Acórdão nº 00341/21.3BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Janeiro de 2022

Data28 Janeiro 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO A., LDA instaurou ACÇÃO ADMINISTRATIVA URGENTE DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL contra o MUNICÍPIO (...), indicando como contrainteressada C., LDA, todos melhor identificados nos autos, formulando o seguinte pedido: “Por todo o exposto, de facto e de direito, deve o acto de adjudicação impugnado ser anulado, bem como a proposta apresentada pelo concorrente C., Lda., ser excluída e, em consequência, ser adjudicada a proposta apresentada pela autora, A., Lda.

Termos em que a acção deve ser julgada procedente e, em consequência: a) Ser anulado o acto final de adjudicação da proposta apresentada pelo concorrente C., Lda., b) Ser o Réu condenado a excluir a proposta apresentada pelo concorrente C., Lda.

c) Ser o réu, MUNICÍPIO (...), condenado a adjudicar a proposta apresentada pela autora, A., Lda.

d) A anulação da decisão de ordenação das propostas dos concorrentes constantes do relatório final e a ordenação da sua proposta em 1º lugar, por ser a única conforme ao Caderno de Encargos e ao Programa de Concurso; e) A anulação do contrato eventualmente já celebrado com o concorrente C., Lda., e a adjudicação do concurso à Autora.

f) Ser o Réu, MUNICÍPIO (...), condenado a pagar à Autora a quantia de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais resultantes da prática do acto administrativo indevido” Por Sentença proferida pelo TAF de Viseu foi julgada parcialmente procedente a acção e: i. Anulado o despacho do Presidente de Câmara, datado de 15.07.2021, que adjudicou à contrainteressada a aquisição de serviços de operação e manutenção das estações de tratamento de águas residuais (ETAR) e EE (elevatória) e manutenção de todos os sistemas de abastecimento de água para consumo humano do MUNICÍPIO (...); ii. condenado o R. a adjudicar o contrato concursado à Autora A., Lda.; iii. Absolvida a Entidade Demandada do demais peticionado.

Desta vem interposto recurso pelo Réu Município.

Alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. Por força das disposições conjugadas dos artigos 115.º, n.º 1, d), e 57.º, n.º 1, c), do CCP, o convite pode individualizar documentos exigidos aos candidatos que contenham os termos ou condições relativas a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule.

  1. In casu, o convite não fez qualquer menção especifica à obrigatoriedade de as entidades concorrentes apresentarem valor dos serviços de manutenção curativa urgente não sujeita à concorrência nem de discriminarem o custo da instalação com mão de obra/hora e custo ao km para os serviços de manutenção curativa de carácter urgente, constando tal exigência apenas das cláusulas n.ºs 8.3 e 8.4 do artigo 22.º do Caderno de Encargos 3. O ponto 9.º, c), do convite, ao prever que deve constar da proposta “Memória descritiva dos serviços a prestar com indicação detalhada da forma, prazos e condições, em que os serviços serão prestados, bem como indicação dos materiais/equipamentos e meios humanos a afectar, em conformidade com as especificações técnicas do caderno de encargos”, não pode deixar de ser interpretado como referente apenas à parte concorrencial do concurso relativamente à qual o caderno de encargos concretizou os serviços a prestar, os meios humanos e técnicos ou as infraestruturas a assegurar.

  2. Na parte não concorrencial, relativa a serviços de manutenção curativa de caráter urgente, o Município não descreveu no Cadernos de Encargos qualquer concreto serviço a prestar ou meios humanos e técnicos a utilizar, referindo no ponto 8.2 que caber-lhe-á “identificar quais as ações, caso a caso”. Ou seja, no que toca aos serviços de manutenção curativa de caráter urgente não submetidos à concorrência, o caderno de encargos não aponta especificações técnicas por se desconhecer o concreto cariz das intervenções a realizar, o que impõe a conclusão de que a menção prevista no ponto 9.º, c), do convite respeita apenas à parte concursal submetida à concorrência, não constando, por conseguinte, do convite a obrigatoriedade de discriminação de serviços e preços na parte não concorrencial.

  3. Atenta a não indicação no convite de documentos previstos em abstrato no artigo 57.º, n.º 1, c), do CCP, o disposto nos pontos 8.3 e 8.4 do caderno de encargos não pode ser tido como documento retratando um atributo da proposta enquanto elemento ou característica da proposta, que diga respeito a um aspeto de execução submetido à concorrência, mas apenas como uma característica da execução do contrato a celebrar, não constando, como se referiu, do convite o tratamento formalmente indicado para que se desencadeasse a obrigatoriedade legal de discriminação de serviços e preços não concorrenciais.

  4. O artigo 146.º, n.º 2, d) do CCP, estabelece como causa de exclusão resultante da omissão de documento da proposta, que tal documento se enquadre no n.º 1 ou no n.º 2 do artigo 57.º do CCP, ou seja, comina apenas como causa de exclusão a falta do documento que for exigido por lei ou que estejam previstos no convite, o que não ocorreu no caso em análise. Assim, não estando prevista no convite, mas apenas no Caderno de Encargos a obrigatoriedade de fixação dos preços unitários de prestação de serviços de “Manutenção curativa de caracter urgente”, não está aquela abrangida pelo preceituado no artigo 57.º, n.º 1 do CCP.

  5. A conclusão parcelar do Tribunal a quo realizada na p. 23 da sentença de que “a obrigatoriedade da apresentação de documentos face a aspectos não submetidos à concorrência, relativos a termos ou condições da execução do contrato pode advir tanto do Programa do Concurso quer do Caderno de Encargos” contraria diretamente o disposto no artigo 57.º, n. º 1, c), do CCP que apenas refere documentos previstos expressamente no programa do concurso ou no convite 8. A norma contida naquele artigo exclui o Caderno de Encargos como documento que autonomamente possa prever a obrigatoriedade de indicação de aspetos de execução do contrato não submetidos à concorrência, pelo que apenas no caso de haver específica remissão no programa do concurso ou no convite para as normas sobre aquela matéria constantes do Caderno de Encargos é que tal menção, não per se mas pela remissão prevista naqueles documentos pode relevar.

  6. Só é caso de exclusão da proposta aquela que seja omissa quanto aos atributos ou algum dos termos ou condições que constam dos documentos exigidos pelo “programa do procedimento” ou convite.

  7. O concorrente que não tenha apresentado proposta com a discriminação dos preços de prestação de serviços não prevista como obrigatória no programa ou no convite, autonomizando-os da restante proposta, não pode sem mais ser excluído, sob pena de violação do disposto no artigo 146.º, n.º 2, d), do CCP, conjugado com os artigos 57.º, n.º 1, c), e 115.º, n.º 1, d), do mesmo diploma, devendo ser convidado a esclarecer a proposta na parte fixa não concorrencial para mera determinação dos termos da execução dos serviços sem preço concorrencial.

  8. A falta de tal proposta discriminada e autónoma não se pode enquadrar no regime da falta de documentos legais, nem dos exigidos no convite, mas apenas no de falta de documento que integra a proposta e, por isso, constitutivo da proposta apenas por efeito da discricionariedade procedimental da entidade adjudicante, nos termos previstos no caderno de encargos, pelo que a mesma não segue o regime previsto no artigo 57.º, n.º 1, do CCP, não constituindo fundamento de exclusão da proposta, além de não se subsumir no artigo 146.º, n.º 2, d), do CCP, aplicando-se o regime das meras faltas ou irregularidades, passíveis de sanação, mediante convite dirigido ao concorrente, nos termos do artigo 72.º do CCP.

  9. Tendo sido, assim, lícito o comportamento do júri, não se verificando a ilegalidade que lhe foi assacada na sentença.

  10. Existe abuso do direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apoditicamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.

  11. In casu, a A./recorrida, dentro do procedimento administrativo, aceitou o entendimento do R./recorrente relativamento às exigências documentais atinentes ao valor fixo não sujeito a concorrência quando este supriu a falta de indicação da A. do valor de € 5.000 na proposta que apresentou, vindo a censurar esse mesmo entendimento quando aplicado à contrainteressada através do no convite à prestação de esclarecimento que o Júri dirigiu à contrainteressada para, não obstante ter cumprido exigência de indicação do valor fixo de € 5.000 (falta inical da recorrida, suprida após audiência prévia com recurso à interpretação da norma dada também neste processo pelo Recorrente), não ter discriminado os preços dos serviços de manutenção curativa, 15. Ao agir judicialmente contra decisão baseada na mesma interpretação legal que permitiu que não fosse excluída do procedimento concursal, a A/. Recorrida agiu em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium ou, pelo menos, na modalidade tu quoque.

  12. A sentença impugnada violou as normas constantes dos artigos artigo 146.º, n.º 2, d), 57.º, n.º 1, c), 72.º e 115.º, n.º 1, d), do CCP e 334.º do Código Civil e 10.º do CPA.

    Não foram juntas contra-alegações.

    O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

    Cumpre apreciar e decidir.

    FUNDAMENTOS DE FACTO Na sentença foi fixada a seguinte factualidade: a) Por despacho do Presidente...

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