Acórdão nº 00232/08.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 20 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelAna Patrocínio
Data da Resolução20 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 23/10/2019, que julgou procedente a presente impugnação judicial deduzida, nos termos do disposto no artigo 132.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por O., LDA, com sede na Rua (…), com o NIPC (...), na sequência de indeferimento de reclamação graciosa, visando o reembolso da quantia de € 176.294,84, entregue ao Estado a título de retenção na fonte de IRC.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º 3360200604000250, onde se peticionava o reembolso do IRC (retenções na fonte sobre rendimentos de capitais) no valor de €176 294,84, mencionado na declaração de retenções na fonte, n.º 80080073697 entregue nos cofres do Estado em 31.01.2006, pela impugnante.

B. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera existir erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito.

C. A questão que cumpre apreciar e decidir nesta sede é apenas e só a de saber se a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, quando considerou a factualidade provada suficiente para considerar “(...) que não podemos concluir pela ocorrência de uma distribuição de reservas justificativa da tributação em causa. (...)”.

D. Deu como provado o tribunal “a quo” os pontos N, O, P, Q e R.

E. Com excepção, do ponto O do probatório, todos os elencados factos do probatório se encontram relevados nos registos contabilísticos da impugnante, disponibilizados para a elaboração da informação subscrita pelos Serviços de inspecção no âmbito da apreciação do procedimento de reclamação graciosa.

F. Tal como referido na contestação apresentada, a contabilidade consiste num conjunto de processos atinentes ao registo, classificação e controle dos factos patrimoniais inerentes à actividade, que permite conhecer o que foi feito e proporciona uma visão retrospectiva da gestão.

G. Os factos relevados contabilisticamente têm que estar suportados em documentos, sem os quais não se poderá proceder ao seu processamento e, H. O lógico é que, os lançamentos sejam feitos na sequência do atestado pelos documentos que lhes servem de sustentação, dando-lhes expressão contabilística.

I. Foi através dos elementos da contabilidade (documentos arquivados e extractos de contas de conta corrente que relevam os registos contabilísticos) que os serviços de inspecção verificaram que: -foram efectuadas através de contas bancárias, domiciliadas no Banco Santander cuja titular é a ora recorrida, transferências bancárias datadas de 11/11/2005 e de 14/11/2005, a favor das empresas associadas espanholas; - com data reportada a 26.01.2006, a recorrida, procedeu à transferência daqueles valores, inicialmente contabilizados na conta “Credores de outras Operações”, para uma conta de sócios “Distribuição Resultados”, realçando o facto de a transferência entre as identificadas contas contabilísticas, ter sido efectuada por valores individualizados e proporcionais às percentagens correspondentes às participações sociais de cada uma das sociedades espanholas no capital da O., aqui recorrida.

J. Através da “Declaração de Retenções na Fonte” n.º 80080073697, a recorrida procedeu em 31.01.2006, à entrega nos cofres do Estado do valor de €176.294,84, correspondente ao imposto referente à retenção na fonte de IRC, sobre rendimentos de capitais pagos a pessoas colectivas não residentes.

K. Em 31.01.2006, a recorrida procedeu a regularizações contabilísticas, as quais assumem a natureza de anulações de movimentos contabilísticos, porquanto efectuou na sua contabilidade movimentos inversos aos realizados em 26.01.2006.

L. Não obstante, cfr. informação dos Serviços de Inspecção, datada de 14 de Junho de 2007, os movimentos efectuados nas contas das “Disponibilidades”, concretizados em 11.11.2005 e 14.11.2005, mantiveram-se inalterados, ou seja, as transferências bancárias foram efectivadas/concretizadas tal como se encontra espelhado na contabilidade.

M. Conforme é referido na referida informação, por força dos movimentos inversos (anulações) efectuados com data reportada a 31.01.2006, a contabilidade da recorrida, passou a relevar saldos devedores nas contas “Empréstimos de Associadas”, no valor total de € 14 000 000,00.

N. Com base nos pressupostos de facto, traduzidos pelos elementos probatórios identificados, a FP, entende que os mesmos reflectem a ocorrência efectiva de uma distribuição de reservas, contrária e erradamente ao defendido pela Mma Juíz do tribunal “a quo”.

O. Exigia-se ao Tribunal a quo, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida. “Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado - e, de certa maneira, objectivado e transparente - na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça” – cfr. J. Pereira Baptista, in Reforma do Processo Civil, 1997, pags 90 e ss.

P. Considera o Tribunal a quo que relativamente aos factos não provados, que a impugnante não juntou quaisquer documentos reveladores da correspondente realidade, sendo certo que, no âmbito da actividade empresarial da dimensão em causa, o mais verosímil é que houvesse registo documental daquela factualidade.

Q. Mais referindo “No que concerne, em especial, ao alegado desconhecimento da técnica oficial de contas da impugnante relativamente ao teor da acta n.º 18 e ao empréstimo, importa referir que tal situação não se mostra verosímil num contexto empresarial com considerável dimensão e estando em causa uma elevada Importância (€14 000 000,00).(...)”.

R. Ainda assim, o tribunal a quo concluiu pela prevalência dos documentos societários sobre os registos contabilísticos.

S. Contrariamente ao doutamente decidido entende a Fazenda Pública, que deve manter-se a decisão de indeferimento proferida no procedimento de reclamação graciosa, não havendo lugar ao reembolso do montante pago a título de retenção na fonte de IRC.

T. A existência de fluxos financeiros para a conta da O. SA, face à análise efectuada aos elementos contabilísticos da recorrida, não poderão por si só sustentar a tese da restituição das reservas distribuídas.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, por verificação de erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito.” A Recorrida contra-alegou, tendo concluído da seguinte forma: “A) Na sentença recorrida, o Douto Tribunal a quo julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida, condenando a Fazenda Pública a proceder ao reembolso do montante de EUR 176.294,84 entregue a título de retenção na fonte, dado que dos movimentos financeiros efectivamente ocorridos e, bem assim, da falta de apresentação de qualquer prova em sentido contrário pela Administração Tributária, resultou demonstrado que a operação em causa não configurou uma distribuição de reservas mas sim um empréstimo efectuado a uma empresa associada (O. D., S.A.); B) O Representante da Fazenda Pública não cumpre o ónus que sobre si impende à luz do artigo 640.º do CPC para efeitos de impugnação da matéria de facto: não especifica quais os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados nem sequer os concretos meios probatórios constantes do processo, que, na sua opinião, imporiam decisão diversa sobre tais pontos, muito menos expressa a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto (pretensamente) impugnadas; C) Cominando o artigo 640.º, n.º 1, do CPC a rejeição do recurso quando esse ónus se não mostre cumprido, dá-se por votada ao insucesso qualquer impugnação da decisão relativa à matéria de facto; D) Subsidiariamente, caso esse Douto Tribunal ad quem entenda de forma diversa (no que não se concede), a Recorrida requer então o aditamento à matéria de facto provada dos seguintes factos: i) O GRUPO O., S.A. tinha uma dívida para com a Recorrida, decorrente directa e imediatamente da cessão da posição contratual entre a O.D., S.A. e o GRUPO O., S.A. no empréstimo obtido pela primeira junto da Recorrida a 10 de Novembro de 2005 – alínea M) da matéria de facto dada por provada na sentença recorrida; ii) Tal empréstimo foi totalmente liquidado pelo GRUPO O., S.A., a 30 de Abril de 2007, através de compensação com um crédito que detinha sobre a Recorrida – cfr. documento n.º 1 junto ao requerimento apresentado a 7 de Junho de 2019; iii) O referido crédito do GRUPO O., S.A. sobre a Recorrida resultou de um reembolso de capital (por redução do mesmo) e de distribuição de dividendos, deliberados em Assembleia Geral, a 18 de Janeiro de 2007 e 27 de Abril de 2007 – cfr. documentos n.os 2 e 3 juntos ao requerimento apresentado a 7 de Junho de 2019.

E) Muito embora não fosse sobre si que recaía o ónus da respectiva prova, como bem decidiu o Douto Tribunal a quo, a Recorrida provou cabal e adequadamente nos presentes autos que (i) o GRUPO O., S.A. tinha uma dívida para com a Recorrida...

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