Acórdão nº 01685/20.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução14 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: L., Ldª (Avª. (…)) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, que, em acção de contencioso pré-contratual intentada contra o Município (...) (Edif. (…)) e contra-interessadas id. nos autos, julgou “a presente acção totalmente improcedente, e, em consequência, absolve-se a Entidade Demandada e as contra-interessadas do pedido”, pedido no qual solicitou “(…) que seja a presente ação julgada procedente e, em consequência,

  1. Seja declarada a ilegalidade do caderno de encargos do concurso em causa, com a consequente anulação do mesmo por serem ilegais as especificações técnicas, nos termos do artigo 103º CCP, e para salvaguarda da igualdade de acesso dos operadores económicos ao procedimento, deverá a R. aprovar um outro, expurgado do referido vicio. b) Seja declarada a tempestividade da reclamação apresentada pela A. a 13/07/2020. c) Seja anulada da decisão do recurso hierárquico por ter sido decidido por quem não tinha competência para tal” Conclui: A. Na douta sentença recorrida, entendeu o Tribunal a quo considerar a acção despoletada pelo aqui A/recorrente totalmente improcedente, por entender, em súmula, que o caderno de encargos impugnado preenchia os requisitos da lei, não sendo discriminatório ou impeditivo do livre acesso ao procedimento concursal, nem limitativo da concorrência.

    1. Não pode a recorrente aceitar tal argumentação que apenas remete para a letra da lei sem fazer uma análise concreta e prática do caso em apreço e uma aplicação sensata dos normativos em causa.

    2. Do ponto de vista factual, a Douta Sentença recorrida considerou, no ponto III da decisão, provados os factos constantes dos pontos 1 a 13, que aqui se dão por reproduzidos e nada mais deu como provado.

    3. Contudo, deveria ter considerado como provado que as especificações técnicas ínsitas no caderno de encargos correspondem à letra às especificações técnicas das marcas mencionadas in fine de cada item da cláusula 30 do dito caderno de encargos.

    4. E deveria tê-lo considerado provado, sobretudo, porque resulta da prova documental dos autos e do cotejo como o Processo Administrativo (PA), nomeadamente a proposta da N., de fls. 274 a 289 do PA, onde se pode verificar que as ditas especificações técnicas do caderno de encargos, não são mais que cópias das especificações das marcas indicadas pela concorrente N., onde inclusive as dimensões e pesos são idênticos ao milímetro e ao grama, conforme exemplos transcritos.

    5. De modo que, deveria ter sido dado como provado que as especificações técnicas do caderno de encargos correspondem às especificações das marcas e modelos nele anunciados.

    6. Ora, assim sendo, não podia a Meritíssima Juiz a quo agarrar-se apenas à letra da lei, concluindo que o caderno de encargos preenche os requisitos da lei, optando a entidade adjudicante pelo mecanismo de cariz excepcional do n.º 9 do art.º 49 do CCP, o qual, segundo a mesma, não merece qualquer censura.

    7. O dito art.º 49 do CCP faz, efectivamente, o enquadramento legal na matéria.

      I. Conforme dispõe o artigo 49º nº4 do CCP “as especificações técnicas devem permitir a igualdade de acesso dos operadores económicos ao procedimento de contratação e não devem criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência.

      ”.

    8. Acrescentando o n.º 8 do mesmo artigo que “a menos que o objeto do contrato o justifique, as especificações técnicas não podem fazer referência a determinado fabrico ou proveniência, a um procedimento específico que caracterize os produtos ou serviços prestados pode determinado fornecedor, ou a marcas comerciais, patentes, tipos, origens ou modos de produção determinados que tenham por efeito favorecer ou eliminar determinadas empresas ou produto”.

    9. O nº 9 do artigo 49º CCP permitir a autorização de que tais referências, mas a verdade é que essa situação só poderá verificar-se, a título excepcional, “no caso de não ser possível descrição suficientemente precisa e inteligível do objeto do contrato”, L. Ora, cotejando o caderno de encargos, em parte alguma do mesmo se fundamenta ou explicita a razão da entidade adjudicante ter escolhido aquelas especificações e não outras, nem sequer que não era possível uma descrição suficientemente precisa do contrato com outras especificações.

    10. A seleção das especificações técnicas a incluir no caderno de encargos não é uma tarefa do livre alvedrio do órgão adjudicante (a quem cabe a aprovação das peças do procedimento), estando juridicamente sujeita a determinados requisitos legais, nomeadamente à observância de uma escala hierárquica de normalização técnica ou, especificações técnicas de referência ou por referência não a produtos ou serviços normalizados, mas ao seu desempenho ou exigências funcionais (cfr. o Acórdão do TCAS de 27/10/2011 e 12/04/2012; TCAN de 11/02/2015).

    11. Ora, no caso em apreço, nada disso aconteceu, sendo que a entidade adjudicante escolheu as especificações ipsis verbis das marcas que cita no caderno de encargos, sem que para tal se saiba porquê e sem fundamentação, como impõe a lei.

    12. Ou seja, o mecanismo de excepção previsto no n.º 9 do citado artigo, transformou-se em regra no caderno de encargos em apreço.

    13. Não só as especificações técnicas remetem para marca e modelos específicos, como também a expressão “ou equivalente” está desprovida de qualquer conteúdo, não bastando a simples aposição dessa palavra para que se entenda cumprida a lei.

    14. Até as dimensões, ao milímetro, e peso do equipamento são idênticos aos da marca e modelo referenciados.

    15. Deste modo, este tipo de especificações técnicas impede, na prática, qualquer outro equipamento equivalente de ser escolhido, já que não terá as especificações referidas por não corresponderem a marca e modelo específico.

    16. Ou seja, na prática não existe qualquer possibilidade de real concorrência entre empresas, a entidade adjudicante, mormente o júri do concurso posto a escolher entre dois equipamentos, um que corresponda “exactamente” às características “pedidas” ou outro “equivalente”, tenderá sempre a escolher o equipamento que pediu.

    17. Como aliás aconteceu no caso.

    18. No lote n.º 1, a maior parte dos equipamentos de áudio e iluminação ali constantes, considerados como equipamentos de referência, são importados e representados em Portugal por uma única empresa, a contrainteressada N., nomeadamente, entre outros, os equipamentos D&B, ZSound, ETC, MA Lighting, Robe, Leding, Look Solutions.

      V. Basta ver o relatório preliminar do concurso, de 3 de setembro, de fls 1002 a 1008 do PA, para constatar a veracidade do atrás alegado.

    19. A concorrente F., que propondo equipamentos equivalentes esbarrou nas especificações técnicas exigidas, com a justificação “equipamentos que não cumprem as especificações técnicas do caderno de encargos”, acrescentando em cada ponto do dito caderno que “propõe equipamento diferente do exigido no caderno de encargos,” ou seja a marca e modelo indicados.

      X. Qualquer equipamento equivalente será sempre diferente do exigido no caderno de encargos e, por isso, não cumprirá as especificações técnicas do caderno de encargos.

    20. Foi, por isso, que a recorrente não apresentou proposta, uma vez que sabia que a mesma iria esbarrar nas especificações técnicas diferentes, apesar de equivalente, dos seus equipamentos, estando o dito concurso viciado à partida.

    21. Ora, como se disse, a referência a marcas e modelos está estritamente enquadrada pelo Código dos Contratos Públicos, devendo a Recorrida Câmara fundamentar a utilização das mesmas, o que manifestamente não fez.

      AA. Assim, foram violadas as normas constantes do art.º 1-A n.º 1, e do art.º 49º n.º 4, 8, 9 do CCP.

      BB. A reclamação apresentada em 13 de julho de 2021, é tempestiva, na conjugação dos art.º 167º n.º 1, 169º n.º 2, do CCP e 197º n.º 1 do CPA.

      CC. A decisão que indeferiu o recurso hierárquico deverá ser anulada uma vez que quem o decidiu foi a mesma pessoa que decidiu da reclamação, quando deveria ter sido pelo superior hierárquico e em última análise o próprio Presidente da Camara.

      DD. Foram, por isso, também violadas as normas contidas nos art.º 194º e 195º do CPA.

      O recorrido Município contra-alegou, e ampliou, concluindo: 1. Bem decidiu o Tribunal a quo a questão principal em apreciação nos autos através da sentença prolatada, não lhe sendo imputáveis os erros de julgamento alegados pela Recorrente; 2. Quanto à matéria de facto, apenas têm de se dar por assentes os factos que se tenham por suficientes para a solução da questão de direito que se tem por aplicável e o Tribunal a quo apreciou os factos relevantes para a decisão da causa e da questão; 3. A Recorrente não demonstra como do peticionado aditamento à matéria provada se obtém resultado diverso da fundamentação de direito e das conclusões obtidas, sendo aqueles irrelevantes para a solução da questão em apreço nos autos e insuscetíveis de alterar a mesma; 4. Contrariamente ao alegado, os factos pretendidos aditar não integram “implicitamente (n)a fundamentação da decisão”, da qual não resulta qualquer referência ao exposto, mas se assim fosse então deveria ter sido invocada a nulidade da sentença ao art.º 615.º CPC, o que não sucede; 5. Sem prejuízo, as especificações em apreço nos autos são relativas apenas ao lote 1 e não a “cada item da cláusula 30 do dito caderno de encargos” conforme art.º 6.º do requerimento, sendo que a petição inicial apenas incidia sobre o bem identificado a 2.4, incumbindo o ónus da prova à Autora aqui Recorrente sobre a extensão do argumento aos demais bens do lote n.º 1; 6. Quanto à matéria de direito, o Tribunal a quo aplicou corretamente o art.º 49.º do CCP, porquanto as especificações técnicas identificadas no CE são legais e delas consta além da indicação do modelo e marca de referência, menção de “equivalência”, formulação à qual a entidade adjudicante pode recorrer dentro da sua margem...

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