Acórdão nº 01055/19.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelCarlos de Castro Fernandes
Data da Resolução31 de Março de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I – A S., S.A.

(Recorrente) veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual se negou provimento à impugnação por si deduzida contra as liquidações de imposto de jogo relativos a dezembro de 2018 e de janeiro e fevereiro de 2019, emitidas pelo Instituto de Turismo de Portugal, I.P.

(Recorrida).

Nas suas alegações, a Recorrente, concluiu que: 1.

A presente impugnação tem por objecto liquidações do Imposto de Jogo sendo que o regime tributário da actividade do jogo é um regime exclusivamente legal; 2.

Tal como definido e estruturado no Decreto-Lei nº 422/89, (Lei do Jogo), viola os princípios constitucionais da legalidade, capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da igualdade; 3.

As liquidações do Imposto de Jogo são ilegais por não estarem devidamente fundamentadas e por violarem o disposto na Lei do Jogo; 4.

É indiscutível que o imposto de jogo, cujas liquidações se impugnaram, é um tributo e, além disso, dentro da classificação dos tributos, é um imposto; 5.

As liquidações de Imposto de Jogo impugnadas, são ilegais por terem como fundamento legal o Decreto-Lei nº 422/89, de 2/12, sendo que tal diploma, na parte fiscal, é organicamente inconstitucional por dizer respeito a matéria da competência da Assembleia da República e a lei de autorização legislativa não indicar os critérios mínimos orientadores da autorização; 6.

As liquidações impugnadas são, também, ilegais, porque o referido Decreto-Lei nº 422/89, é inconstitucional quanto a uma outra vertente do princípio da legalidade; 7.

O referido diploma atribuiu à autoridade administrativa a competência para fixar, para a tributação sobre as máquinas de jogo, um capital em giro, que constitui a incidência real do imposto; 8.

Ora, o princípio da legalidade, na sua vertente de reserva de lei, é violado através dessa deslegalização, ao atribuir-se à autoridade administrativa a competência para fixar um elemento essencial do imposto, sendo as liquidações, ilegais, por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e do rendimento real; 9.

O imposto do jogo incide sobre o chamado “capital em giro” dos jogos, sem qualquer relação, nem com a receita bruta obtida pela recorrente nem, muito menos, com o lucro; 10.

O imposto de jogo incide sobre verdadeiras e autênticas presunções inilidíveis de matéria colectável, violando o artº 104º, nº 2 da CRP; 11.

As características próprias do Imposto de Jogo, não permitem afastar a sua sujeição aos princípios constitucionais da capacidade contributiva e do rendimento real; 12.

A circunstância de o Imposto de Jogo incidir sobre o “capital em giro”, não justifica que a fixação dessa matéria tributável seja feita com ignorância ou desprezo total por um mínimo de correspondência com a capacidade contributiva e o rendimento real da recorrente; 13.

A circunstância de o Imposto de Jogo incidir sobre o “capital em giro”, não justifica que a fixação dessa matéria tributável seja feita com ignorância ou desprezo total por um mínimo de correspondência com a capacidade contributiva e o rendimento real da recorrente; 14.

A Lei do Jogo é, também, inconstitucional, por violação do princípio constitucional da igualdade, ao fixar taxas de imposto diferentes para as diversas concessões da actividade de jogo e, portanto, para os diversos contribuintes que se dedicam a essa actividade, sendo certo que, essa diferenciação entre os diversos contribuintes não resulta dos contractos de concessão, mas sim da Lei do Jogo; 15.

As liquidações impugnadas são ilegais por insuficiente fundamentação quanto à fixação, pelo Turismo de Portugal, do “capital em giro inicial”, já que as deliberações das Comissões de Jogos não indicam os concretos critérios que estiveram na base da concreta fixação, para cada concreta máquina, do capital em giro inicial; 16.

As liquidações impugnadas são também ilegais por esse capital em giro inicial ter sido fixado mensalmente, quando a Lei do Jogo estabelece uma fixação anual; 17.

As liquidações impugnadas são ilegais, porque o Turismo de Portugal, em violação frontal da subalínea b) da alínea c) do artº 87º da Lei do Jogo, ter fixado o “capital em giro inicial” sem tomar em consideração as características das diversas máquinas de jogo e das circunstâncias concretas verificadas na sua utilização; Termina a Recorrente pedindo que seja julgado procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, anulando-se as liquidações impugnadas.

A Recorrida (Turismo de Portugal, I.P.) apresentou contra-alegações, nelas concluindo que: 1.

O imposto especial de jogo não é um imposto geral sobre o rendimento, é um imposto especial com características de extrafiscalidade, que tem uma história, que só pode ser verdadeiramente compreendido quando analisado de forma integral e sistematicamente, continuando a ser válidas as razões que estiveram na sua criação e que é aplicável a um leque restrito de contribuintes, 7 concessionárias de zonas de jogo.

  1. O contrato de concessão em causa nestes autos foi celebrado em 29 de dezembro de 1988, quando estava em vigor o Decreto-Lei n.º 48 912, de 18 de março de 1969, que continha o regime legal de exploração de jogos de fortuna ou azar, incluindo o regime tributário que enformava o contrato. O Governo em 1989, ao aprovar o novo regime que disciplina a exploração de jogos de fortuna ou azar em casinos (Decreto-Lei 422/89) fê-lo acautelando a defesa dos direitos constituídos e das legítimas expetativas das atuais concessionárias da exploração de jogos de fortuna ou azar. Por esta razão a recorrente e demais concessionárias não se opuseram ao referido diploma nem o contestaram e inclusivamente declararam 11 anos mais tarde, em 2001, aquando da revisão dos contratos, aceitar expressamente todas as obrigações que do mesmo constam.

  2. A recorrente ignora as especificidades na regulação pelo Estado da exploração dos jogos de fortuna ou azar, que estão bem patentes na legislação que trouxe esses jogos para o campo da legalidade e, em especial, no regime fiscal introduzido e que se mantém fiel à sua estrutura desde o primeiro momento (1927) em que o Estado decidiu regular uma atividade contra a qual nada podiam já as disposições repressivas.

  3. A especialidade do imposto e as suas características de extrafiscalidade, implicam uma cautela por parte do intérprete e aplicador da lei, uma vez que não lhe são aplicáveis, integralmente, os princípios da “Constituição fiscal”, como são os da igualdade tributária e da capacidade contributiva.

  4. O imposto especial de jogo é um imposto substitutivo de qualquer outra tributação, geral ou local, relativo à atividade específica de exploração dos jogos de fortuna ou azar, ao qual não podem ser aplicadas, sem mais, as regras de um imposto geral sobre o rendimento.

  5. Esta técnica de tributação excecional ao contrário da tributação instituída para generalidade das empresas, não assenta sobre o lucro apurado, o rendimento real ou líquido da exploração, o que se justifica pela especialidade da atividade de jogo. Ao contrário da atividade da generalidade das empresas que é incentivada pelo Estado, sobre a atividade do jogo incide um forte juízo de censura moral não pretendendo o Estado incentivar a mesma. A regulação do jogo impôs-se como uma inevitabilidade para o Estado que não quis ser parte interessada nos lucros da atividade, recusando lucrar com o infortúnio e a desgraça alheia.

  6. Inexiste qualquer violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, uma vez que o n.º 2 do art.º 104.º da CRP, prevê que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, encontrando-se perfeitamente explicadas as razões capital em giro inicial e pelas receitas brutas, sendo que a recorrente não alega factos que coloquem em causa a sua capacidade contributiva.

  7. Não há qualquer violação do princípio da igualdade quando o legislador aplica taxas mais baixas nas áreas menos desenvolvidas turisticamente e mais altas nas que apresentem um maior desenvolvimento, desde logo porque cada concessionária se situa, em exclusivo, numa dessas áreas, tendo, por isso, o Estado de criar e desenvolver de forma diferente as diferentes áreas turísticas, o que faz todo o sentido também face à consignação de receita constante do n.º 3 do artigo 84.º da lei do jogo.

  8. Não existe qualquer ilegalidade na fixação do capital em giro inicial para as máquinas, sendo que a recorrente nunca colocou em causa o seu método de fixação e valor.

  9. O capital em giro inicial mensal, que corresponde a uma decomposição do capital em giro inicial anual, é fixado com base nos registos contabilísticos das máquinas que a recorrente tem à exploração e que, por isso, refletem as características e as circunstâncias da sua exploração.

  10. A especialidade e especificidade do imposto de jogo e o facto de o mesmo ser aplicável apenas a sete concessionárias levou a que o legislador previsse a sua liquidação nos termos especiais previstos na lei do jogo, tendo a recorrente (i) prévio conhecimento da base de incidência do imposto (ii) conhecimento das respetivas taxas de imposto, (iii) conhecimento das bancas e das máquinas que colocou à exploração naqueles meses, e (iv) acesso ao sistema informático onde inseriu os valores da sua receita e de onde também resulta o cálculo aritmético para encontrar o imposto que é devido.

  11. A circunstância de a aqui recorrente sempre ter concorrido para a formação das notas de liquidação do imposto e ter prévio acesso a toda a informação, permite-lhe conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela administração para a determinação da liquidação. Conhecendo a recorrente as razões factuais e jurídicas, a sua garantia de defesa não foi colocada em causa, pelo que inexiste falta de...

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