Acórdão nº 00089/10.4BEMDL-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução28 de Outubro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: Município de Mondim de Basto (Largo …) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Mirandela, em acção de execução de sentença anulatória intentada por AA (Urbanização …).

O recorrente verte em conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou a ação executiva procedente.

  1. No que concerne à matéria de facto dada como provada, não merece nenhum reparo.

  2. Porém, salvo o devido respeito, esta decisão está errada e não merece a concordância do recorrente, porquanto padece de um manifesto erro de direito.

  3. O princípio geral atinente à prática dos atos administrativos é o da sua irretroatividade.

  4. Esta regra geral conhece muito poucas exceções, designadamente as que estão patentes no art.º 156.º do CPA.

  5. Ora, nem o novo ato administrativo é uma interpretação do ato anterior nem o Ilustre Supremo Tribunal Administrativo manda praticar o ato devido à data em que foi anulado o concurso público.

  6. Pelo que, tendo o Município acatado com as decisões jurisdicionais e tendo, na prossecução desse desiderato, emitido um despacho a prosseguir com o concurso público não tem qualquer tipo de responsabilidade pelo pagamento das quantias peticionadas pelo recorrido.

  7. Não resulta nem da sentença condenatória, nem do acórdão que a manteve, qualquer decisão no sentido de condenar o recorrente em reconstituir a situação do recorrido como se o mesmo tivesse sido contratado em 2009, quando nem nesse ano, nem agora quando foi efetivamente contratado, havia certezas absolutas da sua contratação.

  8. O que resulta das decisões transitadas em julgado foi a condenação do recorrente em concluir o procedimento concursal, mesmo que no final deste não tivesse o recorrido sido ordenado na lista final como classificado para ser contratado.

  9. Pelo que, o recorrente cumpriu escrupulosamente a obrigação resultante das sentenças proferidas e dos acórdãos que as confirmaram.

  10. Importará, pois, ter em atenção que a reconstituição da situação actual hipotética, a efetuar, implica que, em juízo de prognose, se retroceda ao momento em que, no caso, o ato anulado foi praticado, procurando repristinadamente reconstituir a situação que existiria caso o ato tivesse sido, desde logo, legal.

  11. Por conseguinte, retorcendo no tempo, o Tribunal não pode “obrigar” o recorrente a celebrar o contrato de trabalho por tempo indeterminado com o recorrido com produção de efeitos a partir do dia 01/01/2010, tanto mais que o procedimento administrativo não se encontrava ainda concluído, e se trata de um ato dependente da formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa.

  12. Considerando o procedimento concursal em apreço, só após a homologação da versão final da lista unitária de ordenação final dos candidatos poderiam ser contratados pelo recorrente os três candidatos habilitados naquele procedimento concursal.

  13. Na realidade, a anulação do aludido Despacho preteritamente determinada não tinha necessariamente como consequência a contratação automática do aqui recorrido.

  14. Ou seja, na pior das hipóteses, o recorrido poderia nem ter sido contratado, bastaria que não tivesse sido aprovado nas fases do concurso que foi aberto e do qual veio a resultar a sua contratação.

  15. Efetivamente, o recorrente respeitou como lhe competia os princípios gerais que norteiam o regime jurídico aplicável, tendo interpretado e aplicado adequadamente a douta decisão do Supremo Tribunal Administrativo, não merecendo assim qualquer censura.

  16. De qualquer maneira sempre existiria grave prejuízo para o interesse público a execução pretendida de reconhecer a produção de efeitos da celebração do contrato de trabalho por tempo indeterminado, com o recorrido, a partir do dia 01/01/2010.

  17. Entendeu e decidiu o Tribunal “a quo”, que o recorrente tem de reconstituir a situação atual hipotética, no domínio da reconstituição da carreira, entre o momento em que se começaram a produzir os efeitos do ato anulado e o momento em que é admitido o recorrido.

  18. Fundamenta o Tribunal “a quo” que, “Em situação semelhante decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 09-12-2004, processo n.º 030373 (…)” e ainda “no mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2015, processo n.º 042003A (…)”.

  19. Porém, os casos contemplados nos Acórdãos referenciados não são iguais à situação sub judice.

  20. Em qualquer destas situações, o que está em causa são obrigações da Administração para com o funcionário durante o desenvolvimento da relação, que já existia à data da prática do ato anulado e que perdurou durante o período de tempo em que produziu efeitos.

  21. Sendo certo que essa reconstituição assume com forte probabilidade o que teria acontecido a nível remuneratório.

  22. Ora, o vínculo de emprego público de trabalhadores recrutados na sequência dos procedimentos concursais constitui-se por contrato de trabalho em funções públicas e encontra-se sujeita a publicação na 2.ª série do Diário da República.

    (Cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho).

  23. Na verdade, o recorrido à data do procedimento não tinha qualquer relação de emprego público com o recorrente nem qualquer tempo de serviço já prestado.

  24. A que acresce o facto de durante o referido período, o recorrente ter prestado serviço em entidades de natureza privada ou pública, com a devida situação contributiva, o que põe em causa a reconstituição da carreira conforme a execução pretendida.

  25. Tal período de tempo em que perdurou o ato anulado só se prolongou porque, não concordando com a decisão de primeira instância, não havia outra solução do que recorrer para instância superior, sendo o recorrente absolutamente alheio à demora da tramitação do processo na justiça.

  26. Ao não decidir nos termos alegados o Tribunal a quo violou, entre outros, o disposto nos art.ºs 156.º e 173.º, do CPA, 266.º, n.º1, da CRP, 4.º, do CPA.

    Contra-alegou o exequente, concluindo: 1 – No seu recurso o Recorrente alega que o Tribunal a quo não fez um correto enquadramento jurídico da questão decidenda e afirma que cumpriu escrupulosamente a obrigação resultante das sentenças proferidas e dos acórdãos que as confirmaram. Contudo, não lhe assiste razão.

    2 - O conteúdo e o alcance do dever de executar sentenças de anulação de atos administrativos (como a deste processo) está hoje perfeitamente definido pelo ordenamento jurídico português no artigo 173º do CPA, o qual determina que: “Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado” (n.º1), ainda que isso implique “(...) praticar atos dotados de eficácia retroativa” (n.º2).

    3 - Deveria, portanto, ter sido com base neste critério legal de reconstituição da situação atual hipotética que o Recorrente deveria ter executado a sentença condenatória proferida nos autos.

    4 - A reconstituição da situação atual hipotética a efetuar implica que, em juízo de prognose, se retroceda ao momento em que o ato anulado foi praticado, procurando repristinadamente reconstituir a situação que existiria caso o ato tivesse sido legal.

    5 - Para o Exequente/Recorrido, a situação que existiria caso o ato anulado não tivesse sido praticado era a sua contratação em 1 de janeiro de 2010, por via da celebração com o Executado/Recorrente de um contrato de trabalho por tempo indeterminado.

    6 - O que lhe garantiria hoje contar com 12 anos de serviço com todos os efeitos remuneratórios que lhe estão associados e com igual tempo de antiguidade com a garantia de ter progredido, pelo menos, ao nível remuneratório seguinte.

    7 - Pelo que a execução do julgado nos termos em Tribunal a quo - muito bem – condenou, não constitui a violação da regra da não retroatividade dos atos administrativos plasmada no artigo 156º do CPA, mas sim a aplicação da regra legal do artigo 173º do CPA.

    8 - Admitir-se que a execução do julgado nos termos em que o Executado/Recorrente fez constitui completa e bastante reconstituição da situação atual hipotética corresponde ao defraudamento do resultado material da anulação judicialmente decretada, que determinou que o procedimento concursal deveria ter sido concluído no ano de 2009 com a consequente e imediata admissão do Exequente/Recorrido.

    9 - Ora, a não consideração de tal efeito repristinatório, como vem defendida pelo Executado/Recorrente, consistiria numa verdadeira denegação de justiça, na vertente da violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, na medida em que a aplicação de tal regra faria com que o recurso ao tribunal não garantisse a efetiva defesa dos direitos individuais do Exequente/Recorrido, impondo-lhe um injustificado e irremediável prejuízo.

    10 - E abriria a porta a que tal forma de atuação da Administração Pública – anulação ilegal de concursos públicos ou outros procedimentos administrativos, de acordo com critérios não objetiváveis e contrários ao direito e ao interesse público, tal como reconhecidamente aconteceu no concurso dos autos – compensasse e proliferasse.

    11 - É vasta a jurisprudência do Vosso tribunal que confirma o acerto da decisão recorrida e demonstra que a mesma fez o correto enquadramento jurídico da situação, reconhecendo às decisões judiciais anulatórias os três seguintes efeitos jurídicos fundamentais: constitutivo, conformativo e repristinatório.

    12 - Mário Aroso de Almeida refere, a este propósito, que “a adequação da situação de facto à situação de direito decorrente da anulação apenas exige que a...

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