Acórdão nº 01326/08.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelTiago Miranda
Data da Resolução03 de Março de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I - Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 5 de Maio de 2020, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação judicial movida por “A Lda.”, NIPC (...), com sede em Rua (…), contra as liquidações adicionais de IVA referidas aos últimos períodos dos anos de 2000 e 2001, e respectivos juros compensatórios, por recurso a métodos indirectos na determinação da matéria tributável, no valor global de 145 007,09 €.

As alegações de recurso da Recorrente terminam com as seguintes conclusões: «CONCLUSÕES: A- Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida, na parte correspondente às correcções por métodos indirectos, contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes aos exercícios de 2000 e 2001 e respectivos juros compensatórios, no valor global de €145.007,09, no seguimento do indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre essas liquidações.

B- A matéria que veio impugnada assenta na emissão de liquidações adicionais, que tiveram por base correcções efectuadas pela AT em acção de inspecção externa em sede de IVA, IRC e IRS aos exercícios de 2000 e 2001, conforme relatório integrado no Processo Administrativo a fls. 73 e segs. do processo de reclamação graciosa apenso ao PA (cfr. factos nºs 1 a 4 do probatório).

C- Nos presentes autos de impugnação judicial, está, pois em causa, aferir da legalidade das liquidações adicionais de IVA, emitidas pela Administração Tributária (AT), com referência aos exercícios de 2000 e 2001, no seguimento das correcções com recurso a métodos indirectos.

D- A meritíssima Juíza do douto Tribunal a quo entendeu que os indícios elencados no relatório de inspecção tributária, tal como os descreveu (Comportamento declarativo/fiscal da empresa; Venda da licença; Gestão de carreira; Prémios de competição e Serviços de publicidade prestados), analisados no seu conjunto e tendo em conta as regras da experiência são, em nosso ver, mais do que suficientes para permitir à AT concluir que a contabilidade da Impugnante não reflectia o resultado obtido nos exercícios de 2000 e 2001.

E- Ou seja, pese embora, a meritíssima Juíza do douto Tribunal a quo tenha entendido que se encontra materialmente fundamentado o recurso a métodos indirectos, atendendo às regras do ónus da prova referidas na decisão, que no relatório de inspecção são identificadas situações de onde resulta a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável da Impugnante, F- considerou que, tendo no discurso fundamentador vertido no relatório de inspecção tributária, a AT apenas indicado como pressuposto da avaliação indirecta o disposto no art. 88.°, al. a) da LGT (que prevê «a inexistência ou insuficiência de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal ...»), e que prevendo a lei que o sujeito passivo seja notificado para proceder à sua organização num prazo a designar pela AT, não superior a 30 dias (art. 52.º, n.ºs 2 e 3 do Código do IRC) e só se as deficiências de contabilidade e escrituração não forem supridas neste prazo, se poderá concluir, se for caso disso, pela impossibilidade de comprovação e quantificação directa da matéria tributável, G- e, não constando do mesmo relatório ou do processo administrativo que a AT tenha notificado a Impugnante para regularizar as deficiências da contabilidade, nos termos expressamente previstos na referida alínea a) do art. 88.º da LGT (…) foi preterida formalidade legal essencial à avaliação indirecta da matéria colectável, porque ao sujeito passivo não foi concedida a possibilidade de suprir a lacuna da inexistência de elementos de contabilidade, não estando reunidos os pressupostos invocados pela AT para a aplicação dos métodos indirectos. (negritos e sublinhado nossos) H- Ora, com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente assim decidido, pois entende que a meritíssima Juíza do douto Tribunal a quo, ao ter decidido como decidiu, incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação do disposto na alínea a) do art. 88° da LGT.

I- Para fundamentar a sua decisão a meritíssima Juíza do douto Tribunal a quo apelou à jurisprudência que dimana dos acórdãos do STA, datado de 03/12/2014, proc. nº 01262/13 e de 13/09/2017, proc. n.º 01316/16, em especial a este último, de onde se retira que a possibilidade de suprimento, no prazo legal, contemplada na al. a) do art. 88º da LGT, impõe-se em todas as situações ali previstas e não apenas nas situações de falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução.

J- Salvo o devido respeito por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que não é bem assim, a notificação para regularização da situação não se aplica quando o fundamento é a insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, in casu imputáveis ao contribuinte (impugnante) a título de dolo.

K- Considera a Fazenda Pública que, apenas nos casos de falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução, é que deve ser dada a oportunidade ao contribuinte para regularizar a contabilidade, tal e qual como se encontrava previsto no nº 2 do art. 52° do CIRC.

L- Normativos da LGT e do CIRC que não podem deixar de ser interpretados, de uma forma sistemática (harmónica), com outros dispositivos legais que digam respeito a esta matéria, veja-se o disposto nos artigos 120° e 121° do RGIT.

M- Com efeito, o art. 120° nº 2 do RGIT dispõe que “Verificada a inexistência de escrita... é notificado o contribuinte para proceder à sua organização num prazo a designar, que não pode ser superior a 30 dias (...)” (sublinhado nosso) e o nº 2 do art. 121° do RGIT, sob a epígrafe “Não organização da contabilidade de harmonia com as regras de normalização contabilística e atrasos na sua execução” estipula que “Verificado o atraso, (…) o contribuinte é notificado para regularizar a escrita em prazo a designar, que não pode ser superior a 30 dias (...)” (sublinhado nosso) N- Para a situação de insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração não foi, sequer, prevista a mesma exigência legal de notificação (cfr. art. 119º do RGIT).

O- Em termos de doutrina sufragamos a opinião de que, atendendo à letra da alínea a) do artigo 88º da LGT a condição nela ínsita “quando não supridas no prazo legal” se aplica apenas às situações de falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução (como parecem entender DIOGO LEITE DE CAMPOS/BENJAMIM SILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª ed., 2012, p. 765 – nota 2 ao art. 88º da LGT).

P- Ora, estando o escopo da norma erigido no sentido de dar a oportunidade ao contribuinte para regularizar a sua contabilidade apenas nas situações em que se verifique a inexistência de escrita e a falta e atrasos na execução da contabilidade (porquanto, salvo o devido respeito por opinião contrária, é esta a interpretação mais consentânea com a letra da lei e o espírito do legislador), não sendo de sufragar a interpretação extensiva acolhida no acórdão do STA de 13/09/2017, proc. n.º 01316/16, pelo que mal andou a douta sentença recorrida ao julgar que a Administração Tributária deveria, ter efectuado à impugnante a notificação para regularizar as deficiências da contabilidade.

Q- A jurisprudência que dimana do acórdão do STA, datado de 13/09/2017, proc. n.º 01316/16, não se pode ainda considerar pacífica e reiterada. Encontra-se, inclusivamente, em oposição com o acórdão do TCAN, datado de 14/07/2016, proferido no processo n. º 00548/10.9BECBR.

R- Do acórdão do TCAN, datado de 14/07/2016, proferido no processo n. º 00548/10.9BECBR, cuja jurisprudência a Fazenda Pública sufraga e entende melhor se aplicar à situação sub judice, retira-se que: “VIII–Para aferição dos casos em que se verifica a impossibilidade da comprovação directa e exacta da matéria tributável, o legislador, no artigo 88.º da LGT, criou, de forma taxativa, parâmetros legais destinados a tornar mais facilmente identificáveis as situações em que essa impossibilidade se verifica.

IX - Nas situações mais graves, deparamos com anomalias ou incorrecções imputáveis ao sujeito passivo a título de dolo. São as situações em que o seu próprio comportamento revela a intenção de não colaborar com a AT e de ocultar a sua verdade fiscal, inviabilizando a cabal aferição da sua capacidade contributiva.

XI - Comum a estas situações mais graves é o facto de o legislador não exigir que seja fixado um prazo legal para o suprimento da falta. A razão é evidente: os comportamentos descritos revelam por si só uma intenção de não colaborar com a AT. Em casos como o dos autos, com tais comportamentos, o contribuinte está a anunciar antecipadamente a intenção de não colaborar. XII - Não obstante o enquadramento pela AT (também) na alínea a) do artigo 88.º da LGT, o certo é que os factos constatados que subjazem a tal conclusão inculcam a ideia de dolo (existência de dupla contabilidade), pelo que, nestas situações, não há lugar a notificação prévia para suprir ou regularizar a situação, porque a atitude do contribuinte já espelha a intenção de não colaborar com a AT, podendo a decisão de recorrer a tributação por métodos indirectos ser tomada sem que a aqui Recorrente fosse notificada para regularizar a escrita em prazo que não podia ser superior a 30 dias.” (negrito e sublinhado nosso) S- A administração tributária recorreu aos métodos indirectos de...

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