazer face a despesas correntes” (cf. alínea d) do artigo 6.º), e ainda “efetuar o pagamento da respetiva quota parte dos encargos com o tratamento de resíduos” (cf. alínea f) do artigo 6.º).

  15. A atividade da L... não é orientada para a obtenção de lucro, nem para a sua distribuição (cf. depoimento das testemunhas AA [00:22:10] e BB [01:29:24]).

  16. A L... não fixa livremente, em regime de mercado, as contraprestações que recebe pelos bens que “vende” (cf. depoimento da testemunha AA [00:36:49]).

  17. A L... afeta a totalidade dos seus resultados à prossecução do interesse público, não procedendo a qualquer distribuição pelos municípios associados (cf. depoimento das testemunhas AA [00:22:10; 00:40:43; 00:44:40] e BB [01:29:24]).

  18. A L... está vinculada ao regime de contabilidade estabelecido para os municípios (POCAL – Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 54-A/99, de 22 de Fevereiro) (cf. “Relatório e Contas 2007”).

    1. A Recorrente entende que a factualidade ora relatada era sobremaneira relevante para a boa decisão da causa, razão pela qual, a seu ver, se impõe a reapreciação da prova produzida – nomeadamente, a prova testemunhal –, com o concomitantemente alargamento do probatório.

    2. Por outro lado, considera também a Recorrente que a sentença recorrida assenta numa errada apreciação do direito invocado na impugnação e nas alegações.

    3. Com a entrada em vigor da Lei n.º 11/2003 (que retoma os termos da Lei n.º 172/99), deve ter-se por revogada a norma do Código do IRC sobre a isenção de IRC aplicável às associações de municípios.

      I. Esta conclusão impõe-se por força do princípio de direito, plasmado no n.º 2 do artigo 7º do Código Civil, segundo o qual a lei nova revoga a lei anterior com a qual seja incompatível.

    4. Não se aplica in casu, a regra segundo a qual “a lei geral não revoga a lei especial” (cfr. o n.º 3 do artigo 7º do Código Civil, porquanto a alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC não configura norma especial face ao artigo 36.º da Lei n.º 11/2003, que seria “lei geral”.

    5. A alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC não se pode, portanto, aplicar à situação da Recorrente; o regime que se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT