Acórdão nº 00348/12.1BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução28 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I.RELATÓRIO 1.1.

D.

, residente em 8, (…); S.

, residente em (...), Bragança; E.

, residente em (...), Bragança; A.

, residente em (...), Bragança; M.

, residente em (...), Bragança, todos com os demais sinais identificativos nos autos, moveram a presente ação administrativa comum contra a JUNTA DE FREGUESIA (...), com sede na Rua (…), pedindo a condenação da Entidade Demandada: A) a reconhecer a existência a favor da 1ª Autora de um acordo ou contrato de alienação e/ou concessão do direito ao uso privativo, no cemitério de (...), da parcela de terreno (campa) onde se encontra(va) sepultado o seu pai e dos demais Autores; e, consequentemente, B) a exumar e trasladar o cadáver que foi inumado na sepultura por si identificada no respetivo articulado para outra dentro do mesmo cemitério; e C) a pagar a quantia de 1.500,00€ a cada um dos Autores, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelos mesmos (por estes especificados e justificados no seu articulado), o que perfaz o montante global indemnizatório de 7.500,00€, acrescida de juros legais, vencidos e vincendos, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegam, em síntese, que são todos filhos de J., falecido em 06/04/1966 e inumado no cemitério de (...), na segunda campa situada a nascente do cemitério, no sentido Norte-Sul; Em 12/08/1984, a 1ª Autora solicitou ao legal representante da Entidade Demandada, mediante requerimento, a compra de uma parcela de terreno no cemitério de (...), correspondente àquela em que o seu falecido pai tinha sido sepultado e que se destinava a jazigo familiar, a qual foi deferida e efetivada em 14/08/1984 pelo preço de 2.000$00; No dia 07/03/2010, pelas 13.30h, naquele túmulo em que se encontravam os restos mortais do pai dos Autores, foi sepultado outro defunto, sem o conhecimento ou consentimento dos Autores; Quando tomaram conhecimento do sucedido, contactaram com a Entidade Demandada para solucionar a situação, tendo esta reconhecido o lapso ao permitir sepultar um defunto no túmulo pertença da 1ª Autora, comprometendo-se a resolver a questão, sem que o tenha feito até hoje; Os Autores deslocavam-se com frequência ao túmulo do seu pai, mantendo-o em bom estado de conservação, sem que o mesmo estivesse votado ao abandono ou esquecimento, procedendo à sua limpeza e ali depondo ramos de flores; Em consequência do descrito, os Autores ficaram privados do exercício do direito de culto ao seu familiar e gravemente incomodados com a ideia de que sobre aquele se encontra inumado um terceiro que lhes é estranho e a quem os seus familiares prestam ali homenagem, causando aos Autores desgosto, revolta, frustração, inquietação e angústia, que se intensificam quando vão ao cemitério; Os danos não patrimoniais dos Autores são relevantes e da responsabilidade da Entidade Demandada, que tem a obrigação de os compensar, dado que lhe competia gerir, conservar e promover a limpeza dos cemitérios, o que não fez com diligência.

1.2. Citada, a Entidade Demandada apresentou contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação, alegando, em suma, que os Autores dispunham de três meses para requerer a anulação do ato administrativo de concessão de terreno para a inumação do cadáver do terceiro, o qual violava, na sua perspetiva, o direito de uso do local onde o seu pai está sepultado, pelo que se verifica a caducidade do seu direito de ação; Desconhece se o pai dos Autores foi sepultado na campa referida pelos mesmos, dado que não possui qualquer documento ou registo que possa demonstrar esse facto nem os Autores apresentaram qualquer indício ou prova do mesmo facto; O documento apresentado pelos Autores não pode titular qualquer compra, por ser legalmente impossível, mas antes mera concessão temporária ou perpétua para sepultura ou jazigo, e não identifica o local dentro do cemitério a que se refere; A Entidade Demandada não sabe se o referido documento corresponde a uma concessão temporária ou perpétua para sepultura ou jazigo, nem o mesmo é claro a esse respeito, aceitando apenas que nos anos de 1984/1985 atribuiu concessões para sepulturas a alguns moradores de (...); No dia 07/03/2010, foi sepultado no cemitério de (...) um defunto, de que é viúva D., residente em Cascais, mas não no local onde estava sepultado o pai dos Autores, tanto assim que alguns dos Autores estavam presentes no aludido funeral e nada invocaram ou opuseram nesse momento, consentindo que o funeral decorresse naquele local; A Entidade Demandada não reconheceu ter ocorrido qualquer lapso com a realização desse funeral, na sequência do contacto do 2º Autor, mas sim que, a ser verdade, empenharia todos os esforços para solucionar o problema, sendo certo, porém, que os Autores não demonstraram haver sobreposição dos locais de sepultura; Não existia no local onde foi efetuada o enterro de março de 2010 qualquer lápide ou objeto indiciador de qualquer tratamento de campa por quem quer que fosse, tendo a Entidade Demandada considerado essa sepultura abandonada há mais de dez ou quinze anos, pelo que foi aí realizada a referida inumação.

Os Autores apresentaram resposta à contestação, sustentando a validade e eficácia do negócio jurídico de concessão da sepultura do seu pai, bem como a correção da forma processual adotada, com base no artigo 37º, nº 2 d) e f) do CPTA, pugnando pela improcedência das exceções deduzidas pela Entidade Demandada.

Seguidamente, foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador, mediante o qual foram julgadas improcedentes as exceções de erro na forma de processo e de caducidade do direito de ação deduzidas pela Entidade Demandada, além de terem sido fixados o valor da ação, o objeto do litígio e os temas da prova.

1.3. Após a respetiva identificação, determinou-se a citação dos herdeiros de J., na qualidade de contrainteressados.

1.4. As contrainteressadas D. e L., apresentaram contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação, alegando, em síntese, que os Autores não têm legitimidade ativa para a presente ação, uma vez que a 1ª Autora não tem alvará de concessão de terrenos para sepultura e os demais Autores não têm nem apresentaram qualquer título em seu nome que lhes dê quaisquer direitos sobre a sepultura do seu pai; A Entidade Demandada não tem legitimidade passiva para a presente ação, uma vez que não podia ceder terrenos de sepulturas pré-existentes nem tem qualquer registo nos seus arquivos do documento apresentado pelos Autores; e Ao tempo, na povoação de (...), quem determinava o lugar da inumação era o coveiro em colaboração com a família do falecido, sendo aquela a sepultura que há mais tempo tinha sido utilizada; O pai dos Autores faleceu em 1966 e os mesmos nunca puseram no seu túmulo nenhum objeto de culto, estando a sepultura abandonada, sendo certo que a 1ª Autora terá “comprado” uma “campa” para si e os seus, mas não a do seu pai; J., falecido marido e pai de cada uma das chamadas, respetivamente, foi enterrado numa sepultura abandonada, onde antes terá sido enterrado o pai dos Autores, sem necessidade do consentimento destes, e próximo de outros familiares daquele defunto.

Concluem que os Autores litigam de má fé, devendo ser condenados em multa a reverter para as chamadas no montante de 7.500,00€.

1.5. Os Autores apresentaram resposta à contestação das chamadas, pugnando pela improcedência das exceções deduzidas pelas mesmas, já que as partes são os sujeitos da relação material controvertida, tal como configurada pelos Autores, tendo-se ainda defendido do pedido de condenação como litigantes de má fé, alegando que não se verificam os respetivos pressupostos legais.

1.6. Proferiu-se despacho saneador que julgou improcedentes as exceções de ilegitimidade ativa e passiva suscitadas pelas chamadas, dada a sua superveniência em relação ao despacho saneador.

1.7. Realizou-se audiência de julgamento.

1.8. O TAF de Mirandela proferiu sentença julgando a presente ação parcialmente procedente constando essa sentença do seguinte segmento decisório: «Nestes termos, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, por via disso, condeno a Entidade Demandada a: 1. Reconhecer a existência a favor da 1ª Autora de um contrato de concessão do direito ao uso privativo, no cemitério de (...), da parcela de terreno (campa) onde se encontra(va) sepultado o seu pai e dos demais Autores; e, consequentemente, 2. Exumar e trasladar o cadáver de J. que foi inumado na sepultura atrás identificada para outra dentro do mesmo cemitério; e 3. Pagar a quantia de 1.000,00€ a cada um dos Autores, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelos mesmos, perfazendo o montante global indemnizatório de 7.500,00€, acrescida de juros legais, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Custas por Autores e Entidade Demandada na proporção de 15% e 85%, respetivamente.

Registe e notifique.» 1.9. Inconformada com o assim decidido, a Entidade Demandada interpôs o presente recurso de apelação, no qual apresenta as seguintes Conclusões: «1ª. A Ré não se conforma com a condenação determinada na douta sentença proferida em 3 de janeiro de 2021 e a sua discordância assenta (i) quer no julgamento da matéria de facto efetuado pelo Ilustre Tribunal recorrido - impugnando-se a decisão de facto e tendo o presente recurso, também por objeto, a reapreciação da prova gravada -, (ii) quer no que diz respeito ao direito aplicado, por se entender que a douta sentença recorrida não fez a melhor interpretação e aplicação das normas jurídicas vigentes e pertinentes. ASSIM: 1. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto: 2ª. A Ré considera incorretamente julgados os factos dados como provados sob os nºs 5, 6, 7, 9, 12 e 13 da matéria de facto constante de fls 4 a 7 da douta sentença, tendo sido violado o artº 607º, nºs 3, 4 e...

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