Acórdão nº 01976/08.5BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 20 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelAna Patrocínio
Data da Resolução20 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 24/05/2016, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por U., S.A., NIPC (…), melhor identificada nos autos, que sucedeu à U.G, SA, versando indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou contra as liquidações adicionais de IVA dos períodos de Janeiro a Dezembro de 2005 (0501 a 0512) e respectivos juros compensatórios, no montante global de € 208.503,24.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “A. Com a ressalva do sempre devido respeito por melhor opinião, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim decidido, porquanto considera existir erro de julgamento em matéria de facto e em matéria de direito na interpretação efectuada pelo Tribunal a quo sobre o âmbito e alcance do disposto na al. f), do n.º 3 do art.º 3.º do CIVA.

  1. A douta sentença sob recurso, concedendo provimento à impugnação, considerou, por um lado, que a “(…) a Administração Tributária não provou os factos constitutivos subjacentes às correcções ao valor da matéria tributável considerada pela Impugnante nas suas declarações de imposto por aquelas operações [“bónus cruzados”] não reunirem as condições para se subsumirem ao disposto na al. b), do n.º6, do art.º 16.º do CIVA (…)”, determinando a anulação das liquidações na parte que lhe corresponde, e, por outro lado, C. no que respeita à correcção relativa à colocação de material no ponto de venda (MPV), entendeu o aliás douto decisório que “a AT quanto a esta correcção não provou os pressupostos das correcções efectuadas, quando tal ónus lhe incumbia, pois, subsumiu a transmissão da posse dos referidos bens a uma transmissão de bens, sem curar de contextualizar a operação em causa no quadro mais vasto em que se integra para confirmar ou infirmar a relação de conexão da prestação de serviços com a actividade da Impugnante (…)”, decidindo ordenar a anulação das liquidações impugnadas, na parte correspondente.

  2. Considerando que a factualidade dada como provada não suscita qualquer reparo, não pode, todavia, a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto considera que, da prova produzida, não é possível extrair a conclusão que serviu de base à decisão proferida, padecendo a mesma de erro na análise da matéria de facto, E. não se conformando também, com a aplicação do direito realizada em sede de dispositivo, nomeadamente, sobre o âmbito e alcance do disposto na al. f), do n.º 3 do art.º 3.º do CIVA, da douta decisão sob recurso.

  3. Importa, assim, averiguar se existe ou não vício de violação de lei por falta de prova, por parte da AT, dos factos constitutivos subjacentes às correcções efectuadas relativas aos “bónus cruzados”, ou seja, se perante a transferência de propriedade dos bens (mercadorias) da esfera jurídica da Impugnante para a dos seus clientes, a mesma deve ser excluída do valor tributável nos termos do disposto na al. b), do n.º 6 do art.º 16.º do CIVA, ou se, pelo contrário, integram o conceito de incidência de imposto de harmonia com o preceituado na al. f), do n.º 3 do art.º 3.º do mesmo diploma.

  4. Bem como, no que se refere à correcção quanto à colocação de material no ponto de venda (MVP), aferir se a AT provou os pressupostos para considerar as operações como transmissão de bens para efeitos da al. f), do n.º 3 do art.º 3.º do CIVA, ou seja, se contextualizou a operação no quadro mais vasto em que se integra para confirmar a relação de conexão da prestação de serviços com a actividade da Impugnante.

  5. Em causa nos presentes autos estão as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, no montante de € 208.503,24, devidas sobre o valor dos bónus de produto, bónus em quantidade e bónus cruzados efectuados pela empresa “UG” aos seus clientes no ano de 2005 e considerados como operações tributáveis sujeitas a imposto, nos termos na al. f), do n.º 3, do art.º 3.º, conjugado com a al. b), do n.º 2 do art.º 16.º ambos do CIVA.

    I. Foi apurado pelos Serviços de Inspecção Tributária (doravante SIT) que a impugnante concede aos seus clientes “bónus de produto, bónus em quantidade e bónus cruzados”.

  6. Após a análise da entrega das mercadorias, constataram os SIT que algumas dessas entregas não cumpriam os requisitos para serem considerados como bónus, pelo que estavam perante ofertas.

  7. Assim, no que respeita às ofertas de bens concedidos, mas diferentes dos que são facturados (os chamados bónus cruzados), os mesmos estão sujeitos a tributação nos casos em que tenha havido dedução total ou parcial do imposto, nos termos da al. f), n.º 3, art.º 3.º do CIVA, com excepção dos que possam ser considerados como ofertas de pequeno valor.

    L. Quanto ao material no ponto de venda, consideraram os SIT que estamos perante uma oferta e não uma cedência, uma vez que ocorre a transmissão da posse do material, sendo tributável nos mesmos moldes que os anteriores.

  8. A prova dos factos constitutivos subjacentes às correcções das ofertas de bens concedidos, contrariamente ao decidido, foi realizada pelos SIT, tendo por base os próprios elementos e dados informáticos facultados pela impugnante, conforme descrito no relatório da acção inspectiva, e considerado como provado pela douta sentença.

  9. A Impugnante deveria ter liquidado e declarado nas declarações periódicas relativas ao ano de 2005, o IVA relativo às ofertas, consoante se tratasse de ofertas de mercadorias ou ofertas de material ponto de venda, em cuja aquisição o sujeito passivo deduziu o respectivo IVA e que excediam o valor de € 14,96, indicado na circular n.º 19/89, e efectivamente não o fez.

  10. De acordo com o estabelecido na al. f), do n.º 3 do art.º 3.º do CIVA constituem transmissão de bens a afectação de bens da empresa a fins alheios à mesma, bem como a transmissão gratuita, quando tenha havido previamente dedução de imposto, com a correspondente obrigação de sujeição [liquidação] a imposto, como seja o caso das amostras, das ofertas e dos prémios concedidos.

  11. Ou seja, estamos perante a saída de bens da empresa, a título gratuito (sem contraprestação por parte de terceiros), mas sujeito a tributação a fim de evitar os consumos privilegiados sem sujeição a imposto (alargamento da base de incidência) e assegurar a neutralidade em sede de IVA.

  12. As transmissões de bens sem contraprestação associada, ainda que tenha sido deduzido o IVA na aquisição dos bens transmitidos, estão excluídas do valor tributável da operação económica, se disserem respeito a “descontos, abatimentos ou bónus” concedidos pelo fornecedor ao seu cliente, de acordo com o estipulado na al. b), do n.º 6, do art.º 16.º do CIVA.

  13. No caso em apreço, as correcções efectuadas não incidiram sobre todas as entregas de mercadorias efectuadas a título gratuito, mas apenas sobre aquelas que foram consideradas como ofertas, designadamente, os chamados bónus cruzados, que segundo a terminologia da impugnante, são os “bónus” concedidos em produtos diferentes dos que são facturados, e sobre o material de ponto de venda.

  14. A tributação em sede de IVA, nestas situações, ocorre quando tenha havido a dedução total ou parcial do imposto, nos termos da al. f), do n.º 3 do art.º 3.º do CIVA, com excepção das amostras e ofertas de pequeno valor (inferior a € 14,96), em conformidade com os usos comerciais e administrativamente definido (circular n.º 19/89).

  15. Como é sabido, o artigo 3.º do Código do IVA dispõe sobre regras de incidência (objetiva) de IVA.

  16. Por sua vez, o n.º 3 do mesmo normativo equipara determinadas operações – conceito económico de transmissão – à transmissão de bens, pelo que, nos termos da al. f), do disposto n.º 3, constitui transmissão de bens a afectação de bens da empresa a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando tenha havido previamente a dedução de imposto, o que determina a obrigação de liquidação de imposto.

    V. Encontram-se nestas situações as transmissões gratuitas, designadamente, as amostras, as ofertas e os prémios concedidos, em que há uma saída de bens da empresa sem que nela entre a correspondente contraprestação.

  17. O objectivo desta regra é o de evitar consumos privilegiados sem que haja o...

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