Acórdão nº 00426/08.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelAna Patrocínio
Data da Resolução03 de Março de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A... S.A., NIPC (…), com sede na Rua 2(…), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 24/03/2015, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IVA do período de 0412 no valor de €221.695,80, assim como dos períodos de 0501, 0502, 0503, 0504, 0505, 0506, 0507, 0509, 0510 e respectivos juros compensatórios, perfazendo o total de €287.020,37.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “1. A sentença não se pronuncia sobre as questões invocadas pela Recorrente, não se pronunciando sobre as invocadas ilegalidades, violações da lei e da constituição, referentemente à utilização por parte da AT de documentação apreendida em busca a local para o qual não havia mandado relativo à Impugnante.

  1. Havendo, por isso, uma nítida omissão de pronúncia, o que gera a nulidade da sentença, nos termos do n.º 1 do art.° 125.° do CPPT e da alínea d) do n.º 1 do art.° 615.° do CPC.

    Sem prescindir 3. A documentação que foi apreendida, respeitante à impugnante e que integra o RELATÓRIO DA INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA, e que serviu para a AT fundamentar as liquidações de IVA impugnadas, foi obtida Rua, ,.°., , para cujo local não havia qualquer autorização judicial e respectivo mandado com referência à impugnante.

  2. Tal actuação consubstancia a utilização de um meio de prova ilícito, porque angariado de forma ilícita, uma vez que foram violados os art.ºs 174.º, n°2, 176.º, 177.°, 178.°, n.º 1 e 269.º, n.º1, al. a), do CPP.

  3. Tal actuação é, também, violadora dos artigos 2.°, 3.°/2, 99, 32.°/8 e 62.° da Constituição da República Portuguesa.

  4. O ónus da prova cabia à AT (art.° 74.° da LGT e art.° 100.° do CPPT), que para tal utilizou documentos angariados de forma ilícita.

  5. Ora, o art.° 72.° da LGT preceitua a utilização de todos os meios de prova admitidos em direito.

  6. O tribunal deveria ter determinado se face ao art.° 72.° da LGT era admissível a utilização dos documentos apreendidos na busca.

  7. A interpretação das normas invocadas no sentido de admitir a utilização desses documentos pela AT, como fonte de prova para as aludidas liquidações do IVA, violará aqueles normativos constitucionais, consubstanciando uma inconstitucionalidade que, desde já, se invoca.

  8. Inconstitucionalidade essa fundada numa grave violação ao estado de direito e ao princípio da legalidade, já que em caso algum a AT através de uma actuação ilícita poderá tributar os cidadãos. Pelo contrário, é tarefa primordial do estado, através dos seus órgãos, garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelo princípio da legalidade. Sendo que os documentos utilizados, angariados na busca, consubstanciam uma intromissão ilícita na esfera privada da Impugnante, bem como uma violação à sua reserva privada e ao seu direito de propriedade.

  9. A busca e apreensão dos aludidos documentos em local para o qual não havia autorização, configura um acto inválido, sancionando pela ordem jurídica como nulo e de nenhum efeito, nulidade essa que inquina todos os actos subsequentes, designadamente as liquidações impugnadas.

  10. 0s documentos/provas utilizados pela AF são ilícitas e nulas.

  11. Acresce que os mandados de busca em causa, por força do n.º 4 do art.° 174.° do CPP, já não eram válidos no momento em que as mesmas foram efectuadas, uma vez que os respectivos despachos são de 29.06.2006 e 3.07.2006 e as buscas foram efectuadas em 10.10.2006, sendo o prazo de validade de apenas 30 dias, nulidade essa que se invoca.

  12. Sendo que a utilização daqueles elementos inquina, inevitavelmente, as liquidações impugnadas que são também inválidas.

    Por outro lado 15. A AT, violando o princípio da continuidade do acto inspectivo, veio, desnecessariamente, abrir dois novos procedimentos inspectivos quando já tinha um a decorrer há muitos meses e tinha em seu poder os elementos apreendidos na busca.

  13. O procedimento da inspecção DI2005….1 era o próprio para alcançar os fins que se pretendiam alcançar com o 012006…0 e o 012007…9, podendo e devendo ter sido alterado quanto ao fim e ou âmbito e ou extensão, pelo que estes novos procedimentos são uma excrescência procedimental, na medida em que foram criados em contravenção com as referidas disposições legais dos artigos 15.°/1 e 36.°/2/3/4 do RCIPT, dada a existência na ordem jurídica de um procedimento de inspecção, em curso, suficiente e bastante para alcançar os objectivos alcançáveis por estes.

  14. A AT usou mal, abusando do meio posto à sua disposição para fiscalizar situações tributárias dos contribuintes, defraudando e violando os princípios constitucionais e administrativos da legalidade, proporcionalidade, da boa-fé e da confiança, que devem enformar todos os actos da administração Pública previstos, aliás, nos artigos 266.° da CRP, 3.°/1, 4.°/2, 5.°, 6.° e 6.°-A do CPA, bem como o art.°15.°/1 e o art.° 36.°/2/4 do RCPIT.

  15. Sendo que esta actuação, que defrauda o espírito da lei, inquina também as liquidações impugnadas 19. Consequentemente a aplicação dos artigos 15.° e 36.°. 2 e 4 do RCPIT no sentido normativo de sufragar a actuação da AT, não determinando a ilegalidade da actuação com a consequente ilegalidade/invalidade das liquidações é inconstitucional pelas razões e violação das normas supra mencionadas, o que, desde já, se invoca.

  16. Devem pois as liquidações reclamadas e respectivos juros serem anuladas porquanto derivam de actos e procedimentos ilegais.

    Termos em que deve ser declarada nula a sentença recorrida, ou assim não se entendendo, revogada e julgada procedente a impugnação anulando-se as liquidações de IVA e respectivos juros.”****A Recorrida não contra-alegou.

    ****O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.

    ****Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.

    ****II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, se incorreu em erro de julgamento, ao considerar admissível a utilização pela AT de documentos apreendidos em busca a local para o qual não havia mandado relativo à Recorrente e ao entender ser legal a instauração de novo procedimento de inspecção.

    1. Fundamentação 1. Matéria de facto Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos: 1. Em 29.06.2006 o Magistrado do Ministério Público da Procuradoria da República do Departamento de Investigação e Acção Penal determinou a realização de busca nos seguintes termos: “(...) O presente inquérito foi instaurado para investigação da prática de crimes de fraude fiscal em que são visados CF.. e as sociedades de que é sócio gerente (...) Assim sendo 1. Determino a realização de uma busca às instalações das empresas H.., Ldª, P.., Ldª G.., Ldª, R.., Ldª, AS.., Ldª e MI.., Ldª, onde aliás decorria a acção inspectiva, na R. (…), com apreensão de todos os documentos conexionados com a actividade comercial destas empresas e do arguido (...)” e promoveu a realização de busca à residência de CF.. sita naRua 2(…) – cfr. fls. 29 e 30 dos autos.

  17. Por despacho judicial proferido em 3.07.2006 no âmbito do processo de inquérito que correu termos no º Juízo de Instrução Criminal do Porto sob o n.º ....../05.3TDPRT, foi autorizada a busca à residência de CF.. sita na Rua 2(…) – cfr. fls. 31 dos autos.

  18. Em 10.10.2006 a Divisão de Processos Criminais Fiscais da Direcção de Finanças do Porto elaborou auto de busca e apreensão no local sito na Rua (…) – cfr. fls. 32 a 47 dos autos.

  19. Em 26.04.2007 foi emitida a ordem de serviço n.º OI20079 visando a análise da situação tributária da sociedade A... S.A., na decorrência do processo de inquérito n.º ....../05.03ITDPRT de âmbito parcial a IRC e SISA – cfr. fls. 150 a 152 dos autos.

  20. Na sequência do descrito em 4. foi remetida à A... S.A. carta aviso informando da visita de inspectores tributários para recolha de elementos com vista a informar o Processo de Inquérito n.º ....../05.3 – cfr. fls. 27 dos autos.

  21. Em 16.05.2007 foi emitida a ordem de serviço externa n.º OI20079 de âmbito parcial a IRC e IVA atinente aos anos de 2003, 2004 e 2005 – cfr. fls. 146 dos autos.

  22. Em 3.05.2007 foi remetido...

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