Acórdão nº 01571/21.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução28 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* I – RELATÓRIO M.

e mulher M.

, com os demais sinais nos autos, vêm interpor o presente recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto que julgou improcedente o processo cautelar, por inverificação do periculum in mora, proposto contra o MUNICÍPIO (...) identificando, na qualidade de Contra-interessados, S.

e marido V.

, pedindo a suspensão de eficácia do despacho do Sr. Vereador e do Presidente da Câmara Municipal (...) que, em 18 de Maio de 2021, deferiu o projecto de arquitectura apresentado pelos Contra-interessados com alterações da licença de obras de construção de uma habitação unifamiliar a erigir no lote n.º 25, na Rua (…), bem como o embargo da obra.

*Os Recorrentes alegaram e formularam as seguintes conclusões: 1. O tribunal a quo não se pronunciou sobre a seguinte matéria de facto, que atendendo à prova produzida, nomeadamente as fotografias juntas, devia ter sido dada como provada: a) O limite lateral do lote dos 2.ºs requeridos, para onde está projectado o anexo, confina directamente com o prédio dos requerentes, separando ambos um murete baixo (22.º do requerimento cautelar).

b) No dia 09/06/2021 o requerente marido constatou que no terreno dos 2.ºs requeridos estavam a realizar-se trabalhos de edificação (23.º).

c) No dia 16/06/2021 já estavam bem adiantados os alicerces, sendo imediatamente perceptível que estes se prolongavam até ao limite do lote (24.º).

d) No dia 17/06/2021 haviam sido erigidas cofragens para a construção de pilares e paredes, quatro delas encostadas ao limite do lote mesmo junto ao murete dos requerentes (25.º).

e) No dia 18/06/2021 era já visível a demarcação do futuro edifício, que ocupa uma parte muito considerável da linha divisória entre lotes (26.º).

f) No dia 21/06/2021 encontravam-se erigidas as estruturas para levantamento de paredes, mesmo junto à extrema (27.ºe 28.º).

g) Os trabalhos têm decorrido praticamente de sol a sol, incluindo fins-de-semana e feriados, e sem se interromperem nos dias recentes em que houve tempestade, chuva forte e trovoadas (29.º e 30.º).

h) A obra, quando concluída, privará os requerentes do afastamento previsto no loteamento, com o qual contavam, e que os próprios respeitaram quando construíram a sua moradia (33.º).

  1. Os interesses que a demora do processo coloca em perigo dizem respeito à «manutenção do afastamento entre as edificações, para que não se furtem mutuamente luz, vistas e arejamento, minimizando a intensidade das relações de vizinhança e a densidade urbanística do conjunto edificado» - cfr. 18.º do requerimento cautelar, sendo manifesto que uma construção erigida até à linha divisória dos prédios, ainda por cima alongando-se de forma a ocupar a quase totalidade dessa linha divisória, não permite manter o afastamento desejável entre edificações, antes furta a iluminação natural, vistas e arejamento, torna as relações de vizinhança mais intensas e aumenta a densidade urbanística do conjunto edificado.

  2. A «produção de prejuízos de difícil reparação» há-de se projectar «nos interesses que o requerente visa assegurar no processo principal». Isto é, o que releva é que os prejuízos se verifiquem no círculo de interesses a assegurar na acção, e que in casu são os já identificados, e não outros, que faltem identificar, como se afirma na sentença recorrida, ou muito menos que a ofensa se dê em direitos subjectivos dos requerentes.

  3. A forma como a edificação que se pretende travar prejudica os referidos interesses, incluindo os factos que substanciam essa situação, encontra-se devidamente alegada, especificamente a 18.º, 23.º a 35.ºdo requerimento cautelar.

  4. Por outro lado, 6. Não se pode aceitar o argumento, prosseguido pela sentença recorrida, de que o periculum in mora se vê afastado pela possibilidade abstracta de a construção ilegal vir a ser coercivamente demolida.

  5. Uma absoluta irreversibilidade não é exigida pela lei, que já por isso fala de «prejuízos de difícil [e não impossível] reparação».

  6. O retardamento da tutela é ele próprio produtor autónomo de prejuízos para os interesses protegidos.

  7. A exigência formulada pelo tribunal a quo esvazia totalmente a utilidade de providências cautelares como o embargo de obra nova, sendo laborioso, senão impossível, imaginar obras de edificação que não possam absolutamente ser demolidas… 10. A produção continuada de prejuízos, ao longo de anos, cuja cessação implica a demolição total de um edifício, não deixará de se subsumir ao conceito legal de prejuízos de difícil reparação.

  8. Constitui facto consumado uma situação terminada e consolidada pelo tempo, o que não significa que se trate de uma situação absolutamente irreversível. Os edifícios acabados de construir possuem uma natureza duradoura. Finalizando a edificação da moradia dos contra-interessados, esta torna-se um facto consumado.

    Assim: 12. O tribunal a quo não aplicou devidamente o art. 120.º, n.ºs 1e 2CPTA, ao não verificar preenchido o requisito do periculum in mora.

  9. Estão integralmente preenchidos os requisitos para o decretamento das providências cautelares requeridas.

    Termos em que deve ser dado integral provimento ao presente recurso, e em consequência revogar-se a sentença proferida, que deve ser substituída por outra que decrete as providências cautelares requeridas.

    *Os Recorridos não contra-alegaram.

    *O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

    *O Ministério Público, notificado nos termos do disposto no artigo 146.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) não emitiu Parecer.

    *Com dispensa de vistos prévios, atenta a natureza urgente do presente processo, foram os autos submetidos a julgamento – artigo 36.º do CPTA.

    *Cumpre apreciar e decidir.

    **II – OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES DECIDENDAS O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 5.º, 608.º/2 635º/3/4 637º/2 639º/1/2 e 640º do Código do Processo Civil (CPC) ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

    Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir reconduzem-se a saber se a sentença recorrida, errou de facto, por insuficiência, e de direito, por, ao julgar improcedente a acção cautelar, por inverificação do periculum in mora, ter incorrido em errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 120.º, n.º 1, in fine, do CPTA e, a assim se entender, se se verificam os demais pressupostos legais para adopção da presente providência cautelar.

    ***III – FUNDAMENTAÇÃO A/ DE FACTO O Tribunal a quo com relevância para a decisão do presente processo cautelar fixou indiciariamente a matéria de facto e motivou-a, nos seguintes termos: “(…) 1.

    A propriedade do prédio urbano composto por casa de habitação de cave, rés-do-chão e andar, com quintal, sito na Rua (…), com o n.º 716/(...) da respectiva CRP e inscrito no artigo 2580-P da matriz, encontra-se registada a favor dos Requerentes [cf. certidão junta como documento n.º 1 do requerimento cautelar]; 2.

    A referida habitação dos Requerentes situa-se no lote n.º 26, abrangido pela operação de loteamento titulada pelo alvará de loteamento n.º 9/95 de 14 de Março [cf. apresentação n.º 6 da certidão junta como documento n.º 1 do requerimento cautelar]; 3.

    O artigo 4.º do regulamento do loteamento estabelece que “cada edificação implantar-se-á no lote de tal forma que o menor afastamento em relação a cada um dos seus limites do lote nunca seja inferior a 3,00 m” [cf. cópia em documento n.º 2 do requerimento cautelar]; 4.

    O artigo 5.º do regulamento do loteamento estabelece que “os anexos para apoio à habitação poderão ser integrados no edifício principal ou construídos isoladamente, implantando-se neste caso no fundo do lote” [cf. cópia em documento n.º 2 do requerimento cautelar]; 5.

    A propriedade do lote n.º 25 do mesmo loteamento localizado na Rua (...) e constituído por terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial da (...) sob o n.º 715/(...) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4380 da supra referida União de Freguesias, encontra-se registada a favor dos contra-interessados [cf. cópia da certidão matricial em documento n.º 3 do requerimento cautelar]; 6.

    Em 20.10.2020, os contra-interessados apresentaram na Câmara Municipal (...) um pedido de licença para obras de construção de uma habitação unifamiliar a levar a cabo no lote 25 do loteamento supra referido, o qual foi autuado sob o n.º 713/20 [cf. fls. 1-56 do processo administrativo apenso]; 7.

    Por despacho de 21.01.2021, o Sr. Vereador com competências delegadas do Presidente da Câmara Municipal (...), depois de concluir inexistirem desconformidades com as disposições do alvará de loteamento, aprovou o projecto de arquitectura [cf. cópia em documento n.º 6 do requerimento cautelar e fls. 57 do processo administrativo]; 8.

    Em 25.03.2021, o Sr. Vereador com competências delegadas do Presidente da Câmara Municipal (...), depois de concluir que os contra-interessados apresentaram todos os projectos de especialidades e correctamente instruídos, deferiu o pedido de licenciamento de obras de construção [cf. fls. 317-318 do processo administrativo]; 9.

    Em 20.04.2021, foi emitido o alvará de licença de obras de construção n.º 138/21 [cf. cópia em documento n.º 7 do requerimento cautelar e fls. 360 do processo administrativo]; 10.

    Em 09.03.2021, os contra-interessados apresentaram junto da Câmara Municipal (...) um pedido de alteração ao projecto de arquitectura no qual se prevê uma área de anexo adossado ao edifício principal, encostado ao limite poente do lote, destinado a garagem e lavandaria [cf. fls. 277-316 do processo administrativo]; 11.

    De acordo com o que fez...

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