Acórdão nº 00191/21.7BEMDL-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução14 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: J.

(Rua (…)), F.

(Avenida (…)), F.

(Vale (…)), A.

(Rua (…)), F.

(Rua (…)), e M.

(Rua (…)), interpõem recurso jurisdicional nos presentes autos de decretamento de providência cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo (consubstanciado na “emissão de alvará de licença de construção Nº 16/2021 de 10 de Março”) e de embargo de obra, que intentaram contra o Município (...) (Jardim (…)), vindo indicada como contra-interessada A., Ldª (Rua (…)).

Sob conclusões discorrem: A.

O objecto do presente recurso é o que segue: • Ilegitimidade/legitimidade activa (para requerer embargos de obra nova); • Inexistência/existência de “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou prejuízo de difícil reparação” – periculum in mora B. No que respeita à legitimidade activa dos recorrentes, com base no interesse difuso e/ou colectivo, o Tribunal recorrido assentou a decisão em duas circunstâncias, a saber: i) primeiro, entendeu que a providencia cautelar “embargo de obra nova” (prevista no artigo 397º nº1 do CPC), teria a sua aplicação “afastada”, por virtude do previsto nos artigo 55º nº 1, alínea a) e nº 2, do CPTA; bem como, não seria susceptível de ser aplicada, por força do artigo 9º nº 2, do CPTA; e, segundo, na perspectiva da sentença “a quo”, cumpriria “notar que os nossos Tribunais Superiores já tiveram, por diversas vezes, oportunidade de se pronunciar justamente sobre esta temática”; e, concretamente, através dos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, Processos nºs 213/05.9BEFUN, 211º/05BEFUN, e, 165/07.0BEFUN, de 14.06.2018, 14.05.2020 e 15.10.2020, respectivamente, sufragaram o entendimento que inexistiria legitimidade activa, para se requerer “embargo de obra nova” sustentada em interesses difusos, do jaez daqueles que os recorrentes visam proteger.

  1. A subsunção da factualidade às previsões normativas citadas, pelo Tribunal “a quo”, não se acha convenientemente efectuada.

  2. Os Arestos citados não são representativos da Jurisprudência portuguesa; nem as situações de facto vertidas nos aludidos Acórdãos são similares ao caso “sub iudice”.

  3. Uma boa interpretação jurídica, da Lei, segundo os cânones interpretativos do artigo 9º do CC, implicará uma conclusão distinta daquela a que chegou o Tribunal “a quo”. Pois, os elementos literal, sistemático e teleológico, das regras hermenêuticas, permitem-nos concluir que os recorrentes podem requerer um embargo de obra nova, fundado em interesse difuso e/ou colectivo.

  4. Devemos interpretar o art. 397º, nº 1 do CPC – de forma adaptada – o que implica que se confira legitimidade àqueles que detêm interesse difuso e/ou colectivo e “se julgue ofendido no seu direito” e, reflexamente, no direito que é de todos, e de cada um, em particular; bem como, seja ofendido “na sua posse” e na posse de todos, e de cada um, em especial.

  5. Também o art. 112º, n.º 1 al. g) do CPTA permite (não “afasta”), no contencioso administrativo, a adopção de providencias cautelares de embargo de obra nova.

  6. Igualmente o art. 55º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CPTA, não afasta – bem pelo contrário – aa utilização da providência cautelar de embargo de obra nova, na tutela de um interesse difuso e/ou colectivo.

    I. E, o art. 9º, n.º 2 do CPTA dispõe que “independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na Lei, em processos principais e cautelares, destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como (…) o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida…” J. Estranha-se que, o Tribunal “a quo” confira legitimidade activa aos requerentes, “para impugnar o acto suspendendo” (Cfr. pág. 9 da sentença); e, concomitantemente, negue tal legitimidade activa, para “embargar a obra nova”, quando a edificação desta só é permitida, porque munida de uma licença de construção, materializada no acto administrativo que se visa suspender.

  7. Não se percebe que o Tribunal recorrido afirme existir legitimidade activa, para suspender o acto administrativo de emissão da licença; e, ao mesmo tempo, seja limitada (seja castrada) a extensão dessa legitimidade activa ao embargo de obra nova (cuja edificação está a ser levada a efeito, pela contra-interessada requerida), quando tal edificação é decorrência e encontra-se sustentada na referida licença suspendenda!...

    L. No que tange à jurisprudência citada, pelo Tribunal recorrido, cumpre-nos dizer que – para além de não ser representativa, conforme aludimos supra – os casos nela relatados dizem respeito a requerentes com interesses individuais e egoístas (verdadeiros direitos subjectivos e próprios) que, sob a capa (e disfarçados) de interesses difusos e/ou colectivos, visam alcançar (de forma ínvia) efeitos que a lei não protege.

  8. Todos os Acórdão citados dizem respeito a um cidadão singular que afirma – sozinho – querer tutelar interesses difusos, quando as situações de facto relatadas respeitam a direitos subjectivos e individuais.

  9. Somos forçados a concluir que a jurisprudência citada na sentença recorrida, não “tem inteira pertinência para o caso em apreço” (cfr., penúltimo parágrafo, da página 11, sentença “a quo”).

  10. No que tange à legitimidade popular, na tutela dos interesses difusos, a doutrina portuguesa com maior reconhecimento, neste particular, é a preconizada por Miguel Teixeira de Sousa, nos seus diversos escritos a tal propósito, e dos quais seleccionamos o livro “A Legitimidade Popular na Tutela dos Interesses Difusos”, Edições Lex, 2003.

  11. Nos itens 33 a 40 supra, encontra-se expendido o pensamento de Miguel Teixeira de Sousa, que pugnamos seja preconizado por este Douto Tribunal.

  12. Assim decorre inequivocamente que os requerentes alegaram ser titulares do interesse difuso na sua dimensão individual; mas também, reflexamente, na dimensão trans-individual ou supra-individual.

  13. os requerentes tutelam interesses que são seus (dimensão individual) e interesses que são de todos os Macedenses, em primeira mão; e, adjacentemente, de forasteiros (dimensão supra-individual).

  14. A legitimidade activa resulta do princípio da fungibilidade, com o qual se afere se determinado cidadão é ou não é, titular de um interesse difuso; e, se tem, ou não, legitimidade para a propositura de uma acção popular; e, consequentemente, para requerer o procedimento cautelar.

  15. A única conclusão possível, a retirar do alegado supra, traduz-se no seguinte: Os Requerentes detêm legitimidade activa, para requererem – como efectivamente concretizaram – um procedimento cautelar de embargo de obra nova, assente em um direito difuso e/ou colectivo; pelo qual pretendem acautelar a tutela do urbanismo, do ordenamento do território, e da qualidade de vida, conforme permite o artigo 9º nº 2 do CPTA.

  16. O Tribunal entendeu – a nosso entender mal – não proceder à produção de prova testemunhal, por entender que da “análise crítica e conjugada dos documentos (…) conjugados com a vontade concordante das partes” (cfr. pag. 17/28, da sentença), tal bastaria para decidir de direito.

    V. Pelo menos em duas circunstâncias, constatamos que o Tribunal andou mal com esta decisão (a nosso ver precipitada…porque, por vezes, “a pressa é inimiga da perfeição”); pois, por um lado, deu como provados factos que estavam impugnados; e, por outro, teve de recorrer a factos não provados (meramente alegados) para fundamentar a sua decisão.

  17. Nos itens 4º e 7º do rol dos factos provados (pag. 14, 15 e 16/28, da sentença), o Tribunal deu como assente, o ponto 6, de uma informação interna nº261/2020, que havia sido impugnada por não corresponder à verdade material.

    X. Esta é questão principal e fundante que mobilizou os Requerentes à propositura deste procedimento cautelar e respectiva Acção; e não se percebe como pode o Tribunal dar como assente tal facto.

  18. A causa de pedir que impulsionou a presente instância é, exactamente, a necessidade de alinhamento dos prédios, de modo a manter a mesma largura da rua. Não se percebe, portanto, como o Tribunal não entendeu isso e deu como assente tal informação!...

  19. Por outro lado, o Tribunal fundamentou a sua decisão com factos não provados (apenas alegados) que careciam de produção de prova testemunhal (cfr. pag. 25/28, da sentença); pois, teve justificar do seguinte modo: “nas palavras da contra-interessada, à data de entrada do presente processo cautelar” …(e, a seguir transcreve o artigo 52º da oposição apresentada por aquela requerida AA. Para o Tribunal recorrido basta a contra-interessada alegar (!) que a obra estava “em fase avançada de execução” (facto...

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